As refeições escolares e a autonomia

Há alguns anos, escrevi sobre o processo de desumanização das escolas que prossegue o seu curso. Entre outros aspectos, fazia referência à importância de que as refeições escolares fossem cozinhadas nos estabelecimentos de ensino.

Através de um texto do Paulo Guinote, cheguei a esta notícia: Escola transforma cantina no “melhor restaurante da região”. Todos os que tiveram a sorte de comer em cantinas escolares antes de serem entregues a empresas têm memórias da qualidade da comida, sendo que essa qualidade era indissociável da proximidade que criava uma impressão de algo caseiro.

Entretanto, a maioria PS/PSD/CDS vai fazendo o seu trabalho de entregar paulatinamente as escolas às autarquias, o que constitui uma negociata política para deixar o Ensino nas mãos dos muitos caciques que estão à frente das câmaras. O processo só ainda não está mais avançado, porque as câmaras querem mais dinheirinho.

O argumento usado para vender as escolas aos presidentes das câmaras assenta na ideia de que isso trará mais autonomia às escolas, o que é mentira. A palavra “autonomia” está, aliás, sempre na boca dos responsáveis políticos, mas a verdade é que nunca existiu. A municipalização será mais uma maneira de não dar autonomia às escolas, trazendo para o seu interior o compadrio e a politiquice.

Mesmo que o retrato das autarquias portuguesas pudesse ser mais simpático e mesmo que o Ministério da Educação funcionasse, a autonomia das escolas não deveria ser uma expressão vã. A qualidade da comida é mais um sinal.

A vida das escolas poderá melhorar a partir do momento em que isso seja uma causa importante para os cidadãos e não apenas uma preocupação dos funcionários docentes e não docentes.

Como nota final e desencantada, os textos da minha autoria para que remeto mais acima têm sete anos e a minha opinião é a mesma.

Comments

  1. Luís Lavoura says:

    Mas não é por não ser cozinhada na escola que a comida será de má qualidade! Hoje em dia há muitos restaurantes em Lisboa que já servem comida pré-cozinhada, e eu já comi algumas vezes e a comida, sem ser de forma nenhuma gourmet, é razoavelmente agradável. Com a vantagem de ser servida muito rapidamente (basta aquecê-la!) e de ser barata.
    Ainda no outro dia fui a um restaurante com alguma categoria e pedi um caril de gambas, que me saiu exatamente igual, na quantidade e na qualidade, a prato idêntico que comera alguns dias antes num restaurante rápido e barato. Só posso concluir que em ambos os casos se tratava do mesmo caril de gambas adquirido pelos restaurantes já pré-cozinhado.

    • António Fernando Nabais says:

      As refeições escolares não podem ser só “razoavelmente agradáveis” e não precisam de ser “gourmet”. Na minha opinião, e o assunto é outro, um restaurante que sirva refeições pré-cozinhadas não pode ter “alguma categoria”.

      • Luís Lavoura says:

        Na minha opinião um restaurante que sirva refeições pré-cozinhadas não pode ter “alguma categoria”.

        Nisto estou de acordo consigo, aliás, depois dessa refeição, fiquei desapontado com esse restaurante e não tenciono voltar lá.

        No resto estou em desacordo consigo e reafirmo que, lá por uma refeição ser pré-cozinhada numa fábrica qualquer e a cantina escolar se limitar a aquecê-la, não passa a refeição a ser de má qualidade ou intragável. Já comi montes de refeições pré-cozinhadas (em restaurantes baratos) e não achei que fossem horríveis. Aliás, há muita gente hoje em dia que se alimenta regularmente nas suas casas de refeições pré-cozinhadas. Em Portugal ainda não é muito comum, mas em países como a Suécia ou o Reino Unido é o pão-nosso de cada dia.

        • António Fernando Nabais says:

          Nalguma coisa havíamos de estar à frente da Suécia. Não ser horrível não pode ser critério para a qualidade da comida que se dá aos jovens em qualquer escola. Faz tanto sentido como pensar que podem ter aulas que até não sejam más. A escola deve proporcionar produtos de qualidade e não admitir sequer a mediania. Num país com uma gastronomia tão espectacular, permitir que a escola sirva refeições assim-assim é um crime de lesa-cultura, mesmo que os mínimos nutricionais estejam assegurados.

        • Mónica says:

          Pois mas não comeu em cantinas escolares.

