Sónia Valente Rodrigues
Enquanto professora, sempre me incomodou nos alunos entre os 6 e os 18 anos a tendência para se divertirem atacando outros (ver alguém sofrer causa divertimento). Enquanto diretora de turma, intervim muitas vezes junto de alunos que, com o ar mais sereno e com a atitude mais bem educada do mundo, me diziam: Mas era uma brincadeira! Nós só estávamos a brincar.
Continuo a ouvir essa justificação ou explicação: fizemos isto ou aquilo ao nosso colega mas era só a brincar (enquanto o colega chora ou sofre sozinho).
Não entendo. Nunca entendi. Qual é a explicação para este comportamento? Como se altera este comportamento?
Vem isto a propósito de um relato de experiência de um menino. Esse menino perdeu o pai aos 9 anos. Aos 11 anos, nos intervalos das aulas, ouvia dos colegas algo como isto:
– Olha, X! Olha ali o teu pai (apontando o dedo para o portão).
Ele olhava.
E os colegas riam-se à gargalhada:
– Ah, pois… Não é, tu não tens pai.
E a seguir: nós estávamos a brincar; não era a sério; estávamos todos na brincadeira.
Esta “brincadeira” foi repetida durante semanas e meses…
ilustração Arthur John Elsley
Sónia Rodrigues,
As suas palavras são curtas mas muito expressivas quanto ao fenómeno da agressividade entre os adolescentes/jovens.
Não sei dar uma explicação definitiva sobre isso. Seria um “génio”…Lol.
Parte do fenómeno é inato, ou seja, vem marcado pela genética, segundo os Etólogos.
Outra parte é construída, reforçada pelas relações sociais-aprendizagem. Sociedades com traços hedonistas onde se premeia o “habilidoso” e o “chico esperto” em vez do mérito conseguido no respeitos pelas regras, terão como resultado mais agressividade-violência.
Depois se ao Homem tudo é permitido…Faltam os mecanismos do lado do interdito (alter-ego).
Vivemos tempos estranhos…
Ainda recentemente ouvi uma “gira” (e, para mim, nova):
– Porque bateste no colega?
– Foi sem querer!
– Não se bate sem querer, olha agora! Quando se bate é de propósito!…
– Oh, sim, mas foi só um bocadinho de propósito, a maior parte foi sem querer!
Os passarinhos, tão bonitinhos estão nos seus ninhos. Eram três, mas um já foi empurrado pelo ninho fora e, como ainda não voava, foi parar à barriga do gato. Este, o gato, não sabe quantos ali em cima ainda estão, mas sabe que não tarda outro seguirá o mesmo caminho e irá parar ao chão – perdão ao seu barrigão. No ninho, esse aí, apenas um dos três ficará, porque os outros, à vez e a brincar, pela borda fora o vão mandar.
Para o bem, como para o mal – isto apenas serve para as mentes que a árvore do conhecimento proporcionou o pensar – é, meus amigos, a Natureza a funcionar.
Nas aulas e recreios e nas minhas caminhadas pelos campos e planícies em companhia dos meus amigos, uma coisa eu, muito cedo percebi – descontando os exageros: que os há – tal forma de proceder serve e serviu para nos fortalecer, aprender a defender-nos e a vida enfrentar.
Voltando aos passarinhos. Passarinho de gaiola, se solto, mesmo voando, não terá grande voar e, certamente – não sabendo como fazer – vai morrer de fome, ou de qualquer outro mal, por não estar preparado para viver em liberdade, defender-se e sustentar-se.
Por isso, apesar de mal compreendidos, muitos do meu tempo dizemos: tanta protecção, tanto acarinhar; mais não fará que matar.
Bela forma de abordar tão complexa questão. Uma questão tão velha e tão presente quanto o é a humanidade.
Estranho a estranheza da senhora professora.
Provavelmente não teve infância ou, o que é estranho, não tem memória desse tempo.
Eu, que tenho irmãs e primos e grandes amigos/as e colegas de escola, ainda hoje recordo com todas e todos as patifarias e maldades que nos fazíamos.
Recordamos também, associados a essas tais grandes patifarias e maldades (algumas muito mesquinhas à luz do nosso entendimento de adultos), os ralhetes e castigos bem como os grandes sermões de que eramos alvo por parte dos adultos, a quem devíamos obediência, que nunca se demitiram da sua função de educadores.
O “establishment” garante impunidade ao chico-esperto-cobardolas e à matilha em que se integra para “atacar”, e anolalias comportamentais que in illo tempore se resolviam com saudáveis palmatoadas levam hoje – em casos extremos! – à intervenção do psicólogo de serviço.
A canalha – pequena e graúda – é programada com a app “no_limits”, que é a mais eficaz para a manter disciplinadamente consumista. Pena tenho é das vitimas, e de quem tem por ofício aturar a canalha…
Excelente post.
A maldade humana tem por início sempre a xenofobia : tudo o que é diferente de nós é mau, porque causa medo. Se esse impulso não é combatido na família, que é a 1ª educadora (e a mais eficaz), temos crianças que, por não saberem dominar esse medo, são cruéis com os mais fracos. Cabe ao professor, como 2ºeducador, tentar corrigir esse erro.