Donald Trump e o IV Reich

Fotografia: John Moore/Getty Images@Vox

O mundo dito democrático, e os americanos em particular, estão a condescender em demasia com o governo fascista liderado por Donald Trump. Paralelamente, a nova extrema-direita ocidental, camuflada sob vestes liberais e conservadoras, começa a sair do armário, a ganhar terreno no Velho Continente e a mobilizar-se pela segregação, aproveitando o advento do trumpismo para revelar a sua verdadeira face, racista, xenófoba, persecutória e apologista da violência. Não é preciso ir muito longe para ver isso, bastando para tal passar em algumas colunas de opinião de “jornais” como o Observador ou o Correio da Manhã, ou em blogues bem conhecidos, onde felizmente ainda escrevem autores sérios, como o Blasfémias ou o Insurgente. 

Trump não tem palavra, não tem credibilidade, não tem respeito por ninguém. Trump e o seu executivo de fascistas corruptos, com ligações ao Kremlin e ao KKK, onde o nepotismo impera e os protagonistas fazem uso dos recursos do estado para expandir a sua rede de negócios. Trump e os fundamentalistas religiosos do seu país, determinados em transformar os EUA numa teocracia de fachada, para melhor manter a carneirada disciplinada, apesar do seu único deus ser o dólar. Trump e o lobby das armas, numa América de tiroteios em escolas, onde, todos os meses, adolescentes são assassinados por tiros de semiautomáticas. Trump que rasga acordos históricos com o Irão ou Cuba, para de seguida encenar a cimeira do século e legitimar o ditador mais violento do planeta. Trump que cada vez mais nos traz à memória os primeiros anos do nazismo, quando a Europa assistia, impávida, aos avanços totalitários de Adolf Hitler. Até ser tarde demais.

Há quem acredite que Trump não representa uma ameaça iminente. Que tudo não passa de fogo de artifício para consumo interno. Esquecem-se que estamos perante um mitómano sociopata, com acesso livre ao arsenal nuclear da maior potência mundial, que governa os Estados Unidos como se de um dos seus negócios mafiosos se tratasse. Um negócio ao serviço dos seus interesses pessoais e dos interesses pessoais da sua família, que Trump trouxe em peso para o interior da administração. Um negócio rentável para Wall Street, que Trump garantia não servir, para monstros empresariais da poluição, que investem biliões a contradizer a ciência, o aquecimento global e outros efeitos nefastos da destruição que promovem no planeta, e para vendedores de armas e indulgências, cujo discurso cada vez menos se distingue do discurso dos lunáticos do Daesh. Até ao dia em que a lei será ditada com a Bíblia numa mão e uma M4A1 na outra.

Até lá, e enquanto aguardamos pelo primeiro Anschluss em reverente procrastinação, consumindo avidamente cada episódio de contradições, apelos à violência e tiques ditatoriais de Trump na Casa Branca, em Mar-a-Lago, em Singapura ou num qualquer comício rodeado de mentecaptos sem simpatia pela democracia, fiquemos com a mais recente demonstração daquilo em que se está a transformar a América de Donald Trump. Todos os dias, na fronteira com o México, famílias de emigrantes que tentam cruzar a fronteira para os EUA estão a ser separadas dos seus filhos, que são encaminhados para centros de detenção, por tempo indeterminado, para “alegadamente” tomarem banho. Onde é que nós já vimos isto? Exactamente.

 

Fotografias via Jacob Soboroff/Twitter

O relato que o jornalista Jacob Soboroff fez no Twitter, após ter visitado um destes centros em Brownsville, Texas, é assustador. A começar pelos murais dedicados ao culto de Donald Trump, espalhados por estas prisões infantis, a fazer lembrar Estaline, Hitler ou a família do seu mais recente amigo, o “talentoso” Kim Jong-un. A instalação está sobrelotada de crianças tristes e confusas, que não têm autorização para estar mais que duas horas por dia ao ar livre, sujeitas a recolher obrigatório às 21h. Trata-se de um antigo Wall-Mart, transformado em centro de detenção de crianças. Outros centros estão neste momento em construção, com o governo americano a planear encarcerar centenas de crianças em complexos de tendas, sob o sol abrasador do Texas e do Novo México. É bárbaro, é cruel e não é por acaso que está a acontecer sob a batuta de fundamentalistas que citam publicamente a Bíblia para justificar a atrocidade que é separar uma criança dos seus país, quais Talibans fascistas do ocidente civilizado. Com um sorriso rasgado no rosto.

Com a Casa Branca transformada no farol do novo fascismo, que ilumina as Le Pens, Wilders, Orbáns e Salvinis desta vida, sob o olhar atento e ternurento de Vladimir Putin, o mundo livre está cada vez mais remetido para um espaço exíguo, que tende a encolher a cada dia que passa. A tensão na recente cimeira do G7, a hostilidade de Trump contra o vizinho Trudeau, a intensificação do terrorismo de estado de Israel ou a legitimação da mais violenta ditadura do planeta, ao mesmo tempo que torpedeia o acordo histórico com o Irão, apenas para agradar às clientelas sionistas, são alarmes mais que suficientes para que todos os democratas, em todas as partes do mundo, se mobilizem contra esta ameaça, cujo fim último é a orwellização da humanidade, que o crescente autoritarismo, as fake news e as práticas racistas, discriminatórias e legitimadoras da violência parecem anunciar. E como Hitler, Trump chegou ao poder através de eleições democráticas, ainda que contaminadas pela mentira e pela manipulação. É uma questão de aguardar, até ao dia em que o sofá deixar de ser confortável.

