Ir ao encontro dos interesses dos alunos: agora também na Universidade

A entrevista já tem uns dias, mas ainda vale a pena comentá-la. Diante dos dados constantes de um estudo sobre o abandono escolar no Ensino Superior, o ministro Manuel Heitor conseguiu, em quase todas as respostas repetir a mesma ideia. Leiam-se as seguintes citações:

  1. a)“[As instituições de ensino superior] têm de assegurar as naturezas e características individuais de cada estudante.”
  2. b)“Cabe às instituições a responsabilidade de adequarem os seus programas para reduzirem o abandono.”
  3. c)“(…)é da responsabilidade das instituições reduzir as taxas de abandono, adequando cada vez mais os cursos àquilo que são as exigências da sociedade, da economia e das pessoas.”
  4. d)“(…) o problema do abandono só se resolve com proximidade, dentro da sala de aula, é entre a relação estudante-professor, é o estudante.”
  5. e)“ A questão crítica do abandono é a proximidade estudante-professor e faz-se dentro das salas de aula.”
  6. g)A solução para o abandono está em “flexibilizar os percursos e a garantir que um estudante tenha facilidade em ir adaptando e alterando o seu currículo e o seu perfil às necessidades que vão aparecendo e aos gostos que vão evoluindo, porque temos um contexto social, cultural e económico em contínua mutação.”

Deixemos as alíneas a marinar e já voltamos.

Os governos, navegando sempre à vista, interessados apenas em poupanças ou em estatísticas enganosas, adoptam, há vários anos, expressões repetidas por falsos cientistas da educação ou por cientistas de uma educação falsa. Uma delas é a célebre “a escola deve ir ao encontro dos interesses dos alunos”.

Note-se que estas e outras asserções não são absolutamente inválidas. Um professor sensato sabe que, por vezes, é necessário descer aos alunos, deixar escapar referências a modas actuais, a gírias recentes, temperar exposições teóricas com alusões ao futebol ou fazer uso das novas tecnologias (não por serem novas, mas por serem úteis). O mesmo professor, contudo, sabe que aprender é um esforço e que o prazer nem sempre está garantido, o que, aliás, é muito parecido com a vida, esse percurso em que se procura a felicidade, tropeçando, tantas vezes, em tristezas, sendo que ninguém se lembra de, racionalmente, declarar que a vida deve ir ao encontro dos interesses dos seus utentes.

Curiosamente, não há notícia de ministros relembrarem os alunos da importância de estarem atentos ou de trabalharem para poderem aprender. Para os políticos de passagem, todos os problemas da Educação nascem nos professores e nas escolas.

Até há pouco tempo, este dogma da religião eduquesa infectava os discursos sobre o Ensino Básico e Secundário. Pela primeira vez, vejo-o nas palavras do ministro que tutela o Ensino Superior. Releiam-se as alíneas acima transcritas e será fácil perceber que, na opinião, de Manuel Heitor, as instituições é que têm obrigações, sendo elas responsáveis pelo abandono escolar.

Note-se que este discurso, independentemente do nível de ensino, é absolutamente pernicioso. Além disso, serve para mostrar que os professores de todos os níveis de ensino têm sido impotentes – também porque desunidos e/ou apáticos – para contrariar anos de políticas ruinosas, o que contraria a ideia de que são imensamente poderosos, ideia vendida pelos ignorantes atrevidos. Entre sindicatos que fazem jogos partidários e associações de professores que estão sempre ao serviço de ministérios ou de falsos cientistas da educação, os sucessivos governos bombardeiam descansados as escolas e os professores, sendo que os alunos serão sempre as maiores vítimas deste calculismo de quem, na realidade, não quer saber deles. Na realidade, quem se preocupa com os alunos, sabe que, muitas vezes, é preciso ir de encontro aos seus interesses e, portanto, contra aquilo por que se interessam.

