Greta e a sensatez

Há uma maneira muito portuguesa de desqualificar pessoas que fazem exigências perfeitamente racionais e justas e que, por via disso, se envolvem em situações que podem gerar algum bulício. Não esquecerei nunca de como, ainda adolescente, meia volta tinha o problema de só ter uma nota de 20 escudos na pasta, para pagar o autocarro;  “não tenho troco” ouvia repetidamente do condutor, que, sem quaisquer pruridos, achava que o problema era meu e que, ou eu ficava em terra, ou tinha a possibilidade de perguntar, uma a uma, a todas as pessoas que se encontravam no autocarro, se me trocavam a nota. Se eu contestava que não entendia porque a Carris não garantia aos utentes a possibilidade de pagarem com 20 escudos  e que esse era o verdadeiro problema, era certo e sabido que os passageiros – a quem teria de ir pedinchar que me trocassem a nota – achavam que o problema era de todo meu, e que para estar a discutir com o condutor eu devia ter acordado mal disposta nesse dia. Tipo: “mas que bicho lhe mordeu, não sabe comportar-se?” Isto foi há muito tempo e as coisas entretanto melhoraram um bocadinho.

Vem isto à baila na minha memória quando leio os sábios e folgazões comentadores de Greta Thunberg  a censurarem do alto da sua cátedra de influencers de jornal a “linguagem afrontosa” de Greta, o seu extremismo, a retórica totalitária, “aquelas suas palavras (que) poderiam estar impressas, sem tirar nem pôr, no manual de um qualquer grupúsculo de extrema-esquerda dos anos 70 que procurava impor as suas ideias à bomba. “ É doente, a pobre”, é o que lhes ocorre. “Nasceu mal disposta, esta”. E quem lhe dá ouvidos é estúpido, coisa que os comentadores não são: eles são adultos equilibrados e sensatos e usam argumentos do mais falacioso e cínico que for preciso, para darem na bola a tacada para o lado que lhes interessa. Uma menina a fazer greve à escola sentada no chão, em Portugal, era bem capaz de ainda apanhar uns açoites por cima.

Não é preciso ser histérico nem acordar mal disposto para entender que Greta Thunberg anda a fazer o que pode para acordar as pessoas para o que está a acontecer ao planeta e fazer frente a esta cambada equilibrada e sensata, para quem “o vil metal está em todo o lado” e é sempre o verdadeiro motivo de tudo, o resto é a fingir e picadela de bicho.

Mas a demagogia tornou-se tão fácil, que basta armar-se em engraçadinho para ter efeito. O egoísmo no seu melhor.

Comments

  1. Margarida Vieira says:

    toda a razao

  2. Isaac says:

    Muito bem. Concordo em absoluto.
    Mas estou muito curioso em ver o que será a miúda Greta quando chegar à idade adulta…

    • Rui Naldinho says:

      É óbvio, Greta corre o risco de em adulta se tornar num José Manuel Fernandes ou no José Manuel Durão Barroso, entre os muitos que por aí polulam, quiçá numa Zita Seabra convertida a Fátima e às sua “verdades divinas”. Reconheço esse risco, não fosse eu também um animal humano.
      O planeta Terra esta cheio de “enormidades intelectuais” que envergonham qualquer mortal no seu íntimo mais íntimo, dado o contorcionismo a que no habituaram,… a maioria das pessoas jamais lhes confiaria a educação de um filho, “que nestas merdas de Educação os professores ainda são uma estirpe confiável”, porque o vil metal e os mercados, ao longo das décadas, sempre conseguiram comprar alguns convertidos aos valores do mercado. Durão Barroso é um belíssimo exemplo.
      Mas, por amor de Deus, se ele existe, deixem estes jovens sonharem por um mundo melhor que o dos seus pais, muitos deles fruto de uma geração que lhes deu tudo, menos a esperança.
      Greta encarna para muitos de nós, aquilo que amiúde ouvimos na nossa sala do jantar, os nossos filhos e netos defender. Enquanto sinto uma enorme ternura por Greta, sinto um enorme nojo por um escroque como o JMF.

