Postcards from Greece #57 (Kavála)

«Where are you from?»

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deve ser a pergunta que mais vezes me fazem, na Universidade, nos cafés, nos restaurantes, nos táxis, na rua se calho em perguntar alguma direção a alguém. Quando digo «Portugal» a reação costuma ser bastante boa, ao contrário do que acontece quando viajo para países do norte e centro da Europa. Não quer dizer que aí seja má, mas é um bocado menos entusiasmada, digamos assim. Hoje, por exemplo, perguntaram-me três vezes de onde sou. A primeira foi uma senhora que estava a tomar chá no café onde tomei o pequeno almoço. Ao ouvir-me pedir o que queria, sem mais nem menos perguntou-me de onde era. A seguir se era a primeira vez que estava na Grécia e depois mais não sei o quê. Ou seja, em vez da indiferença com que geralmente somos brindados – bom, pelo menos em geral, não quer dizer que seja sempre assim – nos países mais centrais da Europa, aqui as pessoas interessam-se. Como o rapaz do hotel – outro hoje, não o que hasteou a bandeira portuguesa ontem à tarde – que quis saber o que é que eu estava aqui a fazer, se Espanha e Portugal falam a mesma língua, qual era a equipa de futebol da minha cidade (esta é recorrente, especialmente se são homens, hoje perguntaram-me isto duas vezes), etc., etc. Ou o taxista que me trouxe da estação de autocarros aqui em Salónica, onde já estou há um par de horas, que queria saber tudo e um par de botas, me falou de Cristiano Ronaldo com enlevo e do Fernando Santos (?) que parece que é o treinador de um clube grego qualquer de que ele é adepto. E também quis, claro, saber o qual era o clube da minha cidade. «Beira Mar» respondi eu. E, mais uma vez, me espantei, como antes de outras vezes. Ele conhecia! Talvez deva aprender mais sobre futebol, mas bom, eu até há uns 4 ou 5 anos desconheia quem era o Messi, por isso, saber que o Beira Mar é a equipa de Aveiro, digamos que já é qualquer coisa.
 

Mas à exceção do rapaz do hotel, das senhoras do café, do senhor da bilheteira da estação de autocarros de Kavála e do taxista de Salónica, não falei com mais ninguém. Quando acordei, tarde e muito bem repousada – dormi como um anjo no Old Town Inn – saí do hotel deixando lá a mala. Tinha a intenção de apanhar o autocarro das 5 horas e por isso ainda podia dar mais uma volta pela cidade. Chovia e as ruas estavam praticamente desertas. A minha intenção era visitar o Museu do Tabaco, mas, pasme-se, no inverno está fechado aos domingos. Os horários dos gregos, nestas coisas, não cessam de me espantar. Tal como o museu, todas as lojas, muitos cafés e restaurantes, estavam também fechadas. Apesar de saber já que o museu estava fechado, resolvi assim mesmo passar por lá, e no caminho visitar (ou ver) alguns antigos armazéns de tabaco, a câmara municipal, algumas praças e jardins, percorrer de novo o ‘passeio marítimo’, ir ao porto, enfim, como disse, dar mais umas voltas. Voltar ao castelo estava, com a chuva, fora de questão. De certeza que iria acabar por me matar, não a subir, mas a descer as ruas íngremes, agora molhadas. Assim, depois de comer o pequeno almoço, quase à hora do almoço, fui pela pequena rua Spetson até à praça Eleftherias, continuei pela rua Omonias, de chapéu de chuva em riste. Andei quase um quilómetro até encontrar o Armazém de Tabaco Municipal. Imponente e cor de rosa, bem conservado, mas aparentemente sem grande préstimo atualmente. Numa das alas parece que está instalado o museu naval, mas está – obviamente – fechado hoje. A praça Kapnergati ou a praça dos Trabalhadores do Tabaco, é bem bonita, mesmo com a abundante chuva que cai sem parar desde que saí do café. Há uma estátua em frente aos armazéns cor-de-rosa, uma homenagem à luta dos trabalhadores do tabaco. É de Armakolas Dimitrios e eu gosto dela imediatamente.
 
Um pouco mais abaixo, noutro edifício imponente que foi, provavelmente, outro armazém de tabaco, há um centro comercial praticamente deserto. A rua Mega Alexandrou (ou Alexandre O Grande) é estreitinha e bem bonita. Mas também quase não há pessoas. Volto à praça dos trabalhadores do tabaco e volto a olhar a estátua. Já se percebeu que a cidade foi uma importante centro da indústria de tabaco, a partir do século XX. O tabaco vinha de várias aldeias da região da Macedónia para Kavála, onde era armazenado e enviado para várias partes do país e do mundo por mar, naturalmente. Além do tabaco, cuja presença se nota, então, por toda a cidade, nos lindíssimos edifícios onde o mesmo era armazenado, a cidade foi um importantíssimo porto de pesca. A avaliar pela quantidade de barcos e redes e pescadores, ainda deve ser. Se não importantíssimo, pelo menos importante. A seguir à praça que presta homenagem ao movimento dos trabalhadores da indústria do tabaco, admiro uns edifícios em ruínas, passo ao lado da primeira igreja católica que vejo na Grécia e entro na tranquila e colorida rua Kiprou. Parou de chover há um instante e é bastante mais agradável percorrer a pequena rua, admirar os edifícios do governo municipal e a praça ajardinada e forrada a mármore (um perigo com este tempo, ainda gostava que me explicassem a mania dos gregos em terem passeios e praças forrados a mármore!) do outro lado: o Parque Iron. Hei de voltar ao Parque mais tarde e admirar a linda e leve estátua, apesar de ser de bronze, da deusa Nike (a deusa grega da vitória), de Yannis Parmakelis, que admira ela mesma um grande painel de mármore em relevo que nos mostra as lutas do povo macedónio. Tudo bastante patriótico, convenhamos, mas não admira. Toda a região da Macedónia, e naturalmente, também Kavála, como já escrevi diversas vezes nestes postais, conheceu várias ocupações, cuja mais duradoura (de 1397 a 1912) foi pelos Otomanos. A sua presença duradoura nota-se bem também em Kavála, como em todas as cidades da região onde estive já. Durante a I Guerra dos Balcãs, a cidade esteve brevemente ocupada pelos Búlgaros, mas passou para domínio grego em 1913, para ser devolvida aos primeiros, de 1941 a 1944, durante a II Guerra Mundial, pelos nazis. Uma história conturbada, portanto a do povo macedónio, a da Macedónia e a de Kavála.
 
