Brasil: entre a espada e a corrupção

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Enquanto escrevo estas linhas, o pedido de habeas corpus do antigo presidente Lula da Silva é votado pelos 11 juízes que constituem o Supremo Tribunal Federal do Brasil. Tudo parece indicar que a matemática final ditará a prisão do metalúrgico que chegou a presidente e que caiu em desgraça por causa de um apartamento que ninguém conseguiu ainda provar ter alguma vez sido sua propriedade. Excentricidades de um estado falhado.  

Os juízes do Supremo, que hoje decidem o futuro de Lula da Silva, são os mesmos que, segundo o procurador Delton Dallagnol, que lidera a “força-tarefa” do processo Lava-Jato, “soltam e ressoltam” corruptos poderosos. Os mesmos que ordenaram a libertação de aliados do presidente Temer (também ele investigado por corrupção e arguido por obstrução à justiça e organização criminosa), envolvidos no mediático processo e na Operação Skala. Os mesmos que deram ordem para afastar o senador brasileiro Aécio Neves do cargo, após ser denunciado pelo empresário Joesley Baptista, mas que, apesar da ordem de prisão preventiva, emitida pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, viram um dos seus, Edson Fachin, recusar o pedido de prisão. Fachin que de resto foi um dos juízes que hoje votou a favor da prisão de Lula. Muita ordem e pouco progresso.

O circo brasileiro atravessa um momento singular. A corrupção é transversal a quase todos os partidos, a uns mais que a outros, e a impunidade é quase absoluta. Os juízes, classe que não é imune à corrupção endémica que corrói o Brasil, assumem o papel de justiceiros rockstars, usam as redes sociais para dar largas ao populismo e à demagogia e estão-se nas tintas para a separação de poderes ou para a imparcialidade que deveria nortear o desempenho das suas funções. Existem evangelistas fanáticos, que vivem da fraude, da burla e da mentira, em cargos-chave da nação brasileira. E uma imprensa golpista, órfã do fascismo ao qual viveu encostada durante décadas.

Mas há mais. Como se o incêndio não fosse já de proporções dantescas, num país onde um regime violento de extrema-direita espreita ao virar da esquina, já nem o exército escapa ao espectáculo degradante em que se transformaram os pilares daquilo que resta da democracia brasileira. Primeiro foi o tom intimidatório usado pelo general Villas Boas, comandante do exército brasileiro, que a Amnistia Internacional prontamente condenou por configurar uma forma ilegítima de pressão sobre o poder político, que põe em causa a separação de poderes. Depois foi a reacção do general Paulo Chagas, pré-candidato ao governo do Distrito Federal, cuja resposta ao tweet de Villas Boas pode ser vista em cima. Prepara-te, Brasil: os justiceiros estão a caminho, montados nos seus cavalos e de espada em punho. Tem tudo para correr bem.

Comments

  1. Bento Caeiro says:

    “Prepara-te, Brasil: os justiceiros estão a caminho, montados nos seus cavalos e de espada em punho. Tem tudo para correr bem”… MAL.

    O grande problema e de difícil solução, num país como o Brasil, é que aqui não existem inocentes. Trata-se de uma classe política que apenas diverge, no que respeita a métodos e comportamentos, na cor da camisola.
    A população, essa, tal como na favela, alinha por um bando ou por outro, ou mantém-se neutra e, nesse caso, sujeita aos mãos tratos de todos os grupos. Talvez o melhor – não podendo haver outra solução – conclui: seja alinhar pelo bando que lhe seja mais favorável, quiçá o de Lula. Porque, apesar de tudo, cada cor de camisola, não se distinguindo pelos métodos, tem os seus clientes e, porventura, beneficiários.
    Contudo, o mal não fica erradicado, os gérmenes estão lá e enquanto os políticos se mantiverem assim – actuando sob o signo da corrupção e da apropriação das riquezas da nação – não há muita volta a dar.
    Uma coisa é certa e nisso concordo, o bando do Lula é mais favorável à população mais desprotegida e desfavorecida do Brasil.
    Mas, repito, independentemente dos resultados, ninguém, dos que andam próximos e à cata de poder, está isento de culpa; e se o Brasil, como aparente solução, cair novamente numa ditadura militar, só poderei dizer: têm o que há muito tempo estão a pedir.

  2. Fernando Antunes says:

    Isto ainda não bateu no fundo. Lembro que o 2º colocado nas intenções de voto das Presidenciais é um tal de Bolsonaro, que na encenação degradante que foi o impeachment da Dilma Roussef, decidiu enaltecer a memória de um torturador da Ditadura Militar (que torturou Dilma, por sinal).

    O Brasil é um pouco como a Amazónia. Em breve, chegará o momento em que já não restará nada para destruir.

  3. ZE LOPES says:

    Melhor dizendo: entre a corrupção da espada e a dos outros…

  4. Antonio Medeiros says:

    João Mendes, novamente,congratulações.O que mais me causa impressão é realmente a cor da camisola.Estes tais que se deliciam com este julgamento recentemente estão envolvidos em ações criminosas. acobertados pela imprensa fascista.O que vimos hoje no País é uma pobreza extrema como acima comentado e sem esperança.Estes planejam qualquer coisa para atingir o Poder para vender o que resta ainda do povo brasileiro aos amigos deles,,quem sabe ainda recebendo títulos Honoris Causa e algumas comissões.

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