
O Ponto. Técnica Mista sobre tela. 120cmx80cm. BS.
CAPÍTULO 6
Morrer
O “argot” permanece a linguagem de uma minoria de indivíduos vivendo à margem das leis estabelecidas, das convenções, dos hábitos, do protocolo, aos quais se aplica o epíteto de vadios (”voyous”), ou seja , de videntes (“voyants”) e, mais expressivo ainda, de Filhos ou Descendentes do sol. A arte gótica é, com efeito, a art got ou cot (Xo), a arte da Luz ou do Espírito.
Fulcanelli, O Mistério das Catedrais
Às três horas e nove minutos da madrugada do dia vinte e três de Setembro do ano de dois mil e dez, Basilides entrou em coma profundo. O coração ainda batia, como um punho que se abre e fecha lentamente, e o Cordão de Prata estava aparentemente intacto. Mas a Alma de Basilides ordenara já o início da grande viagem que adiara durante mais de cinquenta anos.
Sete dias antes de entrar em coma, Basilides chegara a casa cerca da uma e trinta da madrugada, depois de mais uma jornada de trabalho no seu atelier, onde projectava a conclusão das Capelas Imperfeitas do Mosteiro de Santa Maria da Vitória. Basilides acreditava ter descoberto uma matriz geométrica que permitia concluir a obra em harmonia com o desenho original do Templo e todas as suas derivações simbólicas e alquímicas. Como sempre fazia, o gato Diógenes aproximou-se da porta quando sentiu o ruído da chave na fechadura, mas desta vez Basilides, ao entrar em casa, notou-lhe um distanciamento estranho. Em vez de se enroscar como uma serpente nas velhas calças de fazenda, como era hábito, Diógenes atravessou o dono como se ele fosse um holograma e caminhou até ao patamar mal iluminado das escadas. Parou no primeiro degrau e olhou para trás enquanto desenhava uma estranha espiral com a cauda. Os seus olhos pareciam querer dizer as palavras que à sua boca eram interditas, mas Basilides não compreendeu ou, o que hoje parece mais plausível, não quis compreender.
-Fica encostada. Volta depressa.
Encostou a porta e encaminhou-se para a sala que ficava cerca de um metro à frente, do lado direito. Uma premonição terrível invadiu-lhe todo o corpo e o seu coração galopou como um cavalo das estepes, enquanto dava os três pequenos passos com que cruzou o umbral. Ao entrar na sala o mistério e o Universo abriram-se num festival de Luz e Treva. Três homens vestidos de negro esperavam-no com um intuito que cedo se expressaria com tremenda clareza.
-Mataram-me? – perguntou o velho arquitecto, pousando o saco do pão na pequena mesa triangular.
Obrigada pela partilha!
🙂
Despertou-me para a leitura de “O Mistério das Catedrais”, como parece estar esgotado já o consegui na net em pdf, mas gostava muito de conhecer o Basilides. Como poderá ser?!
Basilides é uma personagem.
O “outro” é este:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bas%C3%ADlides
Obrigada!
Mas referia-me mesmo à personagem do seu texto, ou seja, não sei se o texto acima é um excerto de algo maior, que eu gostaria de conhecer, ou se começa e acaba assim. (O que já não é pouco!)
Sim, prossegue.