As eleições na Madeira e um PSD que já não existe

A Madeira era o último grande bastião de um PSD que já não existe. Talvez volte a existir, mas, de momento, não existe. Está obsoleto, sem rasgo, não transmite a emoção de outros tempos, fragmentado por uma guerra interna de facções que nada têm que ver com a social-democracia, e revela-se incapaz de enfrentar a grande máquina socialista, que ocupa hoje uma posição hegemónica que já foi sua. Que era do PSD, até ontem, no arquipélago da Madeira.

O PSD Madeira ganhou as eleições, é certo, mas perdeu, pela primeira vez, a maioria absoluta. Pela primeira vez, em 43 anos, o PSD terá que entender-se com outro partido, que, tudo indica, será o CDS-PP. Não chega sequer aos 40%. É o pior resultado de sempre no arquipélago que, durante décadas, foi um importante e poderoso baluarte laranja.

Não quero com isto dizer que o PSD Madeira se vai pasokizar. Os social-democratas estão bem enraizados na região autónoma, continuam a deter um grande poder, ocupam todas as posições-chave no sector público, e o CDS-PP, diz-nos o histórico, não será um parceiro problemático. A não ser que o líder do CDS-PP Madeira decida que quer ser vice-presidente do Governo Regional da Madeira e se demita de forma irrevogável, deixando o aristocrata Albuquerque com as calças na mão.

Mas é inegável que o desfecho da noite de ontem é um sinal dos tempos. Um sinal dos tempos que parece indicar o fim do domínio absoluto do PSD sobre a região autónoma, algo que, em certa medida, acaba por ser um reflexo daquilo que está a acontecer no PSD pós-Passos Coelho. Um partido desorientado, sem a chama eleitoral de outros tempos, com correntes internas não-oficiais que, ora empurram o partido para um conservadorismo ultrapassado, ora o encostam a uma espécie de liberalismo predador, enquanto a social-democracia é cada vez mais uma lenda, à deriva no imaginário de alguns militantes mais utópicos, e sem qualquer tipo de aplicação prática.

Com a recente fragmentação partidária da direita, que fez emergir um partido assumidamente conservador e um partido assumidamente liberal, para não falar numa outra experiência, fundada num populismo que também existe no seio do PSD (ou não tivesse sido ali, no PSD, e pela mão de Passos Coelho, que André Ventura desabrochou), pese embora este último esteja mais na esfera da extrema-direita, o PSD caminha para perder o estatuto que ainda partilha com o PS. O estatuto que já perdeu nos grandes centros urbanos e que poderá agora perder no Parlamento. O estatuto de um PSD que, sendo ainda um grande partido, apoiado essencialmente por uma teia de caciquismo autárquico a norte, já não existe.

Comments

  1. Uma excelente análise! gostei.
    Um PSD que ganhando perdeu, obrigado a coligar-se com um CDS que perdendo ganhou o estatuto de partido charneira,
    Um PS que perdendo ganhou.
    Pode parecer um trocadilho, mas é a realidade dos factos

  2. José Peralta says:

    O PSD, ao fim de 43 anos, perde a maioria absoluta !

    O Rei-Momo, regressado à cena para dar “uma ajudinha” ao Miguel Albuquerque, revela agora, na TV, com ar muito condoído, que este resultado eleitoral, “se deve aos primeiros anos do “Miguelito” nos quais, segundo A. João, se entreteve a atacar a “obra” dele ! E subliminarmente, deixa perceber que, nem as “pazes” nem a “ajudinha”, serviram para grande coisa !

    Um ingrato, o “Miguelito” !

    E revela que AGORA, o PSD “tem que ser posto no estaleiro, para fazer consertos ao barco…”

    No “Contenente”, passa-se o mesmo ! Com uma variante : Rui Rio, o timoneiro salvador, tem que, primeiro, numa tarefa titânica, “limpar o convés”, deitar pela borda fora as ratazanas causadoras do escorbuto, e, só depois, pôr o barco em doca seca, fazer um aturado restauro, com recurso a experientes “calafetadores” a quem não pode faltar uma grande quantidade de “estôpa”…tal a profusão e tamanho dos “buracos” !

    Tudo isto, se ainda fôr a tempo, e se as ratazanas não tiverem já destruído o leme, os mastros e as velas, transformando “o barco” numa canôa à deriva…e a aproximar-se, velozmente, do naufrágio…

  3. Adorei!.. com o seu bom humor que afinal já lhe conheço de outras bandas, a sério que adorei o seu comentário

  4. Fernando says:

    A força do PSD de Cavaco foi da responsabilidade dos milhões da CEE.
    Governar naquela altura era relativamente fácil. Assim se criou o mito (e apenas mito) da eficácia e competência do Sr. Dr. economista que nunca se engana e raramente tem dúvidas Silva.

    O PSD do criminoso de guerra da tanga Barroso beneficiou do pântano socialista, que na realidade não foi da responsabilidade do socialismo mas do fim da festa europeísta, quem estava no poder sofreu as consequências.

    O PSD de Passos Coelho usou e abusou do caso Sócrates (com a cumplicidade da comunicação social), mentiu descaradamente no que diz respeito às suas verdadeiras intenções governativas e, claro, aproveitou-se da crise global para malhar forte e feio em todos menos nos donos disto tudo.

    Passos Coelho feriu de morte o PSD, mas Passos Coelho não acabou com a social democracia do PSD porque ela já não existia antes de Passos Coelho ter chegado à sua direcção, tal como a social democracia não existe agora com Rui Rio, existe sim uma visão assistencialista dos serviços públicos em vez de uma visão onde todos têm o direito a serviços essenciais eficazes e de qualidade.

    Ainda mais decadência do PSD parece-me inevitável, não é um partido social democrata, apenas finge que é social democrata (e não tem qualquer intenção em se tornar social democrata), parece que já não engana muitos.

    Outro partido que diz ser uma coisa que não é é o PS.
    O PS é um partido que agrada os donos disto tudo, vamos ver até quando o PS canta de galo…

  5. Julio Rolo Santos says:

    O PSD da Madeira ainda existe, agora sem maioria absoluta. E ainda bem. No continente espera-se o mesmo, sem maiorias absolutas.

  6. JgMenos says:

    O grande analista não vê no resultado do BE e da CDU um sinal dos tempos?
    Só vê o tempo que lhe convém…

  7. Extraordinária análise. E tudo por o PSD ter passado de 56.569 para 56.448 votos (ou seja, perdeu 121 eleitores). O CDS perdeu 60% dos eleitores, o PCP perdeu 75% dos eleitores, o Juntos pelo Povo e o BE perderam metade dos eleitores (e, no caso do último, a representação parlamentar), mas o que conta nesta história é o PSD. No fundo é como ter ido ontem a Alvalade e não ter reparado no que jogou o Famalicão (ou seja, o habitual).

  8. Luís Lavoura says:

    O João Mendes fala neste post de um PSD que já não existe, mas poderia também falar de um BE que já não existe. O BE tinha dois deputados na Madeira e perdeu-os.

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