[João Roque Dias]
Lanço-vos um desafio. Imaginem que acordam um dia, ligam o transístor, lêem o jornal do vizinho no metro ou na Internet e ficam a saber que o Brasil acaba de revogar o acordo ortográfico de 1990.
Uns darão pulos de contentes, outros ficarão verdes de raiva, mas nada disso vem agora ao caso.
Primeiro, há que ter em conta que o Brasil é useiro e vezeiro em rasgar os acordos ortográficos assinados com Portugal e, se o de 90 for também mandado à fava, será apenas o terceiro. Eu conto-vos como foi:
Da primeira vez, quando, a 1 de Setembro de 1911, entrou em vigor em Portugal a Reforma Ortográfica sem termos falado com o Brasil, começou por lá um burburinho tremendo (mas só nos salões aveludados, por senhores de chapéu alto) sobre o nosso desplante. A coisa durou pouco, porque, quando abriram os olhos, viram que a Reforma portuguesa era mesmo coisa bem feita. Tão bem feita que, a «sua aceitação acabou sendo até maior do que aquela anteriormente realizada pelos acadêmicos brasileiros, pelo menos nos primeiros anos subseqüentes à mesma: em 1915, por exemplo, a própria Academia Brasileira de Letras acabaria aceitando um parecer de Silva Ramos (julho) que tornava oficial o sistema ortográfico lusitano, eliminando todas as divergências ortográficas entre Brasil e Portugal (novembro). Só que, «quatro anos depois (1919), a mesma academia voltaria atrás, renegando a proposta de Silva Ramos e abolindo a resolução de 1915. O amor-próprio e o sentimento nacional brasileiros parecem ter, no final das contas, prevalecido.» (in REFORMA ORTOGRÁFICA E NACIONALISMO LINGÜÍSTICO NO BRASIL, por Maurício Silva (USP).
E da segunda vez, quando, 10 de Agosto de 1945, o Brasil assinou com Portugal a “Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945”, e a adoptou pelo Decreto-lei 8.286, de 05.12.1945, mas que a renegou, DEZ ANOS DEPOIS, pelo Decreto-lei 2.623, de 21.10.1955.
Mas imaginemos que do Brasil chegam mesmo notícias da incineração do monstro.
— A “unificação ortográfica” é finalmente comparada à Terra plana?
— A “unidade essencial da língua” vai para o livro das anedotas?
— Malaca morre fulminado por uma apoplexia?
— Os que dizem que o acordo ortográfico (este ou qualquer outro, claro) tem mesmo que ser, porque temos de ser penalizados por termos tido o atrevimento de fazer uma Reforma em 1911 sem termos passado cavaco (cruzes, canhoto) ao Brasil, vão dizer o quê?
— Os deputados que o assinaram, e que, anos depois, convidaram até espanhóis e outros estrangeiros para os esclarecer na sua votação, devolvem os vencimentos da vergonha?
— Marcelo, subscritor de um manifesto contra o monstro, e que depois se calou como rato assustado, mesmo perante o caos ortográfico no Estado de que é Chefe, vai dizer o quê?
— O Ciberdúvidas pega fogo aos servidores?
— Os professores doutores que se obrigaram a obrigar mestrandos e doutorandos a redigir dissertações e teses em acordês, mas que aceitaram as mais inenarráveis choldras ortográficas, vão pedir desculpa pela sua indigência intelectual?
— Os dois ou três académicos que passaram pela vergonha de defender o monstro, fazem uma vigília de desagravo?
— A Edviges, agora irradiada do ensino por indecência profissional e intelectual, que andou a dizer que os putos tinham de ser punidos se não escrevessem acordês, vai punir-se a ela própria?
— E aquele tipo que disse que o acordês se aprendia em 30 minutos põe orelhas de burro?
— Santana fica lixado, porque afinal facto, que nunca foi “fato”, deixa de ser fato?
— E Cavaco, que mandou Santana assinar aquele molho de papéis, sem sequer vir acompanhado com uma notinha que explicasse ao governo porque deveria ser assinado, terá, finalmente, alguma vergonha?
— A Imprensa Nacional vai ter sessões de recuperação psicológica para quem andou a encher o Diário da República de “fatos jurídicos”, “contatos” e “contatados”?
Para o Brasil, mandar o acordo ortográfico de 1990 às favas é apenas mais uma vez.
Para Portugal, se mantiver o monstro em uso na esfera do Estado (e muitos, mesmo perante a carcaça fumegante do monstro, continuarão a dizer que sim, por causa das criancinhas, estão a ver…), sozinho, abandonado por todos, escorraçado pelo Brasil a quem não tivemos coragem de dizer “não” – apesar de termos sido nós a convidá-lo para a aventura, logo topada como vantajosa – será o quê, senão uma imensa e monstruosa vergonha, cujo mau cheiro levará décadas a sair-nos da pele?
Os brasileiros sempre nos acharam “gente de boa fé”.
Basta eles perceberem que o pai desta criança, se chama Malaca Casteleiro.
Dirão alguns dos nossos irmãos, lá das terras de Vera Cruz :
Mas isso é nome de jagunço?