Hoje a cidade é encantadora, como referi no postal de ontem. Vive crescentemente do turismo e está relativamente bem preservada, sobretudo se compararmos com outras cidades gregas. Vivem aqui perto de 50 000 pessoas, embora não se note, essencialmente hoje, com a chuva. É uma cidade tranquila e amistosa, aberta à baía da Macedónia, com os seus portos de pesca, de passageiros, de iates e comercial. Respira-se o ar do mar em Kavála muito mais que em Salónica. O ar parece mais limpo e mais fresco. Cheira a peixe fresco e grelhado, quando é hora do almoço ou do jantar. A chuva não torna Kavála mais feia, dá-lhe outra luz e outra beleza. Ando por ali, de novo, pelo porto de pesca e depois pelo porto comercial, apreciando outras perspetivas da cidade velha, do Imaret e da fortaleza. Outras vistas da cidade nova, também e da baía. Recomeça a chover com mais intensidade e eu sento-me num abrigo no porto de passageiros a fumar um cigarro e a olhar os barcos e o mar. O grande ferry que estava desde ontem estacionado no porto, da Hellenic Seaways parte não sei para onde e é bonito vê-lo agitar as mansas águas. Os gatos passam a correr para se abrigarem da chuva. As gaivotas andam num desassossego, no céu, por cima da fortaleza. Eu fumo o meu cigarro enquanto vejo o seu fumo misturar-se com o cinzento do mar. Sou tão daqui como de qualquer outra parte.

Comments

  1. Pedro says:

    Elisabete, o Fernando Santos foi treinador de várias equipas gregas e ainda foi seleccionador da seleção grega. O homem era e ainda é adorado aí na Grécia. Não foi o único português que por aí passou, mas não a vou confundir mais 😉 E por falar em tabaco, li que os gregos estão a mudar de hábitos nesse aspecto, sobretudo por causa da crise, mas não só. Nota isso?

  2. Viva Pedro, obrigada pelo esclarecimento 🙂 Quanto ao tabaco não noto, fumam imenso, como me lembrava da viagem anterior aqui (em 2011) e fumam em toda a parte (edifícios públicos, restaurantes, cafés, comboios, etc. sem qualquer problema e ninguém diz nada. 🙂

    • Paulo Marques says:

      É o que lhes resta, com sorte morrem antes da reforma que já não têm.

  3. Emilia Santos says:

    Os gregos gostam de Portugal talvez por sermos um pais atrasado como eles. Não se sentem tão sós ao identificarem-se connosco.

    Emilia Santos

    • Cara Emilia,

      Mas olhe que não somos tão atrasados como eles, disso não tenha dúvida. Até ao nivel da educação.
      Ainda é frequente ver como ainda ano passado vi , discussões entre gregos por tudo e por nada. Por exemplo nas estações de comboio é vulgar acesas discussões por pequenas quezílias como “dar o golpe” .
      Já para não falar na antipatia crónica dos funcionários para darem uma qualquer insignificante informação.
      Parece que não estamos na Europa. Sinto-me inclinado a dar um pouco de razão aos autores que não consideram a Grécia como “Ocidente”.

      Rui Silva

      • Pedro says:

        Rui, eu tenho alguma, pouca, experiência com outros povos da Europa, incluindo funcionários, e olhe que os gregos não me pareceram mais antipáticos do que por exemplo os italianos, muito pelo contrário. A pior experiência que tive com funcionários foi mesmo numa estação de correios em Roma, curiosamente com um tipo que não tirou o cigarro da boca enquanto tentava falar com ele. E sobre isso de a Grécia ser, ou não, Ocidente, é uma discussão que eu deixaria a outras gentes mais ciosas dessas discussões e que até duvidam que o Rui ou eu sejamos mesmo ocidentais e não uma espécie de marroquinos ;).

        • Pois aguarde até ter mais alguma experiência…
          pois falta-lhe sem duvida, senão site-me algum Autor credível que não considere Portugal “Ocidente”. Será que devido à sua pouca experiência não tem ainda a noção ao que se convencionou chamar “Ocidente”?

          Rui Silva

      • Elisabete Figueiredo says:

        Rui não partilho em nada essa sua opinião!

        • Elisabete Figueiredo says:

          Quero dizer, tem razão numa coisa: nesta partr da Grécia devido a quase 500 anos de ocupação pelos otomanos, há uma mistura evidente entre a chamada cultura ocidental e a oriental.

    • Elisabete Figueiredo says:

      Emília, atrasados segundo que padrões de referência? Não acho que sejam(os) atrasados

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