      • José Peralta says:

        Rui Naldinho

        Concordo consigo ! E sinto o mesmo nojo pelos escroques que cita ! O josé manuel fernandes, o durão barroso, e outros mais…

        • Ana Moreno says:

          “Enquanto sinto uma enorme ternura por Greta, sinto um enorme nojo por um escroque como o JMF”. Escroque é de facto o adjectivo mais adequado, caro Rui Naldinho.
          E ver os miúdos na rua – estar com eles – é mesmo uma grande alegria.

  3. Carlos Almeida says:

    Boa tarde

    Muito bem. Algumas pessoas têm tendência para avaliar situações, comunidades e outras pessoas com base no que têm por adquirido no seu dia a dia.
    Uma jovem com 16 anos na Suécia atingem uma maturidade muito anterior a por exemplo os jovens portugueses.
    Vivi na Suécia nos anos 70 e ficava admirado com o desenvolvimento emocional, e cultural das crianças e adolescentes suecos a que não estava habituado a ver em Portugal.
    Isso reflete-se nas conversa mas também no comportamento cívico de criança e adolescentes. em ambiente de adultos. As correrias no meio das mesas dos cafés e restaurantes e outras coisas piores que se vêm as crianças e adolescentes fazerem em Portugal, nunca as vi fazer na Suécia
    Para isso conta muito o civismo que se aprende na escola, nas creches e nas amas, mas o mais importante é a liberdade com responsabilidade com que as crianças e adolescentes são educados pelos pais.
    Voltando ao tema, na Suécia achava-se que se uma garota com 14 anos pode conceber filhos, é considerada adulta e pode levar para casa o seu namorado e os pais não a podem proibir.
    Isto para dar uma imagem do que é uma menina sueca com 16 anos que tem a coragem de envergonhar a geração dos pais e dos avós.
    Isto que escrevi e que se calhar escandaliza muitos leitores do Aventar em Setembro de 2019, acontecia na Suécia há quase 50 anos. É outro campeonato.

    Muitos parabéns para a Greta e para a Ana Moreno

    • Ana Moreno says:

      Obrigada, Carlos Almeida. Também me parece que aprender a prática da cidadania na escola é bem premente.

      • Carlos Almeida says:

        Ana Moreno

        Já agora, não é apenas cidadania que se aprende ou aprendia nas escolas básicas suecas.
        Todos os miúdos da escola básica, quer fossem rapazes ou raparigas, aprendiam na escola a cozinhar, aprendiam a remendar a roupa e colocar botões. Para além disso tinham aulas praticas de condução e código da estrada. Uns a conduzir carros de brincar e outros a fazer de sinaleiros (ha 50 anos) em pistas simuladas dentro da escola.
        Mas aprendiam com as mãos na massa, não era apenas teoria.

        Como disse antes, é outro mundo

        Não é pois de admirar que neste universo cultural, apareçam pessoas muito jovens a pensar pela própria cabeça.
        Também não é de admirar que o anormal do Trump e muitos seguidores envergonhados, não a entendam.

        • Ana Moreno says:

          Também acho, Carlos Almeida.
          E ao aprenderem essas coisas com as mãos na massa, também aprendem a encarar com igualdade e naturalidade essas tarefas e assim se tornam mais igualitários. Não me esqueço de um Natal com a parte dinamarquesa da família. Depois da prolongada e animada ceia, amiudadas vezes interrompida por discursos dos presentes, a conversa continuou, mas foi-se circulando uma bola; quem a recebia, ía para a cozinha lavar a louça durante uns 5 minutos; entretanto a bola circulava até que vinha o próximo; até todos terem “posto a mão na massa” e a louça estar toda lavada. Boas práticas e tão simples 🙂

  4. O certo é que milhares e milhares de jovens e crianças se mobilizam cada vez mais em todo o mundo e estão incomodando a zona de conforto e a hipocrisia e inconsciência e irresponsabilidade de tantos adultos e políticos .
    É uma pedrada no charco com muitas ondas e um grito de alerta que oxalá mobilize mais e mais adultos e jovens e faça
    ” acordar as pessoas para o que está a acontecer ao planeta e fazer frente a esta cambada “equilibrada e sensata”, para quem o vil metal está em todo o lado e é sempre o verdadeiro motivo de tudo” como diz, Ana !

