Deputados e Professores

Fotografia: João Relvas/Lusa@DN

Há algumas semanas, a RTP apresentou uma reportagem sobre esse admirável mundo velho que são as mordomias principescas da classe política portuguesa, nomeadamente daqueles 230 servidores públicos que se sentam no hemiciclo, e que, para lá chegar, declararam amor eterno à causa pública, ao país e aos portugueses, como se nada mais quisessem em troca do que servir o país.

Porém, como ainda não é possível comprar carros de alta cilindrada ou pagar férias na Polinésia Francesa com amor à causa pública, muitos são os deputados que, por exemplo, tendo residência fixa em Lisboa há muitos anos, onde fazem toda a sua vida, declaram residir no local onde nasceram, apesar de raramente lá porem os pés, apenas para poder sacar uns trocos extra ao depauperado erário público.

Outros, como os professores, nababos perigosos e cheios de matreirice, vêem-se numa situação algo diferente. Imagine, caro leitor, que é um professor natural de Chaves, e que foi colocado numa escola em Vila Real de Santo António, longe da sua família, amigos e origens, muito provavelmente contra a sua vontade. Lá chegado, precisará de alugar uma nova residência, que é como quem diz um quarto, mas não poderá recorrer à técnica do hemiciclo, que consiste em declarar viver onde não vive. Terá que fazer como qualquer português comum e usar o seu salário para o efeito. A menos que o caro leitor seja um deputado ou membro do governo. Nesse caso, o seu salário, que no mínimo andará na casa dos 3600€, não é suficiente, motivo pelo qual necessitará de ajudas de custo, que oscilam entre os 23€ e os 69€ por dia, bem como de um subsídio para se deslocar à sua terra natal, mesmo que passe meses ou anos sem lá ir.

As hordas de boys e girls que defendem o estatuto de excepção dos deputados, na esperança de um dia poderem dele usufruir, poderão discordar da afirmação polémica que se segue, mas aqui vai: um professor exerce uma função incomparavelmente mais importante do que um deputado. Até porque não faltam deputados cuja função consiste em levantar o braço quando e como lhe mandam, cuja utilidade social é praticamente nula. No entanto, e apesar da importância estrutural do seu papel na sociedade, os professores são diabolizados e tratados como uns pelintras, que ganham e vivem acima das suas possibilidades. Que reivindicam coisas impensáveis como o pagamento integral das horas de trabalho que efectivamente trabalharam. Que grandes sacanas!

O salário médio de um professor do ensino secundário em Portugal ronda, segundo pude apurar, os 1200 euros mensais. Um terço daquilo que aufere o deputado mais mal pago, antes das várias ajudas de custo e subsídios que recebe. Se um professor do ensino secundário, natural de Freixo de Espada à Cinta, for colocado em Lisboa, espera-o um penoso processo de aprendizagem sobre como gerir o impossível. Paga a renda e as contas mensais, quanto lhe sobrará para comer e vestir os seus filhos?

Já o deputado, que ninguém avalia e quase ninguém exige avaliar, recebe muito acima da média, trabalha quando lhe apetece e ainda corre o risco de se ver envolvido numa negociata público-privada que lhe garantirá mais alguns milhares (milhões?) para remodelar aquela quinta no Douro que tanto precisa de umas obritas. Vantagens de poder legislar em causa própria.

Os países escandinavos, líderes de todos os rankings que realmente interessam, têm uma forma diferente de ver as coisas. As mordomias parlamentares são praticamente inexistentes e, em contrapartida, o papel do professor é enaltecido pela importância na formação das novas gerações, que garantirá o futuro destas sociedades que se encontram entre as mais avançadas do planeta. Podíamos aprender alguma coisa com os nórdicos? Podíamos, mas não era a mesma coisa.

Comments

  1. Ana A. says:

    Estas migrações forçadas, dos professores, dentro do país, como se de uma punição se tratasse, é uma coisa que me ultrapassa! Sei que teria de haver alguns casos desses, mas seriam sempre a excepção e não a regra. Penso eu (de que)…

  2. anonimo says:

    “Sei que teria de haver alguns casos desses, mas seriam sempre a excepção e não a regra.”
    O problema é que a regra é haver muitas escolas em locais onde não vivem professores suficientes para os alunos nelas inscritos.
    E depois há uma outra regra: se um professor tiver nem que seja uma décima a mais na graduação do que um seu colega que vive numa localidade, a vaga na escola é dele, por muito longe que viva.

  3. anonimo says:

    “um professor natural de Chaves, e que foi colocado numa escola em Vila Real de Santo António”
    Para que isto aconteça é necessário:
    – Que em Chaves haja mais de alunos do que os professores necessários e que de lá são naturais;
    – Idem para Vila Real de Santo António;
    – Que o professor de Chaves tenha concorrido voluntariamente a uma vaga em Vila Real de Santo António, e que a mesma lhe tenha sido atribuída por ter graduação acima (nem que seja uma décima) de todos os professores que concorreram a essa vaga (até mesmo se forem de Vila Real de Santo António).

    Qual seria então a solução para colocar professores necessários em Vila Real de Santo António?

    • Ana A. says:

      Essas décimas a menos serão a causa da “punição”….

      Devo então deduzir, que nesta área também temos a TINA!

      A “guerra” da Educação e as suas batalhas…e como diz o ditado: “Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura!”.

      Perdemos todos enquanto sociedade!

  4. Patilhas says:

    Sempre podemos criar a preferência regional: professores alentejanos para alunos alentejanos; professores da beira baixa para alunos da beira baixa (…) melhor ainda a preferência local, com escolas à porta de casa de cada professor: professores da Guarda para alunos da Guarda (depois é só ver a morada de cada professor e criar a escola); professores de Faro para alunos de Faro (depois é só ver a morada de cada professor e criar a escola)… sem se importarem com décimas quanto mais com médias. Em último caso para quê um curso no ensino superior? Os moradores destas localidades que se sentissem preparados para “dar aulas” apresentavam um currículo e já está! Ou então o cartão do partido que governe a autarquia. Todos ficariam contentes…

    • Anonimo says:

      Caro Patilhas,
      “preferência regional” ou “professor de Chaves colocado numa escola em Vila Real de Santo António”. Por favor escolha! E já agora pense no que é melhor para os alunos.

      • Patilhas says:

        Caro/a Anónimo/a
        A questão tem de ser colocada de outro modo: O que é melhor para os alunos ou para os professores?

      • Patilhas says:

        Já agora, o que fazia quando existissem professores em excesso numa determinada região, ainda que mais habilitados do que os de outras regiões?

        • Anonimo says:

          Boa pergunta, que só mostra que esta é uma questão complexa que não pode ser alvo de demagogia fácil. Uma coisa é certa: se há excesso de professores (melhores ou menos bons) num local, inevitavelmente terão de se deslocar.

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