Os que sofrem de disfunção erétil passarão a sofrer de disfunção eréctil. Ficarão muito pior com o peso da consoante muda…
Ignora ou esquece-se de que “eré(c)til” tem dupla grafia com o AO…
Ai… se assim não fosse seria discriminatório!
…esqueci-me do emoji
🙂
Em Portugal ainda há pessoas que suspiram pela vinda de D. Sebastião para restaure a monarquia e nos venha salvar a todos. Outros há que suspiram é pelo regresso de Salazar, para que voltemos ao tempo da censura e da sardinha para três.
E trinta anos depois, depois de toda uma geração já estar a escrever como se disse que tinha de ser, ainda há aqueles, e que são muitos, que acham que a salvação do país está no regresso das consoantes mudas. Um dia destes fazem-se manifestações, com sindicatos a convocar greves com os lesados das consoantes mudas a paralisarem o país.
« depois de toda uma geração já estar a escrever como se disse que tinha de ser»
Lol.
O Acordo começou a ser aplicado no ensino no ano lectivo 2011/12 e só entrou plenamente em vigor em 2015. Isso dá uma geração? E como se só estivessem em causa as consoantes mudas… A ignorância é mesmo muito atrevida.
A geração que escreve como se disse que tinha de ser é a geração que está a escrever “contato” em vez de “contacto”? É a mesma geração que consegue suprimir consoantes que não são mudas?
Infelizmente há muitos ignorantes a falar do que desconhecem. Contacto escreve-se com o c. Só no Brasil se escreve contato porque a consoante é muda.
É assim com muitas outras palavras que têm duas grafias em função da forma como são pronunciadas.
Infelizmente, há muitos ignorantes atrevidos a comentar sem ler ou sem saber ler e o Paulo Moz Barbosa já vai no segundo comentário falhado. O alegado acordo ortográfico baseia-se no chamado “critério fonético”, o que quer dizer que, em Portugal, deveria escrever-se sempre “contacto”, já que o C é articulado. No Brasil, não se escreve “contato” “porque a consoante é muda”, até porque não, na palavra “brasileira, nenhuma consoante muda. Um dos problemas gerados pelo AO90, graças à confusão que propicia, está no facto de que há muitas pessoas a não escrever consoantes articuladas.
Este tipo só fiz disparates.
Não aprendeu que fato no Brasil é terno?
E que facto no Brasil é fato?
Santa ignorância.
Se estivesse informado sobre o que disse Santana sobre «AGORA FACTO É IGUAL A FATO (DE ROUPA» não tinha dito o disparate que disse: https://aventar.eu/wp-content/uploads/2013/06/santana-lopes3.png
João Roque Dias
Partilho da sua opinião, e concordo com a totalidade do seu texto !
Desde sempre sou contra o famigerado “a côr do hôrto gráfico”, de Malaca Casteleiro, que não passou de “uma chico-espertice”, um negócio tão proveitoso (para ele) quanto oportunista, indigente e desnecessário !
Um monstro, como muito bem diz, o caos ortográfico que me faz laborar, por vezes, em grande confusão quando escrevo ou, por exemplo, mero exemplo entre muitos, quando, frente à televisão me “chamam” espetador, coisa que eu nunca fui nem espero vir a ser !
Enfim, a Língua Portuguesa transformada numa ridícula república de cágados (que, “felizmente”, manteve o acento !)
Agora, passados tantos anos de inércia, e tantos milhões gastos, parece-me quase impossível reverter o monstro !
E também é com isso que contam, os seus acrisolados defensores…
Reverter e corrigir um erro , tal como ja está mais que demonstrado este AO90 ser, é sempre a melhor solução… Nunca se preocuparam quando gastaram milhões para cometer esta aberração fonética sem consultar se os portugueses concordavam ou não… Voltar-se a escrever Correctamente (lê-se corrétamente), ao contrário de por exemplo esta aberração “corretamente” (que qualquer português lê corr,tamente) é sempre a melhor opção…
No fim da assinatura está o seguinte, desde que o aborto nasceu:
Não repasse os endereços dos seus contactos. Use a opção Bcc.. Se não quer receber mais emails, avise p.f., ou deixe de Retribuir.
Quando escrevo, os meus emails são redigidos em profundo desacordo e intencional desrespeito pelo novo Acordo Ortográfico.
Correcção
Desde que o aborto nasceu e já lá vão infelizmente muitos anos, no fim da assinatura dos meus emails, está o seguinte:
Não repasse os endereços dos seus contactos. Use a opção Bcc.. Se não quer receber mais emails, avise p.f., ou deixe de Retribuir.
Quando escrevo, os meus emails são redigidos em profundo desacordo e intencional desrespeito pelo novo Acordo Ortográfico.
A mim incomoda-me sobretudo retirarem-se os Cs e os Ps que informam que a sílaba anterior é aberta. Muito embora estas consoantes não se pronunciem estavam lá por essa boa razão, se é que entendo bem… Parece-me uma ortografia cheia de caprichos e sem coerência.