Os bullies avençados

Santana Castilho*

Mesmo para quem está habituado ao confronto de opiniões que as decisões políticas mais polémicas suscitam, causa perplexidade verificar a quantidade de pronúncias na comunicação social, escrita ou falada, ora expondo ignorância inaceitável, ora evidenciando intuitos manipulatórios censuráveis, que a questão da tentativa de apagar uma década ao tempo de serviço dos professores suscitou. Conheço os preconceitos e as agendas destes bullies avençados. Mas, confesso, espantou-me ver tantos e tão irmanados na mentira e no ódio a uma classe, a quem devem parte do que são e do que serão os seus filhos e netos. Não é corporativa a razão que dita estas linhas. É a seriedade, é a justiça e é a certeza sobre o quanto toda a comunidade precisa dos seus professores.

Dois clichés são recorrentes no discurso dos bullies: a progressão dos professores é automática, em função do tempo de serviço; não há possibilidade financeira para o que reclamam.

Comecemos pela carreira. Na representação adulterada das mentes captas dos bullies, a progressão na carreira dos professores seria apenas dependente do tempo. Nada mais falso. Um lugar num quadro, primeiro patamar dessa carreira, só ocorre, em média, depois de duas décadas de exercício profissional penoso, em situação de nomadismo continuado, com avaliação do desempenho anual, da qual depende uma hipotética contratação no ano seguinte. Depois, sim, vem o requisito do tempo de serviço, ao qual se soma uma avaliação do desempenho, interna e externa, que é fortemente penalizante se insuficiente, e a obrigatoriedade de 50 horas de formação, igualmente avaliada, em cada escalão, com aulas assistidas nos 3º e 5º e quotas administrativas para chegar aos 5º e 7º. Para falarmos sobre o tema é elementar ler o Estatuto da Carreira Docente. Mas os bullies não leram. Alguns, que simultaneamente sacralizam as avaliações da OCDE e vilipendiam os professores, parecem ignorar que aquele organismo internacional considera os nossos docentes como dos mais competentes no universo dos países examinados. E esquecem que os inquéritos sociais sobre o apreço e a confiança que os portugueses depositam nas diferentes classes profissionais mostram a dos professores nos lugares cimeiros.

Disse o Governo, que vai deixando cair números para incendiar a opinião pública, que um quarto chegaria ao topo da carreira se todo o tempo de serviço fosse contado. Mas não disse que, desde que a carreira foi concebida, não pelos docentes, mas por um governo PS, nenhum, repito, nenhum, lá chegou. Não pensaram nas consequências quando assim legislaram e, mais tarde, anunciaram o fim da austeridade?

Passemos à questão financeira. O que está em causa não é recuperar o dinheiro perdido durante quase uma década. O que está em causa é não permitir que, para futuro, desapareçam 10 anos de trabalho cumprido. O coro dos 650 milhões de euros, em que afinaram bullies, primeiro-ministro e, sibilinamente, Presidente da República, é uma falácia. Essa quantia, para além de não ter sido reclamada pelos professores no OE de 2018, será (deduzida de mais de um terço, que será recuperado pelo Estado em impostos) o preço da decência, dividido em vários orçamentos futuros. Entendamo-nos: um orçamento é o espelho das escolhas políticas de um Governo. No de 2018, Costa vergou-se às rendas de privilégio, com uma pirueta de deslealdade quanto à contribuição sobre as renováveis. Na última segunda-feira, rasgou, sem decoro, a palavra que havia dado na sexta passada. No de 2018, Costa e Centeno reservaram 3.250 milhões para os desmandos da banca e 1.498 milhões para as rendas imorais de 15% das parcerias público-privadas rodoviárias, em que não tiveram coragem de tocar, para além de terem antecipado, há 15 dias, um pagamento ao FMI, de 2.780 milhões, que só teria que ser feito em 2020 e 2021. Costa tinha razão quando disse que “a ilusão de que é possível tudo para todos, isso não existe”. Tudo só é possível para alguns. Os que Costa escolheu.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

Comments

  1. Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

    ” (…) Alguns (bullies), que simultaneamente sacralizam as avaliações da OCDE e vilipendiam os professores, parecem ignorar que aquele organismo internacional considera os nossos docentes como dos mais competentes no universo dos países examinados (…).
    A imensa verdade contida nesta frase é constantemente desvirtuada pelos “bullies” e por uma opinião pública seguidora da cartilha de direita que neste País se instalou.
    Quanto a mim, este desvirtuamento tem a ver com o facto de existir um sindicato de Professores afecto à CGTP e que tem sido, no fundo, um dos grandes responsáveis pela manutenção de um certo respeito por uma classe que tem vindo a ser, sem dúvida, vilipendiada.
    A cartilha salazarista primeiro e soarista a seguir, sempre se pautaram por um discurso claro que definia que tudo o que vem de uma certa esquerda, como mau e intrinsecamente perigoso.
    A verdade é que a opinião pública está, quarenta anos depois do 25 de Abril, no ponto de partida, lendo e repetindo à exaustão a “cartilha” soarista e salazarista.
    Particularmente chocante, são as referências ao responsável pela frente sindical, descendo essa mesma crítica ao nível do pessoal. E quando assim acontece, é porque faltam argumentos.
    Chegou-se ao ponto em que não se discutem ideias, mas pessoas. Pergunte-se a essa opinião pública – a mesma que elege governos e presidentes – o que os leva a tantas críticas aos professores e veremos que a grande maioria não tem a mínima ideia do que está a discutir. Fala por cartilha que os “bullies” avençados, como tão bem refere, lhes distribuem.

    Seria bom que essa mesma opinião pública pensasse um pouco na forma como os desmandos criminosos da banca vêm sendo geridos pelo Arco da Governação. Não há diferença alguma entre um PSD/CDS e um PS, salvo uns trejeitos que comparo ao “efeito de distribuição de umas migalhas”.
    Mas em qualquer dos casos, quando as vozes que falam alto tossem, metem de imediato o rabo entre as penas, como aconteceu com a energia.
    Na actual política do Arco da Governação, nenhum dos membros está interessado em destruir privilégios adquiridos como são as parcerias. Como os ingleses dizem … “One hand washes the other” … E assim se vai vivendo neste cantinho.

  2. Rui Naldinho says:

    Ainda que tivesse havido uma mudança no cenário político, continuaremos a ter muitos inimigos no Poder.
    Espero que a próxima sondagem do Expresso, pergunte aos entrevistados se o PS é confiável para uma maioria absoluta?
    Talvez não fosse má ideia termos a percepção de como os Portugueses se sentem, depois disto

    • Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

      Decididamente caro Rui Naldinho, o PS não é, nem nunca foi confiável para uma maioria absoluta.
      E digo-lhe com toda a sinceridade, a maioria dos Portugueses está numa curiosa dúvida relativamente à facada do PS ao BE sobre a energia. Por um lado ficam chateados porque as suas finanças não foram acauteladas. Mas por outro não se importarão muito porque, estas ideias do BE, sendo de esquerda, dispensam-se … É a cartilha “socialista” a funcionar.

  3. carlota says:

    Este apoiante de Isaltino Morais, não sendo da minha área política, acerta em “cheio”…XD

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