Cum-Ex-Files ou O bruto ataque de banqueiros, milionários e advogados aos cidadãos europeus – e a letargia dos governos

Mais uma vez, vêm jornalistas a valer demonstrar que estes governos bananas que nos regem são, no mínimo, incompetentes para cercear a perícia dos tubarões, com efeitos materiais e morais devastadoramente danosos para os cidadãos.

19 órgãos de comunicação de 12 países associaram-se ao colectivo alemão “Correktiv” e analisaram 180.000 páginas de arquivos confidenciais, entrevistaram testemunhas-chave, encenaram uma armadilha e descobriram o maior roubo de impostos na Europa: 55 mil milhões de euros. Para isso, os criminosos de gravata usaram “Tax Deals“, movimentando rapidamente pacotes multimilionários de acções e conseguindo obter assim reembolsos de impostos fictícios e atordoantes. Com o negócio Cum-Ex e as suas variantes, impostos pagos uma vez foram também reembolsados várias vezes.

Para cúmulo, os governos da própria UE não se informam mutuamente de questões desta natureza: apesar de já ter detectado o truque há anos, o governo alemão não informou os outros governos europeus.

Provando-se assim uma vez mais que a crise de legitimidade e credibilidade dos governos é provocada pelos próprios. Basta pensar nas guerrinhas para aumentar salários mínimos ou o quadro de professores, frente à dimensão destes roubos que deixam acontecer.

Comments

  1. Paulo Marques says:

    #latestagecapitalism. Só está surpreendido quem quer.

  2. Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

    Ana Moreno.
    Relativamente à frase com que inicia o texto e que me permito citar …” estes governos bananas que nos regem são, no mínimo, incompetentes para cercear a perícia dos tubarões…”, penso ser interessante “beliscá-la” (perdoe-me a ousadia linguística) para lhe lembrar que esses mesmos governos a que se refere sabem mais a dormir que qualquer cidadão acordado.
    Se pensar no que aconteceu a personagens como Barroso, Vítor Constâncio, Vítor Gaspar, Maria Luís Albuquerque – isto só para citar “artistas nacionais” – de imediato perceberá que esta gente, como bons alunos que são – conhecedores das matérias e capazes de papaguear à exaustão a letra do “His Master’s voice” sabem tudo aquilo que pensa que eles não sabem.
    E não reagem, porque a cenoura que têm à frente dos olhos, os motiva para serem pessoas comedidas no desvendar de escândalos.
    E aqui não há nenhuma questão de passar ou não a informação entre os governos da UE. A cara Ana Moreno terá que perceber que há um pacto e só assim o “status” se mantém imutável.
    Isto é o Sistema.
    Na realidade está mais que provado que ser político, principalmente ministro das Finanças, será a profissão com mais futuro.
    Eles que o digam…

    • Ana Moreno says:

      Tem toda a razão, Ernesto; inicialmente coloquei no título “governos coniventes” e no final “roubos consentidos”; achei que me devia conter :-). Mas o que não falta são provas do que o Ernesto escreve.
      O que sempre me intriga e persegue é a pergunta: como é que a sociedade (digamos a portuguesa) ainda funciona, e até com gente muito honesta, no meio deste lamaçal de imoralidade. Já agora, podia explicar-me?

      • Paulo Marques says:

        Porque a propaganda da TINA é muito forte e, fora da Europa, bem armada. Quase não há quem tenha um curso de economia e perceba Keynes, Mosler ou Minsky, ou sequer tenha ouvido falar no essencial Taxes For Revenue Are Obsolete que foi a base do período dourado capitalista.
        Se a culpa não é do capitalismo e a carteira continua a mingar, bem, a alternativa é inevitável, novamente.

        • Ana Moreno says:

          Mas então Paulo, se não há moralidade, porque não “comem todos”? Espanta-me como ainda há (e considero-me incluída) gente que é séria, empenhada, que faz o que pode desinteressadamente por uma sociedade melhor.

          • Paulo Marques says:

            As pessoas são naturalmente cooperativas, senão a sociedade nunca tinha sido criada. Além da empatia, também somos capazes de reconhecer que podemos precisar de ajuda para nós e a nossa família.
            Mas voltando atrás, não há uma moralidade, existem vários sistemas de valor que não são inteiramente incompatíveis. Se nos é incutido que os mercados são racionais e eficientes e que os funcionários públicos são todos preguiçosos, a moralidade diz-nos que o capitalismo desregulado é a melhor realidade possível. Só quem vai analisar os argumentos com muito do seu próprio tempo é que encontra os disparates.

      • Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

        Ana Moreno.
        É verdade o que diz sobre a nossa sociedade … que apesar de tudo ainda tem gente muito honesta.
        Pois atrever-me-ia a dar uma explicação que, quanto a mim, está ligada à educação que se recebe. Educação por parte dos pais e ensino por parte de professores conscienciosos.
        Esta, para mim, é a razão do que afirma e acredite que sei do que falo.
        O problema é que, cada vez mais, esta formação está a criar “desalinhados”, assistindo-se à retribuição das más posturas e isolamento dos que defendem princípios. Também aqui, sei do que falo.
        Será uma das razões, porventura não única, mas, quanto a mim, é a cultura dos princípios que pode gerar uma sociedade mais equilibrada. Mas começa a preocupar-me o apoio que se dá à cultura da “chico-espertice” e o seguimento que ela tem. Isto, na minha óptica, desvirtua a sociedade que se recomporá, não tenho dúvidas, mas aí … Ai dos vencidos.
        Fique bem

    • Paulo Marques says:

      Os presidentes da comissão europeia são quem são por alguma razão, o bêbado actual só o torna mais explícito. Ou os presidentes do “independente” BCE.

  3. Fernando Manuel Rodrigues says:

    Parece-me que o problema, tal como acontece com muitas outras situações ao nível da fiscalidade, existe porque há “buracos” na legislação”, que são aproveitados por estes “sanguessugas” para daí tirar proveito.

    Já todos aqui ouviram falar, certamente, de “planeamento fiscal”. Nas grandes empresas há departamentos inteiros cujo trabalho é dedicado ao tal “planeamento fiscal”, porque daí podem as empresas recolher dividendos substanciais.

    A legiuslação fiscal é escalpelizada até ao mais ínfimo pormenor, e todas as lacunas são espremidas até não dar mais.

    Repare-se neste paragrafo: “The federal German government only called a stop to the practice in 2012 by making adjustments to the tax code, then making another adjustment in 2016 after one variant of the trade had continued. Its response had been so slow that a parliamentary inquiry was set up. Some critics think the finance ministry was fully aware of cum-ex all along but hesitated to close it down as it was one of the few profitable business lines of banks after the 2008 financial crisis.”

    Ou seja, os governos andam sempre atrás, e quando tapam um buraco, muitas vezes abrem outro (ou outros). Não vou ao ponto de dizer que o fazem de propósito – acho que, na maior parte dos casos, os melhores técnicos de fiscalidade estão ao serviço das grandes empresas, que lhes pagam muito melhor, e não ao serviço dos governos. Isso resulta em legislação mal feita, que as grandes empresas aproveitam.

    Na esmagadora maioria das vezes, o “roubo” é 100% legal, e as autoridades apenas podem “assistir da bancada” (e aprender, se tiverem coragem e competência para isso).

    Falar do assunto é importante, mas só por si não vai resover nada. É injusto, é imoral, mas se não for ilegal, nada feito. Era bom os governos pensarem no assunto antes de fazerem as leis, e sobretudo antes de criarem impostos e mais impostos, em legislação avulsa, sem haver um quadro global, coerente e transparente. Quanto mais confusa for a legislação, mais buracos terá.

    • Ana Moreno says:

      Muito certo, Fernando, só que eles deixam “buracos” de propósito. Essa é uma das críticas aos acordos de comércio livre, como o CETA (UE-Canadá), só como exemplo. Ana Gomes votou contra o acordo no PE exactamente “porque o CETA não inclui um capítulo sobre regulação financeira e fiscalidade para as empresas que dele beneficiam. É inadmissível manter o status quo, em que as grandes multinacionais e a criminalidade organizada se aproveitam da mobilidade internacional do capital para artificialmente transferir lucros para jurisdições onde a fatura fiscal é diminuta ou para “lavar” os proveitos do crime, fiscal e outro. Esta desregulação cria desigualdades e distorções na concorrência em mercado, favorecendo as multinacionais, incluindo as do crime.” https://aventar.eu/2017/02/18/ana-gomes-a-corajosa-e-consequente/
      No mínimo, haveria que regular a sério.

    • Paulo Marques says:

      Resolver os buracos é essencialmente controlo de capitais, a começar com proibir qualquer transferência para quem oculta ou mente sobre informação bancária e financeira.
      O resto é perceber que os impostos não são rendimento.

      • Ana Moreno says:

        E finalmente introduzir a taxa Tobin, ou como se lhe queira chamar. Mas não, a comissão anda há anos a fingir que faz, mas não faz, é a tal coisa.

    • Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

      Caro Fernando Manuel Rodrigues.
      Não estou de acordo com a linha do seu comentário que descreve que as coisas “não são feitas de propósito”. E explico-lhe porquê: as leis são feitas por escritórios de advogados dominados por máquinas partidárias e ministros actuais e antigos – caso da Abreu Advogados, onde entra o nome do nosso bem conhecido Luís Marques Mendes ou do escritório detido por essa inenarrável personagem de nome António Arnaut ou muitos outros onde entram familiares de Alberto João Jardim e que actuam no perímetro da Madeira, E mais tarde esses políticos vão ocupar cargos nos Conselhos de Administração dessas mesmas empresas, agora como advogados e consultores. Uma promiscuidade doentia que mina a democracia e que tem a complacência da figura que é o garante do bom funcionamento das instituições. Refiro-me, como saberá ao presidente da república.
      O ciclo é conhecido, está traçado e só engana quem quer ser enganado.
      Essa gente não vai ocupar um cargo ministerial para perder dinheiro. Ao que eles fazem, chama-se Investimento na carreira, algo que é transversal a toda a classe política.
      Têm, pois, uma clara linha de actuação.
      Aconselho-o, se me permite, a ler um livro publicado há poucos anos onde estes temas são tratados de uma forma clara: “Os Facilitadores” e perceberá o motivo pelo qual estou em absoluto desacordo nesse ponto.
      Cumprimentos.

  4. Ana, eu a saúdo e uivo consigo….só que os lobies ferozes são eles, políticos e banqueiros, e não uivam, não, que esta sim é a 3ª Guerra mundial silenciosa já instalada, infiltrada, programada e sem focinhos, sem armamento de guerra mas organizada e reforçada por todos esses seres desumanos e programada de há muito em que como afirma :

    …”
    as grandes multinacionais e a criminalidade organizada se aproveitam da mobilidade internacional do capital para artificialmente transferir lucros para jurisdições onde a fatura fiscal é diminuta ou para “lavar” os proveitos do crime, fiscal e outro. Esta desregulação cria desigualdades e distorções na concorrência em mercado, favorecendo as multinacionais, incluindo as do crime.”
    :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

    Em :
    A Doutrina do Choque/ A Ascensão do Capitalismo de Desastre,
    Naomi Klein,
    põe um fim ao mito de que o mercado livre global triunfou democraticamente. Expondo o modo de pensar, o rasto do dinheiro e os fios de marioneta por detrás das crises e guerras mundiais das últimas quatro décadas, A Doutrina do Choque é a história absorvente de como as políticas de “mercado livre” da América têm vindo a dominar o mundo – através da exploração de povos e países em choque devido a inúmeros desastres.

    Na conjuntura mais caótica da guerra civil do Iraque, é apresentada uma nova lei que permitiria à Shell e à BP reclamar para si as vastas reservas petrolíferas do país… Imediatamente a seguir ao 11 de Setembro, a administração Bush concessiona, sem alarido, a gestão da “Guerra Contra o Terror” à Halliburton e à Blackwater… Depois de um tsunami varrer as costas do sudeste asiático, as praias intocadas são leiloadas ao desbarato a resorts turísticos… Os residentes de Nova Orleães, espalhados pelo furacão Katrina, descobrem que as suas habitações sociais, os seus hospitais e as suas escolas jamais serão reabertas… Estes acontecimentos são exemplos da “doutrina de choque”: o aproveitamento da desorientação pública no seguimento de enormes choques colectivos – guerras, ataques terroristas ou desastres naturais – para ganhar controlo impondo uma terapia de choque económica. Por vezes, quando os dois primeiros choques não são bem sucedidos em eliminar a resistência, é empregue um terceiro choque: o eléctrodo na cela da prisão ou a arma Taser nas ruas.

    Baseado em investigações históricas inovadoras e em quatro anos de relatos no terreno em zonas de desastre, A Doutrina do Choque mostra de forma vívida que o capitalismo de desastre – a rápida reorganização corporativa de sociedades que tentam recuperar do choque – não começou com o 11 de Setembro de 2001. O livro traça um percurso das suas origens que nos leva há cinquenta anos atrás, à Universidade de Chicago sob o domínio de Milton Friedman, que produziu muitos dos principais pensadores neoconservadores e neoliberais cuja influência, nos nossos dias, ainda é profunda em Washington. São estabelecidas novas e surpreendentes ligações entre a política económica, a guerra de “choque e pavor” e as experiências secretas financiadas pela CIA em electrochoques e privação sensorial na década de 1950, pesquisa essa que ajudou a escrever os manuais de tortura usados hoje na Baía de Guantanamo.

