Finanças: instrumento ou ditadura?

No mundo global com que, de acordo com recomendações superiores, temos de nos conformar, a Economia deixou de ser uma ciência social ao serviço das pessoas e passou a ver as pessoas como carne para canhão em nome de conceitos económicos ao serviço do capitalismo selvagem representado por multinacionais e grandes banqueiros. Os governos, submetidos a ditames vários, usam os recursos dos respectivos países para ajudar ao sustento dos poderosos, preferindo entregar dinheiro a bancos e diabolizando os mais fracos, encarados sempre como empecilhos. A Economia, portanto, é apenas um instrumento ao serviço das Finanças (ou da Finança).

Não é possível defender a extinção da Economia, porque está no cerne de qualquer sociedade mesmo que primitiva, mas ignorar em absoluto o contributo dos especialistas ou as especificidades de tantas áreas é criminoso.

Na semana passada, houve reuniões entre técnicos do Ministério das Finanças “com presidentes dos conselhos de administração de alguns hospitais do Porto para discutir questões ligadas à oncologia pediátrica naquelas unidades de saúde.” Segundo parece, não esteve presente nenhum representante do Ministério da Saúde, facto que mereceu alguns comentários do bastonário da Ordem dos Médicos. É um mau sinal dos tempos. Mais um.

Na verdade, tudo isto só serve para confirmar o peso excessivo que o Ministério das Finanças assume no governo, ao ponto de nem haver a preocupação de disfarçar: os restantes ministérios não são mais do que departamentos a mando de Mário Centeno. Tanta preocupação com poupanças deveria ter como consequência a extinção dos restantes ministérios.

A oposição que já esteve no governo acrescentou o elemento previsivelmente cómico ao debate, criticando esta subordinação de outros ministérios às Finanças, pedindo, portanto, aos inocentes que olhem para o que diz e não para o que fez e o que fez, segundo a OCDE, foi cortar além da Troika (e contra a humanidade).

Finalmente, fixemos o mais importante: o problema está nas condições da oncologia pediátrica. Oncologia. Pediátrica.

Comments

  1. Anibal Marques says:

    Concordo com o autor nas considerações que faz sobre a economia.
    Há algo de novo para nós no modo de planear obra com a interferência conhecida das Finanças.
    Politicamente o Ministro da Saúde não pareceu incomodado e até validou a atitude das Finanças ao dizer que tudo estava dentro dos procedimentos do Governo.
    Agora a obra deve ser bem ponderada porque trata-se de dinheiro público.
    Para trás estão decisões politicas que conduziram a alguma turbulência mediática acerca das condições de tratamento das crianças com cancro. Parte das notícias foram na linha do empolamento interesseiro de algumas fontes.
    Sabe-se que o Centro Mater Infantil do Norte ( novo) tem capacidade instalada para receber mais crianças cerca de mais 40% da capacidade disponível e IPO tem capacidade para tratar todas as crianças do Norte com necessidades de cuidados oncológicos.

  2. Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

    Estamos inseridos numa economia ultracapitalista, como eu sempre disse copiada de modo demente do outro lado do Atlântico, sem questionar o que quer que seja, tal como se copiaram os Mc Donalds e outras coisas que aos poucos, se vão reconhecendo como venenos.
    Agora o que me dá mais gozo é ver a chusma dita socialista a contar dinheiro e a fazer por ele o que nem os americanos fazem. E a gente do BE até se baba quando fala em dinheiro.
    Eu tenho fé na Humanidade e quero crer que este boom capito-socialista vai estourar com mais ou menos estrondo.
    Até lá o novo deus chama-se euro e a ele, tudo se subjuga.
    E, tal como numa religião monoteísta que se preza, lá aparece um Papa – Centeno no caso vertente – com umas centenas (para dizer com o nome) de acólitos que lá vão ajudando à missa. Por vezes surgem uns casos de pedofilia financeira, mas fica tudo no segredo dos deuses ou seja, da cúria financeira.
    E é isto. Estamos no limiar de uma nova Igreja governada por uns “bispos” e “cardeais” que rezam e pregam em qualquer loja maçónica onde preparam os autos de fé que é equivalente a pôr o povo a pagar as malandrices daqueles “bispos” e “cardeais” que gostam de iates, paraísos fiscais ou uma qualquer boa vida em Paris.
    É o que temos, mas não nos esqueçamos – desculpem repetir-me – de quem os elege.

