Rui Pinto, vilão ou herói?

As minhas costelas benfiquistas poderão levar a que leitores mais apressados vejam nesta minha breve opinião a defesa de um clube. Apesar de saber que isso vai ser ignorado, desejo deixar claro que sou adepto do Benfica durante os 90 minutos que dura um jogo, que não encontro nenhuma superioridade moral no meu clube, que não me espantaria que houvesse ou que haja muitos esquemas mafiosos associados directa ou indirectamente ao Benfica, o que quiserem, assim fique provado em tribunal, mesmo sabendo que pode haver uma grande distância entre tribunais e Justiça.

Ora, parafraseando Churchill, a propósito da democracia, é forçoso reconhecer que o nosso sistema de Justiça é o pior que há, à excepção de todos os outros. Por isso, enquanto Luís Filipe Vieira, o Benfica ou o diabo a quatro não forem condenados, serão inocentes, por muito que nos custe.

Rui Pinto, para quem não gosta de futebol ou para quem não gosta do Benfica, dois sentimentos respeitáveis e compreensíveis, é um herói. Se da sua actividade resultar a condenação de criminosos, óptimo, independentemente da cor clubística, partidária ou da roupa interior.

Há, no entanto, quem tenha colocado a hipótese de que Rui Pinto roubou correspondência electrónica, o que é, segundo parece, crime. Não faço ideia até que ponto é que, a ser provado esse crime, isso possa invalidar que os dados obtidos possam ser considerados prova, mas, mais uma vez, mal ou bem, caberá às entidades competentes decidir.

Temos, portanto, aqui, um triângulo: Rui Pinto pode ser um justiceiro; pode ser um ladrão; pode ser um justiceiro que atrapalha a Justiça. Esperando que possa ser o primeiro, assusta-me que haja tanta gente sensata que acredita na existência de violação de correspondência virtuosa levada a cabo por particulares e não por autoridades, que, mesmo assim, podem não ser virtuosas. É a (des)vantagem de ver o mundo a preto e branco. Já eu, que sou daltónico bissexto, consigo ver daqui um arco-íris.

Entretanto, espero que não vos importeis que eu, que só tenho boas intenções, entre na vossa caixa de correio ou vá abrindo a vossa correspondência. Para me poupar trabalho, até porque não tenho competências de hacker, peço que, na caixa de comentários, deixeis dados completos, incluindo palavras-passe, por exemplo. Agradecido.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Parafraseando o Ricardo Araújo Pereira, famoso Benfiquista, rapaz impoluto, sobre o caso Sócrates, explorado pelo CMTV, até ao tutano:
    “Sou contra a violação do segredo de justiça, mas ainda assim, sabendo-se aquilo que vinha nas escutas feitas pela PJ, ao Ex Primeiro Ministro, questiono-me como é possível, alguém ser tão amigo de Sócrates, que receba ordens deste, sobre como decorar a sua própria casa”. Mas sobre este caso, podem dar-se mais alguns exemplos caricatos, transcritos naquelas escutas e interrogatórios.
    Rui Pinto pode ter cometido uma ilegalidade, não duvido, coisa aliás, que a maioria dos denunciantes tem por norma fazer, não fossem eles uma espécie de intrusos na vida alheia. Uma espécie de voyeur. Não estavam à espera que ele pedisse licença, pois não?
    Questiona-se assim, tal como no caso Sócrates, como é possível estas coisas acontecerem, “vasculharem a vida privada de árbitros, influenciar a nomeação de árbitros e delegados, nas barbas da PJ”, e esta achar tudo aquilo irrelevante. Eu já vi isto noutro filme, com outras cores. E também já sei que isto não vai dar em nada. Disso tenho eu a certeza. Até porque em Portugal, o normal é os criminosos acabarem sempre absolvidos, não tanto pela sua inocência, mas porque os erros processuais da nossa justiça e de outros agentes, como por exemplo, buscas polícias sem um mandato judicial, transformarem o criminoso em vítima.
    Vou dormir descansado, porque sei que nada de grave vai acontecer ao seu Benfica. Mas vou dormir ainda mais relaxado, porque sei que vivo num país maravilhoso, onde para a cadeia só vão alguns como eu, ou mesmo o meu amigo. E como nós nos portamos bem melhor que o Luís Filipe Vieira, o Bruno de Carvalho ou o Pinto da Costa, eles que se *****!