  2. esteves ayres says:

    Isto diz tudo: “(…)constitui uma negociata política para deixar o Ensino nas mãos dos muitos caciques que estão à frente das câmaras. O processo só ainda não está mais avançado, porque as câmaras querem mais dinheirinho”! E mais, quem controla este sistema corrupto são canalhas que estão de uma ou de outra forma ligados aos partidos políticos do sistema.E fico por aqui

  3. Noémia Pinto says:

    Inteiramente de acordo, Fernando. Acrescento que, considerando que muitas crianças têm na escola a única refeição digna desse nome ao longo do dia todo, as cantinas escolares e as refeições que servem são essenciais para a comunidade escolar. Uma criança ou adolescente mal alimentado tem mais dificuldades de concentração, a capacidade de responder às regras e exigências de sala de aula diminui, tudo se torna ainda mais penoso. Crianças provenientes de lares financeiramente frágeis acabam por ter, mais uma vez, ainda mais dificuldades para singrar na vida. Todo o esforço exigido a todos os níveis é imensamente superior ao das outras crianças. As escolas, as associações de pais, as Câmaras Municipais, TODOS temos o dever de proteger estas crianças. Essa protecção começa com a sua correcta alimentação. Sempre que se discute a qualidade da comida e a oferta nas cantinas escolares, lembro-me de um longínquo 7º ano constituído por crianças carentes a todos os níveis. Tinham o almoço oferecido pela escola. Um desses meninos, devido ao pouco que tinha para comer em casa, gostava de muito poucos pratos de carne e nenhum prato de peixe. A cozinheira da escola servia-lhe sempre o prato, como servia a todos os outros, sabendo que ele nada ia comer. Esperava para ver a reacção do menino e ver se ele comia. Quando este não comia, ela ia ter com ele, perguntava o que é que ele queria comer e lá lhe preparava na hora alguma coisa. Só para ter a certeza de que aquele menino não ficava sem comer. «Ó professora, parece que quanto mais pobres, mais esquisitos são!» E é verdade. Não são esquisitos, apenas não têm habitos alimentares tão saudáveis, nem em termos de qualidade, nem em termos de variedade. O que é feito hoje em dia de crianças como este menino sem esta relação de proximidade nas cantinas escolares? Hoje, as cozinheiras não podem ir fazer alguma coisa para os meninos que se recusam a comer porque preferem passar fome (é só mais uma refeição) a comer algo que não conhecem ou não foram habituados a comer.
    As cantinas escolares são essenciais para as taxas de sucesso escolar. Não descurem o seu poder.

  4. Julio Rolo Santos says:

    Se queremos a descentralização é bom que nos fixemos na ideia de que descentralização implica transferência de competências do poder central para as autarquias e nessas, poderão estar a passagem da gestão das cantinas escolares para a alçada do poder autárquico. Já é ponto assente de que a entrega das cantinas escolares aos privados foi uma péssima solução que, pela ganância do lucro, tem sido posta em causa a qualidade e quantidade de comida fornecida aos alunos. Se, á partida também vamos pôr em causa a competência das autarquias para assumirem esse papel, então em que ficamos? Somos a favor ou contra a descentralização? Entregar a gestão às escolas? Não me parece porque, também aqui, a maioria das escolas não sabe gerir a quantidade e qualidade dos recursos humanos de que dispõe e isso é visível pelo mau funcionamento de muitas delas. O país está cheio de gestores que não sabem nada de gestão e isso vê-se e sente-se no dia a dia com a maioria dos serviços á beira da rutura com a esfarrapada desculpa do subfinanciamento.

    • António Fernando Nabais says:

      Em que é que o Júlio se baseia para afirmar que “a maioria das escolas [ou a minoria ou nenhuma ou a totalidade] não sabe gerir a quantidade e a qualidade dos recursos humanos de que dispõe e isso é visível pelo mau funcionamento de muitas [poucas, nenhumas ou todas] delas”? Eu respondo: baseia-se nos seus preconceitos e na sua ignorância. Ainda bem que isso não o impede de comentar. Siga.

  5. Julio Rolo Santos says:

    Não sei em que escola leciona, em qualquer caso atrevo-me a perguntar-lhe se o seu director o conhece ou se alguma vez entrou na sua sala de aula. E, já agora, diga-me se tem conhecimento de que o seu director acompanha no dia a dia o que se passa dentro dos muros da sua escola. Estas perguntas podem ser anedóticas mas poderão ajudar-me a compreender se o seu director e os outros estão em condições de demonstrar que a culpa de um eventual mau funcionamento da sua ou das outras escolas está no subfinanciamento.

    • António Fernando Nabais says:

      Sim, conhece-me (e é o meu segundo ano na escola); nunca entrou na minha sala nem tem de entrar; conhece a vida do dia-a-dia da escola, até porque tem a vantagem de não liderar um mega-agrupamento (uma Invenção da sua Maria de Lurdes Rodrigues). Em comclusão: no anterior comentário arroga-se de saber tudo sobre a maioria das escolas e agora já faz perguntas. Talvez possa aprender qualquer coisa e, finalmente, comentar com conhecimento de causa.

