Postcards from Greece #15 (Thessaloniki)

Hoje ouvi os sinos da igreja de São Demétrio

aqui mesmo, da sala, ali do outro lado da janela. Eram quase 6 da tarde, devia ser a hora da missa. Um dia destes vou assistir a uma missa ortodoxa. Assisti uma vez, creio que em Bucareste, a um bocadinho de uma. Mas com a igreja de São Demétrio aqui mesmo à mão, seria um pecado não assistir a uma inteira. Nos postais da Roménia, especialmente daqueles escritos de Cluj e de Bucareste, falo da estranha dança que os fiéis ortodoxos fazem diante de deus e dos santos (ou ídolos, como lhes quiserem chamar). Aqui também a fazem. Tal como também se benzem as pessoas cada vez que passam por uma igreja. Benzem-se com gestos largos e com a mão esquerda.
 
Salónica está cheia de igrejas e igrejinhas. Há praticamente uma em cada esquina. Os quase 800 000 habitantes da cidade têm, assim, se quiserem, muitos espaços onde ir dançar diante de deus. Como escrevi no postal de ontem, o padroeiro da cidade é justamente São Demétrio, o mesmo em honra do qual se ergueu esta igreja aqui defronte da janela, de que hoje ouvi tocar os sinos eram quase seis da tarde. Foi um toque solene e curto.

 
Salónica é a segunda maior cidade da Grécia, a seguir a Atenas. Já escrevi que não é particularmente bonita e que é bastante suja (e nisto não difere muito de Atenas). Claro que a beleza ou a fealdade da cidade tem dependido mais da minha boa ou má disposição, do que dela mesma. Não deveria dizer que Salónica é uma cidade feia, porque, na realidade, especialmente quando está sol – como acontece quase sempre, com muitas outras cidades e lugares do planeta – até tem alguma beleza e tem ruas e praças e cantos e recantos bem bonitos. Talvez o stress que tenho tido, com a casa, os bichos, as picadas, etc, me faça olhar para a cidade de uma forma pouco simpática. Mas agora basta-me ir ali à janela ou à varanda para perceber que Salónica pode ter muita beleza.
 
O que não tem beleza nenhuma é o lixo, muito, espalhado pela cidade, em redor dos caixotes. Aqui em Salónica (não sei como será noutras cidades gregas) a reciclagem resume-se ao papel. Só há contentores para separação do papel. O que é estranho. Tal como é estranho que a maior parte do fornecimento da internet se faça por ligação telefónica. Também é estranho que o café custe geralmente uma fortuna, especialmente se queremos sentar-nos e bebê-lo tranquilamente. É ainda estranho que não se encontrem garrafões de 5 litros de água, só garrafas de litro e meio (e já fui a uns 3 ou 4 supermercados diferentes). Os supermercados não têm, aliás, grande organização. Os produtos estão espalhados por toda a parte e não parece haver grande lógica no modo como tudo aquilo (não) está organizado. Os horários também são estranhos e dão cabo de qualquer noctívago como eu. No departamento onde estou, por exemplo, as pessoas começam a trabalhar entre as 8h30 e as 9h e acabam às 14h, hora a que vão almoçar e depois vão para casa. A porta fecha às 14h e se não tivermos a chave corremos o risco de ficar trancados lá dentro. A Maria disse-me que vou ter uma chave, mas aconselhou-me seja como for a não sair de lá depois das 5 da tarde porque pode ‘ser perigoso’ andar no campus a partir dessa hora. Os correios têm também o mesmo horário. E, não, não vou tecer considerações sobre a produtividade dos gregos e patatipatata, mesmo porque, depois de irem para casa, as pessoas podem continuar a trabalhar. Outra coisa estranha são as horas das refeições. Vejo muitas pessoas comerem uma refeição completa, tipo almoço ou jantar, às 5 ou 6 da tarde. No entanto, na cantina da Universidade podemos almoçar até às 15h30 pelo menos.
 
O preço do café baralha-me de tão elevado, como disse. No entanto se for ‘para levar’ podemos encontrar um expresso aceitavel a 0,80 ou 1 euros. Sentados é que pode custar até mais de 3 euros. No resto, não se nota muita diferença entre Portugal e a Grécia. No preço da comida no supermercado e no preço da comida nos restaurantes. Aliás, nestes últimos, parece-me até que é mais barato que em Portugal. Ah, lembrei-me agora mesmo, que as bebidas são também geralmente (mais) caras. Um bilhete de autocarro que dá para 70 minutos e cobre uma mudança, custa 1 euro. Os museus parecem-me mais baratos que em Portugal, mas ainda só fui ao Museu do Cinema e tive desconte (custou 1 euro a minha entrada) pelo que mais tarde direi. Também ainda só sei o preço dos bilhetes de cinema na Cinemateca – 4 euros. O tabaco é mais barato que em Portugal (um Marlboro gold custa aqui 4,5 euros e em Portugal é 4,80 ou 90, já não sei bem, porque na verdade fumo Chesterfield azul que, vá-se lá saber porquê, não é vendido na Grécia). A água nos restaurantes e cafés é quase sempre oferecida. Falo de água engarrafada. Nos supermercados uma água de litro e meio pode custar 20 cêntimos. Os táxis são baratíssimos, se comparados com Portugal. Já agora o salário mínimo na Grécia é de 683,76 euros. A taxa de desemprego (dados de junho de 2017), acho que já tinha dito, está nos 21,2%.
 
Mas não foi de nada disto que me lembrei ou em que pensei quando ouvi hoje, quase às seis da tarde, os sinos da Igreja de São Demétrio. Não foi em números, nem em preços, nem em dinheiro. Foi apenas na beleza que há em toda a parte. E é verdade que, apesar de alguns pesares, é sempre bom podermos vê-la para além daquilo que pode ser medido.

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