Um país civilizado faz leis contra mim

Se uma besta qualquer agredisse alguém que me seja querido, independentemente das razões, o meu desejo mais profundo e superficial seria o de conseguir levar a dita besta a sofrer dez vezes mais do que a vítima. Se fosse possível, gostaria, ainda, que todo o processo fosse lento, demorado e publicado em todas as redes sociais, com vídeos e fotografias suficientemente horripilantes para que o mundo inteiro pudesse assistir a todas as sevícias a que sujeitaria sadicamente a besta.

Isto faz de mim uma má pessoa? Sim, faz. Faz de mim uma pessoa normal? Penso que sim, porque o animal que está dentro de nós convive mal com o perdão. A lei de talião está-nos no sangue.

Ora, a civilização é um esforço, não é uma natureza, mesmo que queira sê-lo. O mundo é, no fundo, a ilha do Dr. Moreau: se não houver regras, comemo-nos uns aos outros. As leis existem para que o lobo que (também) sou seja obrigado a comportar-se como um homem.

Um homem, especialmente se for um agente da autoridade, não publica fotografias de criminosos em situação de fragilidade, porque isso já é uma forma de vingança, é, para ser meigo, feio. As leis obrigam à defesa da dignidade mesmo daqueles que se comportaram de modo indigno. As leis feitas contra mim impedem-me de agredir – e há fotografias que são agressões – os criminosos.

Defender isto não é o mesmo que defender o direito de roubar, agredir ou torturar. Concordo, em princípio, com a afirmação da Associação Sócio-Profissional da Guarda: os criminosos não são merecedores do mesmo respeito que o cidadão comum. Por isso é que devem ser condenados, que esse é o respeito que merecem os criminosos. O que for para além disso é indefensável.

Finalmente, não porque seja politicamente correcto, mas só porque é correcto, leia-se a Posição do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas sobre a divulgação de imagens de suspeitos em situação humilhante.

Comments

  1. Acho que as pessoas andam todas muito nervosas e a colocar sistematicamente a carroça à frente dos bois.

    Como é que se chama “criminosos” a três pessoas que ainda nem sequer tiveram direito a um julgamento justo? Não falta aí o “alegadamente”? E onde é que está a presunção de inocência para todos os arguidos? Ou será que a presunção de inocência é só para os ricos e famosos como o Doutor Duarte Lima, alegadamente suspeito de ter morto Catalina Pestana para ficar com 5M€?

    • Nascimento says:

      Ora nem mais. Não há meias palavras para defender o indefensável: este presidente da ” associação ( Independente?) dos guardas) é um bolsonározinho .
      Escutei o que a besta afirmou hoje a uma rádio e deu nojo.

  2. Ana A. says:

    “Criminosos em situação de fragilidade”, não vale publicar.

    Já se forem: migrantes, sem abrigo, utentes da “sopa dos pobres”, etc., etc., isso já pode ser, porque esses já devem ter perdido há muito, o estatuto de pessoa!

    • António Fernando Nabais says:

      Pronto, Ana, então vale publicar tudo, certo?

      • Ana A. says:

        O meu comentário refere-se à posição tomada pelo Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, que são os que mais têm telhados de vidro, no que concerne a publicações de seres humanos em situação de fragilidade!

        • Há qualquer coisa que não estou a perceber bem. Mas os jornalistas têm código deontológico e regem-se por princípio éticos?
          É que eu sempre pensei que os jornalistas se regiam por sensacionalismo, em que vale tudo, mesmo violar, repetidamente o segredo de justiça e chegar a casa dos futuros arguidos com câmaras, mesmo antes dos oficiais de justiça!

  3. Rui Naldinho says:

    A Bolsonarização das sociedades começa sempre com imagens como aquelas a que o autor do texto alude.
    “De um lado os criminosos, do outro os caçadores de malandros.”
    Franjas há na Sociedade, que aplaudem a exibição da preza, alimentados pela insegurança que todos os dias nos entra televisão a dentro, ou pelo rua do bairro fora. Ainda hoje de manhã na TSF, uma reportagem sobre os carteiristas de Lisboa, nos dava conta de que estes sacam aos turistas a módica quantia de quatro milhões de euros / ano. Na entrevista radiofónica, os agentes à paisana junto do Castelo de S. Jorge, apenas três, para uma Lisboa imensa, afirmam que se sentem frustradíssimos com a Justiça, e impotentes para tanto carteirista, quase todos vindos do Leste. Diz um dos agentes, que alguns começam logo a “atacar” no primeiro dia em que chegam ao território. O ouvinte perante este relato, não ousa questionar-se qual a razão para que uma boa parte da maquia paga pelos turistas através das célebres taxas, não vai para a melhoria do policiamento da cidade, pelo menos nas zonas mais frequentadas por turistas. Não, o raciocínio mais básico é o de achar que os imigrantes são todos carteiristas, logo uma espécie de excrescência.
    Por outro lado, o Poder político, vê a Justiça, do polícia à penitenciária, passando pelos tribunais, uma despesa tenebrosa para o OE, sem as receitas adequadas que o compensem. Só os processos mediáticos, onde os ladrões nunca vão presos é que dão lucros, uma vez que chegam a passar dez anos neste rame rame em que se tornou o Julgamento de alguém com graveto. Esquecem-se foi dos prejuízos causas ao erário público.
    Sim, aquelas imagens ajudam em muito a criar o mito do salvador da Pátria. Até ao dia em que um desses pirómanos seja eleito, e quem nele votou acabar por também ser perseguido ou “ir dentro”, sem qualquer justificação para tal desfecho.

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