Comments

  1. Bento Caeiro says:

    À SOMBRA DO EMBONDEIRO

    Sempre que leio algo sobre a problemática do ensino, tal como agora acontece com o artigo do António Nabais, relembro um grande grupo de rapazes e raparigas de diversas idades, mal vestidos e mal nutridos, sentados no chão a ouvir atentamente uma professora dando aulas com o auxílio de um quadro de ardósia meio partido, à sombra de uma grande árvore.
    Sei que muitos dessas crianças faziam diariamente quilómetros a pé para poderem assistir às aulas – e com que alegria e atenção o faziam! Também sei que a professora, apesar de ter em conta as dificuldades de cada aluno – muitas mesmo, também por falta de material escolar, ausência para ajudarem os pais, doenças – jamais lhe passou pela cabeça adequar o seu programa à situação de cada aluno; obviamente o seu trabalho e esforço consistia em elevar o aluno, interessando-o e apoiando-o, a fim deste alcançar os conteúdos e exigências do que lhes procurava transmitir.
    Anos mais tarde, noutro contexto e lugar, comecei a ouvir de pais, professores e outros agentes de ensino o seguinte discurso: «O que é preciso é as crianças serem felizes».
    Aí eu pensei: pronto, está tudo estragado, vamos entrar no marasmo e vai ser muito difícil sair daqui. Porque entendia, por ter sido essencialmente um autodidacta, que em questões de aprendizagem e ensino, à semelhança do que é feito com um atleta e mesmo em exercícios de preparação militar, se fôssemos ao encontro do que o corpo e a mente, muitas vezes, pede – sopas e descanso, como quem diz: ócio e facilidades – mais tarde, por falta de preparação, poucos resultados obteríamos como atleta ou, mesmo, poderíamos ser mortos, em caso de combate.
    Pelo que, para salvaguardar os interesses daqueles que, de alguma forma, nos são confiados, é necessário, com frequência, contrariar aquilo que só aparentemente será do seu interesse.

    Porque, na verdade, pode-se estar à sombra do embondeiro por necessidade, para poder trabalhar e aprender – tal como aqueles que eu vi em África – mas também lá se poderá estar somente para mandriar – como agora estamos habituados a ver.

  2. Pois... says:

    Percebo… todos os problemas estão no exterior e os alunos os responsáveis pelo insucesso! Professores estarem atentos e trabalharem… pois!

  3. uauuuu, não perturbem os professores, de acordo com a doutrina de Coimbra são deuses. A parte de professor sensato arrasou-me… Eu concordo com a parte do esforço dos estudantes, mas parece que a culpa dos problemas é somente dos alunos. O sistema também não ajuda, para subir de nível é preciso publicar, para concursos é preciso publicar, para ter financiamento é preciso publicar, é preciso fazer tudo menos dar aulas, sendo que a cultura dominante é desprezo dos alunos, seguindo a doutrina de Coimbra.

  4. Fernando Manuel Rodrigues says:

    Não sei qual é a surpresa. Em muitos sectores da sociedade, e nos políticos actuais, grassa a tendência do “politicamente correcto” (eu sei que, de tanto repetir isto, começa a soar a lugar comum, mas é um facto). É o seguidismo das “modas” e das “tendências” de uma sociedade hedonista, que navega ao abrigo do “que está a dar”.

    É a aprovação de leis hediondas e irracionais, como a última que se aprovou, em que uma criança (porque não é mais do que uma criança) de dezasseis anos pode decidir fazer uma operação drástica e irreversível, com consequências tremendas para o resto da sua vida, ao arrepio de pareceres clínicos e até da opinião dos próprios pais, cuja autoridade o “Estado” decidiu anular (com que direito, é algo que não se descortina).

    Por isso, estas afirmações não são mais do que consequência dessas “modas” e “tendências” que até tenho visto defendidas por aqui não poucas vezes. Porque se trata de “causas” muito queridas da “esquerda caviar”.

    • Paulo Marques says:

      Quanto mais deturpa a lei, mais radical fica, lá isso é verdade. É muito mais prático continuar a desprezar, insultar e levar ao suicídio tais crianças, mas ler a puta da lei é que é o caralho.

  5. António Fernando Nabais says:

    Ó comentadores distraídos, Pois… e tripeiropreocupado, então criticar frases de um ministro é o mesmo que defender que os professores não podem ser incomodados? Criticar uma visão em que se defende que os alunos não podem ser incomodados e que o sistema todo deve estar sempre a sujeitar-se aos seus interesses (palavra que, aqui, significa “aquilo por que se interessam”) é o mesmo que sacralizar os professores? Se um tipo critica a vaca é porque está necessariamente a defender o boi? Valha-vos a Nossa Senhora do Entendimento!

  6. Uma professora do secundário 11º ano de matemática, passa 80% da aula a falar da sua vida familiar…
    Em reunião de pais a DT diz que não pode fazer nada!

    Na faculdade (Filosofia) um prof. já velhote limita-se a ler em tom pouco audível os textos dos livros da cadeira…
    Os alunos desinteressam-se e não vão às suas aulas porque estas provocam uma espécie de “sofrimento” …

    Não se deve generalizar, mas tem que haver expedientes rápidos e eficazes para combater quem está “na mó de baixo”!

    • António Fernando Nabais says:

      O problema está na lei e na burocracia que dificulta o afastamento ou a substituição de professores.

    • Bento Caeiro says:

      Ana. Tive disto na Faculdade e, ainda, muitos professores com menos conhecimentos – não falando de capacidades – que muitos dos seus alunos. Mas, também te posso dizer que houve valentes pegas com alguns desses ditos professores.

  7. correcção: proteger e não combater (quem está na mó de baixo).

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