    Abraço solidário.

    • Ana Moreno says:

      É mesmo uma bela pedrada no charco, Isabela. Por isso é que está a incomodar tanta gente…
      Abraço forte.

  5. Julio Rolo Santos says:

    Quando as crianças querem assumir o papel que cabe aos adultos, os adultos tomam atitudes de criança. Greta thumberg assumiu o papel de adulta ao denunciar os adultos que lhes destroem o sonho e o direito a viverem num clima despoluído e recebeu dos adultos não só a indiferença mas ainda a acusação de estar a ser manipulada por interesses alheios aos que defende. São os adultos a comportarem-se como irracionais como irracionais são os países e os governos que se submetem ao nobre e vil metal para poderem continuar a poluir. As nossas crianças e adolescentes estão muito longe de compreenderem o mundo imundo que os espera.

  6. Greta de facto chama a atenção para um problema grave, como já anteriormente o Papa tinha feito na sua encíclica Laudato Si, muito bem fundamentada cientificamente e a que ninguém ligou. O problema não é a Greta, mas os que a destratam e também os que a elevam, pois retiram ao discurso a possibilidade de discordar de muito do que ela diz ao ponto de nenhum cientista tentar sequer entrar no debate. E isso é mau. Foi para alimentar o sonho que se enveredou pelo crescimento desmesurado, e não vale a pena trazer só o capitalismo ao discurso: os maiores crimes ambientais foram feitos pelos regimes comunistas, com a China à cabeça, que tem uma população em crescendo para alimentar. Os antepassados da Greta emigraram para os EUA porque se passava fome em meados do século XIX na Suécia com menos de metade da população atual. Em Portugal, os que tecem loas a Greta só terão razão quando vierem a terreiro defender o fim do aeroporto do Montijo, por exemplo. Quando não, são tão hipócritas como os que a destratam.

  7. Ana Moreno says:

    De facto, capitalismo ou comunismo padecem do mesmo mal, é um denominador comum: exploração predadora dos recursos de forma insustentável, desprezo pelo planeta.

  8. Ana Moreno. entretanto vamos lendo coisas como assim , e outras :

    https://www.resistir.info/climatologia/pseudo_ciencia_25set19.html

    Sabedora de tanto sobre o tema, que me diz ?
    Será que teremos que rever as nossas (in)certezas e informação e estudar atentamente opiniões diversas supostamente idóneas para melhor consciência e convicção daquilo que defendemos como certo ?

    • E o burro sou eu ? says:

      “Como liberal que cresceu numa casa solar, sempre fui consciente da energia e propenso a soluções activistas em questões ambientais ”

      Esta tudo explicado …..

      • E o burro sou eu ? says:

        O liberal, pertence ao mesmo clube de alguns outros que por aqui andam, se bem que alguns digam isso porque é moda e fino. Não são de esquerda, nem são de direita, não votaram em fulano nem em sicrano.
        Vieram de Marte

        Como dizia o velho Vasco Santana:
        Não me queres dar lume ?
        Compreendi-te !

        E o burro sou eu ?

  9. Ana Moreno says:

    Olá Isabela, desculpe mas sou extremamente selectiva nas fontes que considero credíveis e esta não me parece o suficiente para perder tempo a lê-la… Um grande abraço!

    • Bem haja e obrigada, Ana. Precisamos de certezas porém sinto as verdades e certezas absolutas como inatingíveis, e não me considero sabedora e informada o suficiente neste mundão de embustes. E porque gosto de ir lendo diferente, acabo por ficar baralhada no que será mais credível, sem ideias predefinidas mas sempre com vontade da informação segura cientificamente . e imparcial . Acredito em si e na sua maior bagagem e experiência e por isso a tenho acompanhado
      nestas nossas demandas por um mundo mais justo e sustentável . Sem lirismos, mas ainda com a esperança que vai permanecendo.
      Avante pois, companheira ! Abraço.

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