Intoxicação: contra os professores

No Correio da Manhã de hoje, a manchete era aquilo que se vê mais acima. O valor do salário mensal indicado a vermelho é o ilíquido, ou seja, há uma parte daquele valor que não serve para ir às compras ou para pagar uma renda, entre outras actividades lícitas e necessárias. Não sou muito dado a teorias da conspiração, mas qual é o leitor incauto que não pensará que aquele é o valor líquido que 22 mil professores milionários irão receber já a partir de Dezembro de 2021.

O Expresso, citando o Correio da Manhã, anuncia que esse valor será alcançado graças à “contagem de 70% do tempo de serviço”. Os professores perderam quase cerca de 9 anos de tempo de serviço e recuperarão pouco mais do que dois anos. É só fazer as contas e, sobretudo, ler o Decreto-Lei.

O valor noticioso de algo que pode vir a acontecer daqui a dois anos é extraordinário e serve apenas para confirmar que os media estão ao serviço da manipulação da opinião pública. Retiro do facebook do Maurício Brito a análise que se segue. Lapidar. A hiperligação inserida no texto é da minha responsabilidade.

Da despudorada manipulação

É evidente que nesta altura do campeonato, em que tudo vale para descredibilizar quem tentar desmontar os falaciosos números que o PS apresentou sobre a contabilização do tempo congelado, a máquina comunicacional do governo irá trabalhar a todo o vapor para conseguir entalar quem se atrever a tentar dizer a verdade. Porque há necessidade de preparar o terreno para que o Ronaldo das Finanças (coitado do Cristiano Ronaldo…) possa explicar como chegou aos famosos 635 milhões, o que não será tarefa fácil. E porque é necessário equilibrar, desde já, as perdas que uma eventual má-prestação do artista possa provocar.

Pouco interessa, por exemplo, dizer quantos professores – nenhum! – recebiam o salário máximo em 2018, em 2017, em 2016, em 2015 e muito para trás, até ao momento em que foi feita a vergonhosa reestruturação da carreira docente, camuflada com uma pretensa rigorosa avaliação dos “malandrecos” dos professores que, diziam os papagaios do regime, não queriam avaliação nenhuma.

Isto tudo cheira mal, muito mal. Porque faz lembrar os piores tempos que a classe docente e o nosso povo viveu nos últimos 20 anos: os tempos socretinos, em que a comunicação social prestou-se a um papel que a história ainda haverá, um dia, de registar adequadamente. Até porque fomos nós, professores, os primeiros a alertar uma população encantada com o novo “animal feroz” para os perigos e devaneios de um “menino de ouro”, com quase toda a comunicação social refém de um mentiroso sem escrúpulos.

Que os verdadeiros críticos das ditas “Fake News” façam as suas contas. Que o jornalismo sério e independente analise, estude e faça o seu trabalho. E que a história de um período negro da nossa democracia não se repita.

Comments

  1. Acho que sempre que se fala em salário – “quanto é que tu ganhas?” – fala-se sempre em valores brutos. E toda a gente sabe, pelo menos quem recebe salário, que quem mais ganha,quem mais horas-extra faz, quem sobe de escalão no IRS, mais desconta. E eu não tenho pena nenhuma de quem desconta 50% mas ganha cinco mil euros, porque ainda assim fica com mais de quatro salários mínimos limpos! E nenhuma pessoa, por mais responsabilidades que tenha, vale por outras quatro pessoas, façam elas o que fizerem.

    E os salários deveriam ter diferenças mínimas.
    “Ah, mas eu sou juiz, tive que aprender a aplicar a lei da idade média e a favorecer a maçonaria e os ricos. Tenho muita responsabilidade, tenho até que ganhar mais que o primeiro-ministro”.
    “Ou eu que sou enfermeiro ou médico, tenho que ganhar muito mais que os outros porque estudei muitos anos e sou doutor”.

    Pois é, uns acham que precisam de ganhar muito mais que os outros, mas depois vêm uns tipos que até podem só ter a quarta classe, e que conduzem uns camiões, e se esses tipos se recusam a trabalhar, os juízes, médicos, enfermeiros, professores, deputados (que parece que também ganham muito mal) e toda essa gente fica em casa e não pode ir trabalhar porque não há combustíveis nas bombas.