    • António Fernando Nabais says:

      Concordo com tudo, incluindo as pudicas estrelinhas finais.

  2. Paulo Marques says:

    Só acrescentaria que os crimes do rapaz tem a atenuante (que devia ter o seu valor legal, se não tiver) de, independentemente das intenções originais, não ter tido resultados para proveito próprio, muito pelo contrário.
    E que são muito, mas mesmo muito, menos graves do que o conteúdo das suas revelações para um estado de direito.

  3. Presumo, assim, que o legalista autor do posta nunca na vida utilizará a expressão “apito dourado”, nem nunca na vida sugeriu que um determinado clube corrompia árbitros, uma vez que as escutas que o provam foram declaradas ilegais, logo, são uma intromissão ilícita na reserva da intimidade dos visados.

    • Rui Naldinho says:

      Se Rui Pinto cometeu uma ilegalidade, o que é perfeitamente admissível em face da lei vigente, um agente ou vários, da polícia, do fisco, da ASAE, tutelados por um órgão de soberania, deviam saber que a exigência de legalidade em todos os seus actos, seria ainda maior. Se não sabiam, são incompetentes. Se sabiam e fizeram-no, apenas para destruir as hipóteses de uma condenação, então conseguiram os seus objectivos. Foi a nulidade das escutas.
      Como é óbvio, o Apito Dourado não deu em nada. E este em nada dará, para além do desviar as atenções sobre os verdadeiros problemas nacionais. Costa até agradece, mesmo sendo simpatizante do SLB.
      Agora, eu gosto é daquelas explicações fervorosas, de amor à Justiça, mas sempre a pensar que no meu clube é tudo impoluto, como se aquela gente fizesse parte do meu agregado familiar, e eu estivesse a defender um filho.

    • António Fernando Nabais says:

      Pergunto-me qual será o antónimo de “legalista” e pergunto-me, ainda, se afirmar que as decisões dos tribunais podem ser injustas é ser legalista. Quanto ao resto, presume muito bem, mesmo quando me parece estar a insinuar que aplicaria outro peso e outra medida a um clube rival cuja estatura moral é tão grande como a do que sou adepto. Não, não uso a expressão “apito dourado” ou outras do género.

    • Paulo Marques says:

      Houve mais argumentos legais para que não desse em nada, mas tá bem.

    • Ricardo Ferreira Pinto says:

      As escutas do Apito Dourado foram consideradas ilegais apenas pela Justiça desportiva.
      Quanto aos Tribunais, consideraram-nas legais. Validaram as escutas e utilizaram-nas em sede de julgamento como meio de prova. E foram precisamente essas escutas que permitiram ilibar o FC Porto, já que se provou que o FC Porto não tivera qualquer benefício resultante do que se ouviu nas escutas.
      Quanto ao caso em questão, relembro que os primeiros clubes vasculhados por Rui Pinto até foram o Sporting e o FC Porto. E como portista, fico muito contente por saber que graças ao seu trabalho foram descobertas algumas negociatas vergonhosas cujo objectivo foi apenas o de sacar dinheiro à SAD e desviá-lo para as contas particulares de toda a corja que gravita em torno da Administração, incluindo os próprios administradores. O próprio Rui Pinto aludiu a certos negócios em que aparece como figura central Alexandre Pinto da Costa.
      Acho que os benfiquistas também deviam ficar contentes com o trabalho de Rui Pinto, porque ficam a saber melhor a forma como o seu clube é governado.
      Fernando Nabais, a sério que estás a comparar a denúncia de crimes (tráfico de influências e corrupção no caso do Benfica, desvios de dinheiro no caso do FC Porto, fuga aos impostos no caso de Ronaldo, Mourinho, etc.) com o eventual vasculhar da correspondência particular de um qualquer anónimo?
      Foi essa a opinião que tiveste quando Julien Assenge publicou os wikileaks? Ou Edward Snowden? Ou o denunciador dos Panama Papers? É que Rui Pinto fez exactamente a mesma coisa que eles. A diferença é que, em vez de bancos e grandes multinacionais, foi a clubes de futebol.

