Fórum Económico Mundial – O Baile dos Vampiros

Foto: AFP

Terminou anteontem um dos rituais mais escancaradamente denunciadores desta “ordem mundial canibalista” – como classifica os nossos tempos o sociólogo Jean Ziegler, que também é o autor da acertadíssima denominação “Baile dos Vampiros” aplicada ao Fórum Económico Mundial, realizado anualmente em Davos, nas montanhas suíças.

Neste baile, os gigantes económicos mundiais, a elite da globalização, dá-se ao trabalho de fingir que tem nobres preocupações para além das evidentes e comezinhas de manter os dentes afiados para garantir os lucros próprios e continuar a sugar e a crescer. O manto desta suposta nobreza oferece aos seus lacaios políticos um pretexto para lhes irem comer à mão desavergonhadamente e venderem por bagatelas cada vez mais ínfimas o sangue dos países e povos que fingem servir, enquanto os colossais dráculas lhes ditam – e eles apontam no caderno – os trabalhinhos de casa para a disciplina de desregulação.

Nesta 48a edição estiveram 70 chefes de estado e de governos, entre os quais os pequenitos, como o governo português, com o objectivo declarado de “colocar Portugal entre as prioridades dos investidores mundiais” e os maiores, como o desvairado Trump, com o seu “A América está de portas abertas ao negócio”. Fazer os impostos dos portentos tenderem para a nulidade, fornecer mão de obra barata e desbaratar os direitos dos consumidores, criar PPPs, assegurar uma justiça paralela com privilégios especiais, rebentar com as regulações, tudo faz parte do menu disponibilizado para que os poderosos, mais o seu capital, possam circular à vontade, leves e livres como livres são os acordos de comércio e investimento que lhes dão asas.

Vampiros selectos e de bom gosto que são, não descuram pormenores e escolhem lemas do mais belamente hipócrita, como o deste ano: “Como criar um futuro partilhado num mundo fracturado”. Os próprios autores da fracturação a emanarem ideias de partilha. Que elegante exponente máximo do cinismo!

Nunca houve tanta desigualdade no mundo, nunca o planeta esteve tão ameaçado. Segundo o relatório da organização não governamental britânica Oxfam, em 2017 houve um aumento histórico do número de novos multimilionários, um a cada segundo dia – um aumento que seria suficiente para acabar sete vezes com a pobreza extrema no planeta. Em 2017, de toda a riqueza gerada no mundo, 82% ficaram concentrados nas mãos dos que estão na faixa dos 1% mais ricos, enquanto a metade mais pobre – o equivalente a 3,7 mil milhões de pessoas – nada obteve.

Oskar Lafontaine, ex-ministro das finanças alemão, revelou há anos um episódio bem sintomático do que se passa no baile de Davos:

“Quando em 1996 Hans Tietmeyer, antigo presidente do Bundesbank (Banco Federal Alemão), anunciou aos chefes de Estado ali reunidos que deveriam ter consciência de que estavam todos sob controle dos mercados financeiros mundiais, eles aplaudiram. De facto, ele troçou deles, dando-lhes a entender: vocês, que estão aí sentados, nada mais têm a dizer, doravante são os grandes bancos que vos impõem a vossa política. E eles bateram palmas.”

Como de costume, houve protestos de activistas na rua – mas longe, porque proibidos em redor do antro fortificado. E como de costume também, as forças de segurança ultrapassaram, pelo menos no dobro, o número dos 3.000 participantes: dos polícias, vindos de todos os cantões suíços e de Liechtenstein, este ano foi mantido secreto o número, enquanto dos soldados sabe-se que foram 4.400 e também se sabe que o custo da guarda rondou 8 milhões de euros, dos quais os contribuintes suíços costumam pagar cerca de 80%, para que os vampiros possam planear e combinar à vontade como comerem (ou sorverem) tudo e não deixarem nada.

 

Comments

  1. JgMenos says:

    Ainda se os Queridos Líderes se juntassem para se contraporem a tão horrorosas criaturas…mas são tão poucos e tão ordinários!

    • ZE LOPES says:

      Ah! Ah! Ah! Ahhhhh! Olha o Menos a querer ser irónico. Ai que o menos irónico é tão cómico! Ah! Ah! Ah! Ai que não posso mais! Até rimei, carago!..

  2. Graça Horta says:

  3. Fernando says:

    Os Luíses XVI e as Marias Antonieta da actualidade.

    Os aristocratas são tão poderosos, e ainda assim, uma lamina afiada q.b. consegue-lhes por a cabeça a dar voltas…

  4. “Vampiros selectos e de bom gosto que são, não descuram pormenores e escolhem lemas do mais belamente hipócrita, como o deste ano:
    “Como criar um futuro partilhado num mundo fracturado”.
    …………………………………………………………………………………………..
    Desculpe-me a Ana Moreno, mas não acho que este enunciado seja hipócrita: porquanto, o mesmo denota preocupação com os seus interesses e a necessidade de organização e união entre eles. Aliás, esse enunciado está em linha com o espírito subjacente a Davos e com o que Hans Tietmeyer, anunciou em 1996 aos chefes de Estado ali reunidos e eles aplaudiram; e mais não é que a continuidade e reforço dessa ideia. Porque o capital financeiro, os mercados, terão sempre como preocupação essencial ter o futuro do mundo partilhado entre eles, apesar de fracturado – a isto se chama Globalização. Contudo, são tão sinceros nos seus enunciados e a sua mensagem é tão clara que, muitas das vezes, o receptor, induzido em erro, toma-a por oposta e dá-lhe, por absurdo, outro entendimento. Contudo, tal como Hans transmitiu, em 1996, são assim, não estão ali para se enganarem uns aos outros e é bom que todos tenham consciência disso: como tal, os presentes, obviamente, só poderiam aplaudir. Ficaram, aqueles (em 1996) e estes (em 2018), cientes que a mensagem foi entendida e para o comprovar, muitos dos presentes, excitados com a representação, qual Missa do Diabo, sobem ao palco oferecendo os seus povos em sacrifício aos demónios. Tal e qual o governo português o fez ao apresentar-se com o objectivo declarado de “colocar Portugal entre as prioridades dos investidores mundiais”.