  3. Fernando says:

    “Os governos, submetidos a ditames vários, usam os recursos dos respectivos países para ajudar ao sustento dos poderosos, preferindo entregar dinheiro a bancos e diabolizando os mais fracos, encarados sempre como empecilhos.”

    Sim, o governo da Geringonça é um desses governos…

    • António Fernando Nabais says:

      Pareceu-me que este texto critica várias governos, incluindo o actual, mas pode ter sido só impressão minha. O governo poderá ser da Geringonça, do PS ou de quem o apanhar.

      • Fernando says:

        Não foi uma crítica ao António, é mais um nota para aqueles que acham que Portugal é um país fundamentalmente diferente com a Geringonça…

    • Bento Caeiro says:

      “O sustento dos poderosos”, por estatuto, também daquelas forças que me cada momento terão mais capacidade de pressionar – como é o caso de algumas figuras do regime, mas também de forças políticas e sindicais, profissionais que, por outros meios, gostariam de fazer o que os primeiros fazem: sacar ao Estado, em detrimento da generalidade dos cidadãos. Como é o caso de bancos e banqueiros de ministros-gestores e gestores-ministros; sindicatos, intersindicais e funcionários do Estado.
      Por isso, há muito que eu deixei de bater no ceguinho, porque quando assim é, mais não é que fazer o jogo de umas das partes – em prejuízo do cidadão em geral.
      Ora, tendo Centeno a chave do cofre, faz o que alguém ponderado faria: ouvir a todos e seguir em frente com o que será melhor para o País – apesar de, como é óbvio, esta questão deva ser discutida.

      • António Fernando Nabais says:

        Pois, o poder dos sindicatos e dos funcionários do Estado é tal que não houve congelamentos e cortes vários para os apaniguados. E os funcionários não são cidadãos em geral, devem ser cidadãos em particular ou nem isso, os malandros!
        Centeno não ouviu todos, obedece a quem manda nele. Quem manda nele, o directório de Bruxelas, não quer saber de cidadãos ou de antropóides que trabalhem na função pública. O directório está ao serviço da Finança e das Multinacionais.

        • Bento Caeiro says:

          Pois é. Sempre o velho dilema: entre o querer e o poder. Claro que muitos gostariam que fosse: “o quero, posso e mando”, mas felizmente que não é assim.

  4. Rui Naldinho says:

    Sim, há uma ditadura nas Finanças. E não decorre da ciência, nem do pragmatismo. É apenas uma imposição política neo liberal.
    Um dos grandes problemas dos ministros das finanças, este incluído, é ficarem possuídos de um certo vedetismo, na ânsia de mostrarem serviço, e acabarem por se esquecer do país como uma entidade social e demográfica.
    Esse vedetismo nasceu com Margaret Tacher, e não faltou quem a quisesse imitar, mesmo em áreas ideológicas mais próximas da esquerda. Foi aí que germinou a chamada Terceira Via.
    Para eles, nós somos quase todos despesa, e só alguns, muito poucos são receita.
    Os sociais democratas europeus foram acusados amiúde pela direita, de criarem economias muito redistributivas, com um Estado Social pesado, e com isso fragilizar a capacidade desses Estados de enfrentarem as crises económicas.
    Mas olhando para os acontecimentos recentes da última década, com os problemas no sistema financeiro, constata-se que essa sempre foi uma falsa questão. Até porque os Estados Sociais ajustam-se. Mas as falências bancárias, não. As contas ficam sempre por pagar pelos mesmos do costume, quando um Estado tem de salvar Bancos ou grandes grupos privados, para não lançar milhares de trabalhadores no desemprego. Os gestores saem incólumes. A Regulação, seja ela bancária ou dos supervisores da concorrência, entre muitos outros, desculpam-se com as dificuldades processuais e com a legislação vigente. Um permanente passa culpas, por quem é pago acima da média, para nada fazer.
    Ora, em vez desses Ministros das Finanças e os seus partidos políticos procurarem sim, mudar o paradigma dos mecanismos de regulação bancária e de transferências de capital, ou por exemplo, procurarem regras mais bem definidas e escrutinadas dentro do quadro da globalização vigente, de modo a minimizar os impactos negativos no tecido industrial Europeu, nada disso se passa. Alinham de forma acrítica na prossecução do neo liberalismo proposto pelo capitalismo vigente, cuja preocupação social é zero.
    Depois não há dinheiro para a Oncologia pediátrica. Para combater os fogos. Mas já há dinheiro para a Santa Casa contribuir para a recapitalização do Montepio.