    A Doutrina do Choque segue a aplicação destas ideias através da nossa história contemporânea, mostrando em assombroso detalhe a forma como eventos do conhecimento geral têm sido palcos activos e deliberados para a doutrina do choque, contando-se entre eles: o golpe de estado de Pinochet no Chile em 1973, a Guerra das Malvinas em 1982, o massacre na Praça de Tiananmen em 1989, o colapso da União Soviética em 1991, a Crise Financeira Asiática em 1997 e o furacão Mitch em 1998.

  5. JgMenos says:

    «os governos da própria UE não se informam mutuamente de questões desta natureza»

    Será que os nossos soberanistas de esquerda estarão dispostos a aceitar esses avanços internacionalistas e de integração europeia?

    • Paulo Marques says:

      Sabe que há regras de comércio e diplomacia fora de uniões comercias e tratados, certo?

      • Paulo Marques says:

        Isso e a UE é fundada no neo-liberalismo e a EMU no controlo do continente pelo Bundesbank – os alemães que fiquem com a UE.

    • ZE LOPES says:

      Se a Direita Liberalota fosse uma equipa de futebol JgMenos seria um ponta-de-lança, e um ás…a chutar para canto!

      A “esquerda soberanista” não o é assim tanto. Quer é exercer a soberania, não delegá-la em quem, propositadamente, não a exerce.

      Utilizasse a UE a soberania que lhe foi confiada em torno de um projeto comum, que tomasse em conta as diferenças de desenvolvimento e contribuisse para um maior equilíbrio, por exemplo, e tudo seria diferente. Se calhar, nessa altura, seria uma certa Direita que se tornaria fortemente soberanista.

  6. JgMenos says:

    Ainda que não conheça a situação em detalhe, acredito haver uma dualidade de factos:
    1 – há muito vigário na política e na finança
    2 – subjaz à sanha tributária de governos, ansiosos por agradar às massas despertas para o saque, o reconhecimento que de algum modo têm que devolver algum do saque para que os capitais não emigrem de vez. Chamem-lhe estímulos, chamem-lhe subsídios, chamem-lhe buracos na lei; o retorno subsiste como indispensável.

    • Paulo Marques says:

      Se não fugiram durante o New Deal, também não fugiam agora. E era preciso deixá-los fugir de propósito.
      Citando o seu novo herói vindo da história «“The returns come from the State. And the State cannot go bankrupt,” the bankers told investors.».

      • JgMenos says:

        O New Deal trouxe regulação – muita dela lamentavelmente revertida – mas nunca trouxe ameaça de saque.

        • Paulo Marques says:

          O imposto de 90% sobre o lucro não é saque, é sempre bom saber que o Menos evolui.

        • ZE LOPES says:

          Pois é, Mr. JgMinus: depende do conceito de saque!

        • ZE LOPES says:

          Cito, para que o povo saiba, e se ressaiba, um trecho da sua (Menos) peça teatral autobiográfica “Ai! Os Esquerdalhos!”:

          JgMenos: “Oh! O New Deal! Ó que tempos! Em que eu ia a um baile e todos e todas atingíamos o “clímax” perfeitamente vestidos! Era outra era! Agora…agora…todos se despem…sinal dos tempos! Para quê, meu Deus? “.

          Deus: “Para quê, dizes? Ora porra! Para pagares impostos! Vai lá falar de saques para o inferno!

          Satanás (vindo de trás)”: Estás tão quente, ó Menos! Vou levar-te já lá para os infernos”!.

          CAI O PANO MAS, POR FAVOR, DEVOLVAM-NO AO MENOS. SERÀ RECICLADO PARA PRODUZIR CUECAS. OBRIGADO.

    • ZE LOPES says:

      Como diria o célebre “pensateur” francês JgMoins: “le capitalisme liberal est bel, les hommes est que donne cap d’el”.

  7. O silêncio sobre este assunto nos ‘media’ nacionais é ensurdecedor… e sintomático. As mesmo nível da conivência dos governantes europeus com a falcatrua milionária.

    • Ana Moreno says:

      É mesmo, Álvaro Fonseca, infelizmente, há uma série de assuntos extremamente relevantes pelas suas consequências para os cidadãos que são sistematicamente escamoteados pelos media nacionais. Uma das coisas que mais valorizo a norte de Portugal é exactamente a qualidade da informação disponível. Não é novidade nenhuma, mas dói sempre.

    • Paulo Marques says:

      Estão a preparar um dossier para publicar a seguir aos nomes dos Panamá Papers – nem se percebe a espera, o capital não foge do país.

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