Passos Novas Oportunidades Coelho

A chegada iminente de Passos Coelho à docência universitária dividiu opiniões. Os defensores do novo professor, diante das críticas, atacaram a Universidade e a esquerda, desvalorizando argumentos e atribuindo a rejeição a um caldo exclusivamente composto por inveja, caturrice ideológica e resistência endogâmica. Sérgio Sousa Pinto, com a elegância que sempre o caracterizou, chegou mesmo a afirmar que a “universidade, desviada por instantes do negócio dos doutoramentos, habituada a debitar doutores como salsichas, rugiu.” Pelo meio, também fizeram referência a outros professores convidados igualmente defeituosos, argumento lusitano que leva a uma cadeia em que a sobrevivência do incompetente é sempre relativizada pela existência prévia de outros incompetentes.

Muitos dos defensores do estatuto docente de Passos Coelho comungam da ideia generalizada de que para se ser professor basta ter coisas para dizer, experiências para partilhar, competências prontas a serem validadas. Para se ser professor, enfim, basta ter frequentado a universidade da vida, o melhor estágio. No caso de Passos Coelho, o facto de ter sido primeiro-ministro em tempos de crise conferir-lhe-ia, portanto, a capacidade de preparar e dar aulas sobre Economia e Administração Pública, ao contrário dos doutores-salsichas de Sérgio Sousa Pinto ou dos investigadores que não têm direito a uma carreira. Não deve faltar muito para que uma pessoa que tenha passado algum tempo doente possa vir a ser médica, desde que tenha tido cargos políticos relevantes.

Passos Coelho, aproveitando as novas oportunidades, irá, então, dar início a uma carreira de docente universitário, porque, afinal, ser professor é para qualquer um.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Aquilo que ressalta desta discussão sobre a ida de Passos Coelho para a Universidade, mais do as questões de igualdade de oportunidades e de ética, que existem, é a completa desvalorização que as Instituições hoje fazem das chamadas Ciências Sociais e Humanas em detrimento das chamadas Ciências exactas.
    Se Passos fosse dar aulas de Anatomia, Traumatologia ou Farmacologia para uma Faculdade de Medicina, todo o mundo deitava as mãos à cabeça sobre o destino das nossas próprias vidas nas mãos dum iluminado como Passos. O mesmo se passaria ainda que em menor grau, se ele fosse dar aulas de Estruturas, Resistência de Materiais ou Termodinâmica numa Faculdade de Engenharia. O perigo de vivermos num prédio cujo projecto fosse de sua autoria ou de um ex formando seu, deixar-nos-ia apreensivos. Isto podia replicar-se nalgumas outras atividades académicas, das quais resultassem à posteriori atividades profissionais que fossem determinantes para a nossa segurança física.
    Como Passos vai dar aulas de Administração Pública, e para a maioria das pessoas aquilo é tudo uma valente treta, com uma flexibilidade que vai de Marx a Adam Smith, passando por Keynes, Milton Friedman e muitos outros, por outro lado, não tivéssemos nós há muito intuído, que os manuais ensinam uma coisa, os professores cada um à sua medida interpretam-nos da forma que lhes der mais jeito, e na prática, muitos anos depois, os ex alunos acabam a maioria das vezes por fazer o seu contrário, como os governantes, uma boa parte da comunidade está-se marimbando para esta questão, achando que nada disto é estranho, e o filme nem sequer é original.
    Sócrates, Relvas, Feliciano Barreiras Duarte, Armando Vara, entre muitos outros, são apenas algumas das armas de arremesso partidário, numa verdadeira guerra de propaganda sobre qual o partido mais medíocre, dum autêntico anedotário nacional sobre licenciaturas e mestrados forjados, lá chegaremos aos doutoramentos, muito por culpa das Universidades Privadas que se prestaram a isso, para tirar com isso benefícios de toda a ordem.
    Para governar um Estado é preciso acima de tudo ter ideias próprias e uma visão estratégica para o país. Depois, concorda-se com elas ou não. Para isso existem as eleições que validam essa acção, ou essas intenções.
    Para ensinar, as regras são um pouco diferentes e ainda bem. Não perceber isto, é o normal na classe política.

    • Miguel Bessa says:

      Como se pode valorizar as ciências sociais vs ciências exatas, se nas ditas ciências sociais se ensina como utopia a doutrina mais mortífera e que mais miséria trouxe na história da humanidade?

      • António Fernando Nabais says:

        Não me diga que, nas ciências sociais, só se ensina cristianismo! De qualquer modo, tem razão: como aquilo é tudo uma porcaria, cabe lá o Passos todo.

      • Paulo Marques says:

        Está a falar do monetarismo, certo? Só trás miséria e de exacta não tem nada.

  2. Parabéns. Está muito bom.

    “Não deve faltar muito para que uma pessoa que tenha passado algum tempo doente possa vir a ser médica, desde que tenha tido cargos políticos relevantes.”

    Estou já a pensar em ser catedrático de Dermatologia, Ortopedia, Fisiatria ou, genericamente, de Autoimunes. Afinal, eu até já fui, como doente, o exame final de um candidato a médico. Sem falar na vasta experiência de ser seguido em cinco ou seis especialidades diferentes, e de já ter passado por diversos internamentos, em dois hospitais centrais diferentes, e ainda ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica. Tudo isto, toda esta vasta experiência acumulada, não em quatro anos e meio, mas em mais de 25 anos, deve dar equivalência, pelo menos, a uns três ou quatro cursos de medicina. Tenho muito a ensinar aos meninos futuros médicos.

    “… argumento lusitano que leva a uma cadeia em que a sobrevivência do incompetente é sempre relativizada pela existência prévia de outros incompetentes.”

    Passo a vida a usar este argumento. Não podemos desculpabilizar a falta de ética e profissionalismo de uns (que são da nossa simpatia) com o mesmo comportamento que outros tiveram. Cada um responde por si e pelos seus atos.

    E tendo este novo professor catedrático dito o que disse no passado, sobre sair fora da zona de conforto, sobre emigrar onde há bastantes ofertas para professores, sobre até as Novas Oportunidades, vir agora arranjar uma cunha deslavada para ir dar aulas fica-lhe muito mal. Como se diz aqui pelo norte “eu borrava a minha cara com merda”. E já agora, convém que alguém lhe diga que tem de fazer descontos para a Segurança Social.

  3. Luís Lavoura says:

    Numa universidade portuguesa é assim: estão lá tipos a dar aulas que são doutorados e têm publicações de caráter científico, mas que não recebem um tusto pelas aulas que dão; e estão lá tipos a dar aulas que mal licenciados são e que não têm qualquer publicação de caráter científico, mas que são principescamente pagos pelas aulas que dão.
    Só visto…

  4. O karma é fod…

Trackbacks

  1. […] As questões judiciais relativas a José Sócrates serão resolvidas pelos tribunais. Os actos reprováveis que possa ter cometido ficam com a sua consciência. O Núcleo de Estudantes da  Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra é livre de convidar quem muito bem entender e, apesar de tudo, faz mais sentido que um antigo primeiro-ministro dê uma palestra do que partir do princípio de que o desempenho desse mesmo cargo habilita qualquer um a ser professor. […]

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