É evidente que o discurso do 10 de Junho poderia ter sido outro, que não aquele que foi. Poderia ter subido ao palanque um “homem de esquerda”, daqueles extremamente anti-fascistas e solidários, com o coração cheio de amor ao próximo e a justiça social transpirando de cada palavra. Como o deputado João Paulo Correia, por exemplo. Um tribuno “socialista” à moda antiga, que consegue ser vice-presidente da sua bancada parlamentar, deputado municipal em Gaia, presidente de uma junta de freguesia que fica a trezentos quilómetros de Lisboa, presidente de um clube de futebol (até Julho do ano passado) e ainda ter tempo para umas comissões de inquérito à Caixa Geral de Depósitos. Imagino assim o solene e patriótico panegírico do senhor deputado:
“O meu nome é João Paulo Correia e, como é evidente, sou um homem de esquerda. Entre muitas outras coisas, sou presidente da Junta de Freguesia de Mafamude e Vilar do Paraíso, em Gaia. Como precisava de alguém que tratasse das questões administrativas lá na secretaria da Junta, tratar da papelada e isso, decidi contratar a Maria. Ofereci-lhe um contrato de trabalho como não há outro no mundo. À socialista.
A Maria vai trabalhar em regime de prestação de serviços, “sem subordinação hierárquica”. Estou a falar a sério. Vai trabalhar nas instalações da Junta, durante o horário de funcionamento da Junta, ou quando eu lhe disser que tem que trabalhar. Para tal, vou-lhe pagar 600,00€ brutos por mês, durante 12 meses, quantia da qual ela própria retirará o necessário para pagar os seus impostos e as contribuições para a Segurança Social. Não lhe pago subsídio de refeição, nem subsídio de férias, nem subsídio de Natal. No caso de me apetecer, rescindo o contrato. A qualquer momento, sem necessidade de qualquer motivo, sem explicações, sem compensação. Todos os meses a Maria passará, obviamente, o correspondente recibo verde.
Viva a Democracia! Viva a Liberdade! Viva Portugal! Bom dia!”
Para quando uma lei que limite (ou proíba mesmo) as acumulações de cargos?
Em face do que acabei de ler, estamos diante de um “socialista dos quatro costados”. Ou seja, uma espécie de paralelepípedo humano. Seja qual for a face do “polígono”, há sempre uma luz que o ilumina, um calor que o aquece do frio. Seja ele um tacho, uma avença, umas ajudas de custo, ou mesmo umas despesas de representação. Enfim, “quelque chose” que nos aumente o pecúlio!
Viva a Democracia! Viva a Liberdade! Viva Portugal! Bom dia, Bruno!”
E desde quando é que os caciques do PS passaram a ser de esquerda?
e desde quando há esquerda em portugal