    • Ana Moreno says:

      Certo, Bento Caeiro… mas formulam assim delicadamente para que a interpretação pelos media e pela generalidade seja outra e isso é o pretendido e conseguem na maior, certo? 🙁

      • Bento Caeiro says:

        Certo, Ana. Obviamente, há intenção – e muito estudada e ponderada de fazer passar a mensagem. Intenção de levar alguns ingénuos que ali possam estar – transitoriamente, por função – ao engano, e a outros convencer a espalhar a sua mensagem, que é: “Estão a ver, apesar do que dizem de nós, estamos a trabalhar em benefício de todos vós, de todas as nações e países e só queremos o bem da humanidade. Espalhem e digam como nós somos bons, apesar do mal de que alguns detractores nos acusam!

  5. JgMenos says:

    Os adoradores do Bezerro de Ouro invocam-no para que lhes forneça o maná sem que se lhes diga donde ele vem.
    Chamam Diabo a tudo que associe o maná a investimento e comércio.

    • ZE LOPES says:

      A mim, Menos, não engana! V. Exa coverteu-se ao judaísmo! Direi mais: anda a estudar para Rabino! Não admira! A sua sabedoria bíblica é impressionante! Apenas uns poucos iniciados na Cabala conhecem o verdadeiro mistério bíblico da ligação entre o Bezerro de Ouro e o maná

      Estou certo que em breve nos iluminará sobre tão candente assunto. Afinal, como produzia o Bezerro o maná? Porque não dizia ele de onde vinha? Suspeito!..Será que a ASAE estará informada?

      É que, como todos sabem, o maná era de borla. Aparecia de manhã em cima das árvores, o que irritava solenemente os padeiros, que viam o negócio ir por água abaixo. Mas veio o Bezerro e aquilo passou a ser pago (é mais ou menos o que se passou com a SCUTNILO depois da travessia do Moisés, por obra do mesmo). Por isso é que se passou a ouvir nas hostes do Povo Eleito: “Este Bezerro é lixado!Agora é que é o Diabo!”

    • Paulo Marques says:

      O Bezerro D’Ouro são os vários indicares criados e reformulados a gosto pelo FMI, OCDE , Banco Mundial, BCE e por aí fora?

  6. Luís Lavoura says:

    o custo da guarda rondou 8 milhões de euros, dos quais os contribuintes suíços costumam pagar cerca de 80%

    Não sei se isto é assim ou não, mas surpreende-me que os contribuintes suíços se deixem assim esmifrar. Penso que deve haver pagamentos da parte da organização do Fórum que compensem estes custos.

    • Ana Moreno says:

      Aqui tem preto no branco, pelo governo suiço, a discriminação dos custos: https://www.admin.ch/gov/de/start/dokumentation/dossiers/wef.html
      “Das Finanzierungsmodell sieht ein Kostendach in der Höhe von 8 Millionen Franken für jedes Jahrestreffen vor, an dem sich die WEF-Partner anteilsmässig wie folgt beteiligen:
      Kanton Graubünden: 2 Mio. Fr.
      Gemeinde Davos: 1 Mio. Fr.
      Bund: 3 Mio. Fr.
      WEF: 2 Mio. Fr.
      Kostendach: 8 Mio. Fr.”
      Pus agora o link no post, para ser verificável; às vezes não o faço por ser em alemão, mas concordo que é importante saber a fonte.
      “(…) mas surpreende-me que os contribuintes suíços se deixem assim esmifrar.” Pois bem se pode surpreender Luís Lavoura, mas é assim. Sempre com o argumento de que o evento vai promover o nome de Davos no mundo, o turismo e os bons contactos com investidores de todo o mundo.
      Há quem não goste e tenha estado nas manifestações em Zurique e Genebra, mas é uma minoria. A ideologia dominante dos lucros privados e custos públicos está há anos no auge.

      • Luís Lavoura says:

        Obrigado pelo linque (que não li) e pela citação (que li).

  7. Mr José Oliveira Oliveira says:

    Certo, só faltou salientar que os activistas anti-corporações, mesmo impedidos de se aproximar pelos gorilas armados, colocaram uma faixa de 60m na montanha em frente para ficar bem visível a denúncia do baile e do Trump, um dos principais mandadores.
    Não esbanjámos…..Não pagamos!!!!

  8. paula says:

    Bravo, Ana Moreno! Excelente artigo. Daqueles q nos deixa a tremer de raiva e medo. E c/ a fiel e fresquinha dose de adrenalina, mais uma boa dose de refleccao, espero q cada um se dedique a engendrar formas de enfrentar as vampiros, nem q seja na triagem de produtos q consumimos e confrontando os nossos politicos. 😉

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