Comments

  1. Miguel Machado says:

    Como cidadão preocupado mas sem poder influência, limito-me a fazer a única coisa que posso fazer para enfraquecer uma América com a qual me identifico cada vez menos: boicotar o mais possível os seus produtos. É onde lhes doi; outros houvesse a fazer o mesmo, e os mesmos que mantêm esse fantoche na Casa Branca rapidamente o retirariam de lá…

    • caco says:

      Precisamente é o que faço, saber de onde vem o que compro, mas tenho que acrescentar que dentro deste manicômio mundial os pacientes somos nós.

  2. Bento Caeiro says:

    O ESCANCARO EUROPEU

    Fazer a ligação entre o que é a reacção das nações europeias à invasão de que estão a ser alvo os seus Países, por gente com outros modos de ser e estar na vida, e a pessoa e política de Trump que, não por caso, tem agravado a situação nos lugares de onde esta gente vem, revela, pela intenção, má-fé e, pela atitude, maldade.
    Para além de, fundamentalmente, acabar por navegar em águas do Oceano da Contradição.
    Na verdade os EUA e Israel estão apostados em criar problemas a toda a Europa, para que esta, tomando as medidas que não poderá de deixar de tomar – em relação às levas de refugiados – seja acusada pelo facto de as tomar.
    Não tendo mesmo problemas em apoiar, na prática, o Daesh – grupo apoiado e financiado pela Arábia saudita – ao atacarem posições e destruírem armamento daqueles que se opõem e combatem o Daesh, como é o caso do Irão e da Rússia.
    São pois os EUA, Israel e Arábia Saudita os principais causadores do que se passa no Médio-Oriente, que leva à situação a que a Europa agora se depara e tem, certamente e com muita razão, de tomar medidas para lhes fazer face.
    A Líbia de Kadafi, constituiu, com a sua política, uma barreira à saída de refugiados para a Europa, pois que fizeram os EUA e alguns dos seus aliados de então? Precisamente, fomentaram uma alegada Primavera Árabe – tal como em países como a Síria – que não passou de um Inverno Tenebroso e mataram Kadafi e, agora, agora é o que se vê.
    De forma que, repito, fazer esta ligação e retirar daí essas conclusões, não condiz com os factos, dando uma ideia errada da situação, das suas motivações, consequências e das reacções, lícitas, que os povos europeus, cada vez mais, se verão obrigados a tomar.
    Não podendo, como é óbvio, escancarar as suas fronteiras, permitindo a entrada de gente muito pouco recomendável no que se refere ao modelo de convivência europeu – que tantas dificuldades e tempo levou a formar.

  3. Anonimo says:

    À esquerda também já se normaliza Trump.

    E se Trump tiver razão?
    https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2018/06/e-se-trump-tiver-razao.html

    • Paulo Marques says:

      Leia com mais atenção. O argumento nem sequer é novo, é basicamente dizer que o centro tem os dias contados, ou se sai pela esquerda, ou pela direita.

      • Bento Caeiro says:

        A coisa, pelas bandas das ditas esquerda-direita – como se vê pelo argumentário acima usado – está um bocado baralhada e, é tal a confusão em certas mentes, que, na tentativa de enquadrar as forças em desenvolvimento, já confundem tudo.
        As suas estruturas mentais e explicações entraram em crise, levando-os a considerar as atitudes das nações – de natureza anti-globalista, logo de defesa dos seus países, como é o caso italiano – como atitudes que designam como “populistas” (chavão de uso tanto por neoliberais como pelos que se dizem contra estes). Assim, tanto é populista, para a direita, o Maduro, como, para a esquerda, o novo Governo italiano.
        Também, com essa finalidade deturpam a verdade. Veja-se o caso designado como de retirada de filhos aos emigrantes ilegais nos EUA. Trata-se de uma lei, de iniciativa dos democratas e aprovada por Obama, que remete para a prisão os ilegais entrados nos EUA. Como as crianças não podem ficar em prisão, acabam por ficar separadas dos pais. Mas, a mensagem passou a ser: Trump até tira os filhos aos pais.
        Ora, como se está ver, mais do que um problema de esquerda ou de direita – que estas não conseguem enquadrar – o problema é nacional, porque remete para a identidade das nações e dos seus países. Agravado, no que respeita à Europa, tanto pela atitude política de Trump e companhia – que provocaram a situação que nos trás estas levas de emigrantes; como pelas ditas esquerdas europeias, que entendem que a Europa terá de ter uma política de porta-aberta e pronta a receber toda a gente.

        • Paulo Marques says:

          A emigração é complicada, e nunca vai ser decidida pelo que é certo ou errado.
          Mas o artigo do Ladrões é sobre acordos comerciais, financeiros e monetários e o seu impacto na socio-economia, onde a conversa é outra. Apesar da propaganda, o empobrecimento permanente continua a moer.

  4. Antonio Medeiros says:

    João Mendes: Magnífica exposição dos fatos e grandes comentários, principalmente de Bento Caeiro!

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