    Então por essa lógica de pagar muito a uns e mal a outros pela “importância”, então digam-me lá qual é mais importante: um juiz, um médico, um deputado, um professor, ou um motorista de matérias perigosas?

    Quem sabe o que é uma linha de produção, sabe que tão importante é o tipo que aperta parafusos, como o que no fim faz o controlo de qualidade. E numa linha de produção, dependem todos uns dos outros. A linha de produção (e a empresa) vale por aquilo que o trabalhador mais lento fizer!

    E uma sociedade é como uma linha de produção. Todos dependem uns dos outros. Os ricos são ricos, mas se os pobres deixarem de trabalhar para eles, todo o dinheiro que eles possam ter no banco não vale nada! Zero! Ou então bem que podem limpar o cu às notas porque nem papel higiénico vão ter.

    E num país justo, nunca que poderia haver pessoas a ganhar quatro, cinco, dez, vinte salários mínimos. Ainda por cima para o Estado, que somos todos nós, a tal linha de produção, onde quem paga esses salários são todos os outros, incluindo os que ganham salários mínimos no privado, e ainda têm que trabalhar bem mais que um mês por ano. Sim, porque só a diferença de trabalhar mais 1H todos os dias, representa no fim do ano, mais de um mês de trabalho. E nunca que num país, uns deveriam trabalhar 35H e outros 40H (sem falar na diferença dos dias de férias).

    Não falem em intoxicação porque quem ganha baixos salários não é parvo de todo.

    • António Fernando Nabais says:

      Sempre que falo em salário, falo do líquido. Pelos vistos, sou uma excepção ou mesmo uma raridade.
      Prometo que vou reler com atenção o meu texto. Deve haver uma parte em que defendo que as diferenças salariais não deveriam ser mínimas. Sou muito distraído.
      Falo em intoxicação, sim, apesar do meu salário milionário. Nós, os ricos, somos assim.

      • Ricardo Ferreira Pinto says:

        1400 euros por mês. Também sou rico.

        • António Fernando Nabais says:

          1400 ilíquidos, certo?

          • Ricardo Pinto says:

            Tal como tu, também falo sempre do líquido quando falo de salário.

          • António Fernando Nabais says:

            És um tipo estranho. Nâo sabes falar do ilíquido como toda a gente?

    • Julio Rolo Santos says:

      É preciso dizer mais do que isto para convencer os professores de que a sua luta não passa de uma luta de classes e não do seu esforço ou dedicação ou de desgaste rápido como agora pretendem todas as profissões? Continuem a disperssarrem-se na luta e a ignorarem o trabalho de lecionarem, como é vosso dever, e depois queixem-se que o desemprego está ali ao virar da esquina.

      • António Fernando Nabais says:

        Júlio, que saudades do seu brilhantismo a iluminar esta sua caixa de comentários! Em resumo, os professores deveriam ganhar menos do que ganham, partindo do princípio de que merecem sequer receber ordenados. Além disso, está provado, num estudo levado a cabo pelo Júlio, que os professores andam a lutar tanto que já deixaram de trabalhar (os meus alunos vêm à minha procura para lhes dar aula e eu respondo sempre “Agora não posso, que estou aqui disperso a lutar!”) Vou ter o cuidado de passar a usar óculos escuros quando ler os seus comentários, porque não devemos olhar de frente para uma luz demasiado forte.

        • Julio Rolo Santos says:

          Porquê, acha que devem ser pagos pelo tempo que gastam em casa a preparar as aulas para o dia seguinte?

          • António Fernando Nabais says:

            Porquê? Acha que não são? E se são, não deveriam ser? Sabe qual é o horário de trabalho oficial de um professor? Explique-me tudo, Júlio, que eu só dou aulas há 30 anos.

  2. Ana A. says:

    Mas que grande confusão com os salários!

    Já agora, o valor do SMN de 600€ é líquido ou ou ilíquido?

    • Rui Naldinho says:

      Ilíquido, Ana. Porque nesse valor deve retirar-se a contribuição do trabalhador para a Segurança Social. Presumo que aquilo ficará pelos 535,00€.

