“Com a espada sobre a cabeça”

Um repetido argumento da ANTRAM tem sido que não negocia com a espada sobre a cabeça, querendo dizer que exige que a greve seja cancelada antes de ir para negociações.

Mas repare-se na espada que a ANTRAM coloca sobre a cabeça dos grevistas.

Havendo acordo [entre a FECTRANS e a ANTRAM], este só se aplica a quem o negociou – vincou na noite de quarta-feira o representante da Antram. Dito de outra forma, os motoristas que estão nos sindicatos que optaram pela greve não terão direito às medidas entretanto acordadas com a Fectrans. [Expresso]

Ainda sobre este mesmo acordo, repare-se nesta parte da mesma notícia no Expresso:

A Fectrans confirmou que entre as matérias ontem acordadas inclui-se a polémica “cláusula 61”, aquela que no contrato coletivo permitiu às empresas deixarem de pagar remuneração pelo trabalho suplementar, recebendo duas horas de trabalho extra por dia (mesmo que trabalhassem mais do que isso). O problema é que nem todos os sindicatos assinaram este contrato coletivo, nem várias empresas o aplicam nesta cláusula. Porém, esta quarta-feira, nem Fectrans nem Antram explicaram em que sentido avançaram neste campo. [Expresso]

É uma cláusula fantástica e coloca dúvidas sobre a capacidade negocial da FECTRANS, especialmente se se atender a que, de acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS em 2018, o “conceito de dia” de trabalho é um “período de 24 horas, a contar do início da jornada de trabalho”.

Por fim, como pode o ministro Pedro Nuno Santos ter ontem declarado que “o tempo da greve terminou” se o sindicato que a convocou não foi convidado para as negociações e se a própria ANTRAM recusa as negociações propostas para hoje?

E óbvio que o governo tomou o partido do patronato e quer livrar-se deste problema quanto antes para não contaminar as eleições. Isso ficou claro quando a greve foi boicotada com serviços mínimos entre 50% e 100% e quando a requisição civil inclui o fornecimento de camionistas graças ao uso das Forças Armadas.

Com o governo a patrocinar um acordo com um sindicato que que não aderiu à greve e a fornecer motoristas, a pressão para a ANTRAM negociar é baixa, se existente, até.

Dá-se o caso de a larga maioria dos camionistas terem aderido à greve e, portanto, este acordo de nada lhes servir. Não têm, portanto, motivação para cancelar a greve.

Este acordo serve alguns interesses, no entanto. Serve, desde logo, a FECTRANS, para mostrar aos camionistas que seria melhor estarem neste sindicato, em vez de estarem no outro. Até porque a FECTRANS perdeu 200 associados, num universo de cerca de 900, na greve de Maio último. E serve o governo e o patronato como arma mediática para quebrar a greve. Os trabalhadores que se lixem.

Comments

  1. estevesayres says:

    Uma traição por parte destes sindicatos , como todos sabemos estão ligados ao PCP, e os seus representantes são militante do mesmo, e como diz o artigo:”(…)É uma cláusula fantástica e coloca dúvidas sobre a capacidade negocial da FECTRANS, especialmente se se atender a que, de acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS em 2018, o “conceito de dia” de trabalho é um “período de 24 horas, a contar do início da jornada de trabalho”! Depois queixem-se que cada dia que passa, existem casa vez mais sindicatos independentes.

  2. Rui Naldinho says:

    Em todo este processo, não há partido nenhum dos representados na AR, que se tenha portado bem.
    Mas há um deles, que depois de vários dias seguidos calado, resolveu dar uma de “mulher séria, cheia de pecados”.

    PSD sobre a greve dos motoristas:
    “Governo seguiu a estratégia da “irresponsabilidade” e “falta de isenção”

    De facto, ouvir isto de alguém do PSD, é como ouvirmos uma prostituta dizer que fornicar é pecado.

  3. Luis says:

    Poderá esta greve ser a pequena nuvem no horizonte que irá aumentando com outras pequenas nuvens até se tornar no ciclone que vai varrer este regime pseudo democrático, alimentando à custa da corrupção uma sociedade neo medieval em que alguns suseranos, reunidos nas cortes da maçonaria, saqueiam os impostos do povo à custa das mais variadas trafulhices com plena imunidade dada por um sistema judicial onde pontuam as Galantes e os Rangeis pagos como príncipes.

    Às vezes as grandes mudanças numa sociedade acontecem quando as pessoas acordam com canções que as deviam embalar.

    • Paulo Marques says:

      O momento Gramsciano europeu já está identificado há muito tempo, resta saber se a seguir vem a tragédia.

  4. Jose says:

    A antram só negociou com os outros dois sindicatos porque tinha a greve do sindicato de matérias perigosas em cima da cabeça. Senão desconfio que tudo estaria na mesma.

Trackbacks

  1. […] bem, se o acordo da FECTRANS inclui a tal cláusula 61”, com a qual o patronato paga apenas 2 horas de trabalho extra por dia (mesmo que trabalhem mais do […]

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