  5. Bento Caeiro says:

    As pessoas em geral – isto é aqueles que não são poder ou não fazem parte dos estratos a ele ligado – sempre foram carne para canhão e tal situação não tem a ver com teologias ou ideologias por mais tolerantes ou intolerantes que elas sejam. Variam, tão só com os objectivos e o grau. Uns poucos procurarão viver à custa da maioria e procurará que esta seja ainda maior e, além disso, lhes proporcione a segurança. Foi assim com os impérios – com a política proletária de Roma: as classes mais baixas a parir para fornecer mancebos para o exército e para eleger os senadores. Com Hitler, com Staline, com a sociedade de consumo no geral, com o sistema financeiro – que vive e incrementa tudo isto; com as pessoas, cada vez mais exigentes de direitos e de benesses, com o aumento de expectativas; e o inevitável endividamento que dá vida, fundamenta e desculpa tudo isto. Dando razões e desculpas ao Estado para intervir em socorro, sempre, dos menos precisados – bancos.
    Porque, na verdade, o sistema, que somos todos nós, incrementa tudo isto, ao querermos chuva no nabal e sol na eira. Esquecendo que é esta mesma atitude que dá força a que tudo continue na mesma.
    Onde um estado social pesado, por burocratizado, é chamado pelos agentes a mais burocratização, não havendo, como é óbvio quaisquer melhorias para os cidadãos. Onde os detentores do poder, também, mais não fazem que tentarem apropriar-se – politica e economicamente – do mesmo estado em seu benefício.

    • António Fernando Nabais says:

      A “carne para canhão” não é – e ninguém disse o contrário – uma invenção do actual capitalismo global e selvagem, mas, na actualidade, a “carne para canhão” deveria ser um conceito condenado pelos Estados, o que, na prática, não acontece.
      A “carne para canhão”, que tem direito a não querer ser o que é, pelos vistos, é que é a culpada de tudo isto, porque quer “chuva no nabal e sol na eira”, isto é, quer ter qualidade de vida, justiça, educação, saúde. Enfim, uma vergonha!

      • Bento Caeiro says:

        A “carne para canhão” fundamenta e alimenta os Estados, daí os incentivos à procriação, precisamente para haver mais “carne para canhão”. Como é óbvio, sendo factor de sobrevivência dos Estados, estes não o vão condenar – antes pelo contrário, ir-los-ão defender e incrementar .

        ” …com as pessoas, cada vez mais exigentes de direitos e de benesses, com o aumento de expectativas; e o inevitável endividamento que dá vida, fundamenta e desculpa tudo isto. Dando razões e desculpas ao Estado para intervir em socorro, sempre, dos menos precisados – bancos.
        Porque, na verdade, o sistema, que somos todos nós, incrementa tudo isto, ao querermos chuva no nabal e sol na eira.”

        • Bento Caeiro says:

          Sobre o que o Fernando disse que não disse:

          “… a Economia deixou de ser uma ciência social ao serviço das pessoas e passou a ver as pessoas como carne para canhão em nome de conceitos económicos ao serviço do capitalismo selvagem representado por multinacionais e grandes banqueiros.”

          (Retirado, como é óbvio, do seu artigo)

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