      Eu não me queria meter nesta discussão, mas Ana, sou incapaz de passar ao lado da pequena intriga, alguma inveja à mistura, e fingir que não li.
      Como é lógico estou a falar das redes sociais e desse pasquim, o CM, que é tão poluído como as celuloses que o sustentam.
      Os professores conseguiram com alguma capacidade reivindicativa, é verdade, minimizar as diferenças salariais que no passado tinham em relação a outras carreiras da administração pública, com formação académica superior. Os professores mais antigos passaram quase todos pelas universidades públicas ou pela UC. Não me parecem ter sido fabricados nestas escolas mais recentes, onde o plágio parece fazer doutrina.
      Podemos criticar isso? Acho que não.
      Quando muito, podemos criticar o modelo de ensino, ou o de funcionamento de algumas escolas, mas isso não é culpa deles, é da tutela. Podemos até, particularizando, criticar o comportamento pouco profissional de alguns professores. Mas, diga-me qual a profissão onde não há meia dúzia de ovelhas ranhosas?
      Só que alguns incautos parecem acreditar, que o dinheiro gasto na reposição do tempo de serviço dos professores, a não ser efectivado, deve ir para os seus bolsos.

      • Ana A. says:

        Caro Rui,

        a minha pergunta era retórica, já que penso que a maioria das pessoas se refere ao valor ilíquido quando fala do salário que aufere!

        Não sei se do meu comentário ficou a impressão de que eu também alinho na guerrilha que está instalada contra os professores. Nada disso! Muito pelo contrário, é uma classe que eu sempre respeitei e acarinhei, apesar das “ovelhas ranhosas”, como diz, que existem, tal como em todas as profissões.

        Sem estar por dentro de toda a problemática, acho que esta classe é muito injustiçada pelo facto de a maioria andar com “a casa às costas” ano após ano; fazerem demasiado trabalho administrativo; serem eternamente precários; aturar a má criação dos alunos e para cúmulo verem-se espoliados de anos de serviço, com todas as consequências nefastas que daí advêm, tanto para a progressão na carreira como em termos de futura reforma!

        • Rui Naldinho says:

          Cara Ana

          Apenas o primeiro parágrafo se destinava directamente à questão por si levantada.
          O restante texto, veio apenas por desabafo, numa questão que tem sido o pasto que vai alimentando o populismo.
          A ideia de por novos contra velhos, públicos contra privados, professores contra outras profissões, não me parece que leve a nada de útil.

    • Ó Ana, então não se está a ver que o valor do salário mínimo é líquido? Não ficou a saber aqui no Aventar que quando se fala de salários é sempre do líquido? Eu também não sabia, fiquei a saber agora!

      Na verdade o salário mínimo em Portugal devem ser uns 800€ brutos. O que até nem é muito mau. Aqui ao lado em Espanha são 900€. Só se do outro lado da fronteira forem parvos e falarem de vencimento base e não líquido. Mas onde é que isso já se viu?! Uma pessoa está sempre a aprender!

  3. António Fernando Nabais says:

    Ora bem, nesta sondagem, temos três pessoas a favor do ilíquido e duas a favor do líquido. Talvez seja relevante, talvez não, mas, por mim, só consigo perceber a vida das pessoas a partir do que lhes cai na conta. Aproveito para dizer que estou no penúltimo escalão da carreira e ganho 1800 euros limpos. Juro que não sei qual é o ilíquido, mas prometo que hei-de espreitar o meu recibo. Mais: vou imprimi-lo e passarei a apresentá-lo quando tiver um mês mais difícil dizendo no supermercado: “Olhe, não tenho nada na conta bancária. Posso pagar estas compras com os descontos que não recebi? Vá lá, não seja assim!”

    • Ana A. says:

      “Felizes” daqueles que como eu não têm qualquer desconto a assinalar, para o bem e para o mal! Sem qualquer desconto porque “rendimento baixo = de pensão de reforma antecipada com cortes”!

      Eu sei que o dinheiro dos impostos não nos serve directamente, mas veja bem, serve a comunidade (se bem aplicado pelos governantes) e serve-nos no futuro, pois é o valor ilíquido dos nossos salários que contam como “bolo” para a pensão de reforma!

      • António Fernando Nabais says:

        Ana, não me estou a queixar dos descontos que faço nem defendo a extinção dos impostos. Estou simplesmente a dizer que uma pessoa não “ganha” o ilíquido, tendo em conta a gestão do dia-a-dia.

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