      • António Fernando Nabais says:

        Ricardo Santos Pinto, filho, a sério que não estou a comparar, apenas porque não estou a julgar o Rui Pinto. Poderia ter feito referência ao facto de haver quem já tenha considerado que o homem é culpado, que é o que acontece com a maior parte dos adeptos benfiquistas. Isso está tão errado como querer ver nele, sem a mínima dúvida, um herói. O texto está cheio de dúvidas e não de certezas. Os inimigos do Assange, do Snowden ou do Pinto são perigosamente poderosos, mas não sei se os três são equivalentes. Remeto-te, aliás, para as perguntas feitas pelo comentador Nuno P. M. Abreu.
        As escutas a Pinto da Costa, salvo erro, foram feitas pelas autoridades e não por um amador, por muito bem-intencionado que fosse.
        Se se provar, com ou sem a ajuda do Rui Pinto, que o Vieira e o Benfica são mafiosos, que seja feita Justiça. O problema, quanto a mim, está na facilidade com que se glorifica alguém que pode ser – repito: pode ser – um coscuvilheiro com competências.

  4. Nuno M. P. Abreu says:

    Basicamente de acordo caro, Agostinho Nabais.Infelizmente, parafraseando, não Churchil que afirmava, para além do que referiu, que “na política jamais haverá moral”, mas Ricardo Araújo Pereira, “há gente que não sabe estar!”
    Há gente que tem opinião sem ter informação e há ainda quem parcele a informação consoante a sua idiossincrasia degustativa. Não procuram a verdade, procuram apenas recolher dados que sustentem os seus imanentes dogmas, descartando na busca a dedução cartesiana e usando apenas a lógica dogmática hitleriana ou estalinista.
    Ninguém, minimamente estruturado eticamente, pode deixar de exigir que, neste processo, todos os culpados, MAS TODOS, sejam condenados e todos, MAS TODOS, os inocentes sejam absolvidos.
    Mas se nós, cidadãos “a latere” deste processo, queremos opinar sobre o assunto, então teremos de colocar perguntas e tentar objectivamente responder a elas descartando daí, como propõe Descartes, tudo que é inseguro ou controverso.
    – Rui Pinto acedeu ilegitimamente ou não a correspondência electrónica de pessoas jurídicas?
    – Rui Pinto publicitou essa correspondência?
    – Toda a correspondência publicitada indiciava crimes?
    – Se Rui Pinto tinha disso consciência porque a não fez chegar previamente à justiça?
    – Rui Pinto usou essa correspondência para dela tirar proveito económico?
    – Se sim, e constituindo tal comportamento um ilícito criminal, deve ou não ser penalizado?
    – Se, porventura, através da publicitação ilícita de documentos, foram descobertos outros crimes tal deve constituir uma atenuante?
    – No caso de publicitação indevida de correspondência não indiciadora de crimes que causaram dano económico a pessoas jurídicas, deve Rui Pinto ser obrigado a ressarci-las?
    Só respondendo objectivamente a estas e outras questões com honestidade intelectual e despojados de interesses ideológicos cristalizados se pode concorrer para um ambiente despoluído de interesses mesquinhos.

  5. Nuno M. P. Abreu says:

    Peço desculpa a António Nabais pela troca do nome.

  6. Daniel says:

    “Rui Pinto, para quem não gosta de futebol ou para quem não gosta do Benfica, dois sentimentos respeitáveis e compreensíveis, é um herói.”
    Não gosto de futebol profissional, não gosto do Benfica (nem de nenhum clube) e não gosto do Rui Pinto!!

    • António Fernando Nabais says:

      O Daniel será, segundo a minha análise sociológica de trazer por casa, uma excepção.

  7. ..não, António Nabais, o Daniel não é o único, não é uma excepção !

    • António Fernando Nabais says:

      Mau, vêm agora com a realidade estragar-me a ficção 🙂 O que quis dizer é que julgo que os que gostam do Rui Pinto são, na sua maioria, adversários do Benfica ou pessoas que não gostam de futebol.

  8. Paulo Marques says:

    Agora que me lembrei, tenho um problema bastante sério com o caso. É que o hacking malicioso só é horrível quando é feito pelo cidadão comum; quando é uma grande empresa a violar os dispositivos dos cidadãos serve uma multazinha, quando ao contrário, é uma carrada de anos na cadeia em cima, desde Mitnick. E este, nitidamente, não é caso para isso.

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