    • António Fernando Nabais says:

      As escolas, de uma maneira geral, funcionam bem, umas melhores e outras piores, com certeza. A alocação de recursos depende de um ministério que só pensa em poupar, pelo que há falta de funcionários docentes e não-docentes. O problema das escolas, é não só por estas razões, é o Ministério da Educação. As escolas deveriam ter muito mais autonomia e muito mais horas para apoios e outras actividades. Não, os que trabalham nas escolas não são perfeitos, mas são os peritos ignorados.

  6. Julio Rolo Santos says:

    Acha que se dessem às escolas mais autonomia para poderem contratar os recursos humanos todas elas estariam em condições de o fazerem com a parcimónia, consentânea com a disponibilidade dos meios financeiros existentes? Não tenho dúvidas de que deverão haver escolas com escassez de pessoal mas também não tenho dúvidas de que deverão haver outras com pessoal a esturvarem-se uns aos outros. O conhecimento que tenho desta última realidade é mais na área hospitalar e, no entanto, o que leio é que o seu mau funcionamento é sempre,e só, atribuído ao subfinanciamento. E todos sabemos que não é, pela experiência que alguma fez tivemos quando recorremos aqueles serviços. Não generalizo, obviamente, mas temos de ter bom senso em saber distinguir o bom do mau.

    • António Fernando Nabais says:

      Em que é que ficamos? Mais acima, escreveu sobre “a maioria das escolas” como se dominasse o assunto e agora já coloca a hipótese de não saber. As escolas sempre tiveram orçamentos limitados (o que considero perfeitamente aceitável), mas sempre tiveram dificuldades, por causa da “burocracite”, em utilizar meios de financiamento. Não há escolas com pessoal a estorvar-se, porque a tendência dos últimos quinze anos foi a de mandar milhares de professores para a desemprego e a de diminuir o número de funcionários não docentes. Repito: o Júlio é mais um dos muitos que mandam uns “bitaites” sobre escolas e sobre professores com base numa quase absoluta ignorância. Aqui estarei para defender o seu direito a comentar, ao mesmo tempo que exercerei o meu direito a chamar ignorantes atrevidos aos muitos dos que falam do que não sabem, incluindo gente com responsabilidade.
      No que se refere aos hospitais, tenho familiares ligados à área e vou estando informado do que se passa, o que inclui subfinanciamento e falta de pessoal ou má gestão dos recursos humanos. Também aqui imperou a mesma lógica de centralizar a gestão de unidades hospitalares, criando monstros ingovernáveis.

  7. Julio Rolo Santos says:

    Fiquei com a pulga atrás da orelha e obrigou-me a voltar o filme atrás para citar uma afirmação sua: “nunca entrou na minha sala nem tem que entrar” Está a referir-se ao director da sua escola. Será que no seu entender o seu director não deve ter entrada livre em qualquer departamento da sua escola? Ou essa limitação é só na sua sala de aulas? Conheço a expressão “olha lá vem ele meter o nariz no nosso serviço” mas essa expressão de “nem ter que entrar” não a conhecia. Aceito que se deva á minha ignorância.

    • Paulo Marques says:

      Nem sou professor nem tenho falta de professores que não gostei… mas não tem que entrar porque tem mais que fazer, e a micro-gestão nunca é boa política para coisa nenhuma.

    • António Fernando Nabais says:

      Na minha aula ou na de qualquer outro colega, pode entrar qualquer pessoa desde que o professor autorize. Em situações excepcionais (uma emergência), poderá entrar alguém sem autorização do professor ou, até, contra a autorização do professor. Durante o tempo que dura uma aula, o professor é o responsável pelos alunos e pelo espaço. Dirigir uma escola implica, entre muitas competências, a confiança nos funcionários. O que iria um director fazer a uma aula, sem mais nem menos? Saber se o professor está a fazer bem o seu trabalho? O trabalho de um professor é um dos mais expostos que conheço, pelo que nunca poderá esconder os seus defeitos ou as suas virtudes. Mesmo que oficiosamente, sabe-se sempre quem são os melhores e os piores professores de uma escola. Dito isto, nunca neguei a entrada de ninguém nas minhas aulas e nunca ninguém entrou sem pedir licença. Se um director se dedicasse a assistir a uma única aula que fosse de todos os professores de uma escola, arriscar-se-ia a perder 100 a 200 horas por ano sem se saber bem para quê. As palavras-chave, das escolas até cada um dos funcionários, são autonomia e confiança. Com os professores, essa é a prática habitual; com as escolas, estamos sempre dependentes de poderes detidos por ignorantes: hoje, o Ministério, amanhã, as câmaras (que juntarão à ignorância, a politiquice e a corrupção).

  8. Julio Rolo Santos says:

    Todos são responsáveis até prova em contrário. E as provas, como se comprovam? Pelos resultados dos alunos no fim do ano lectivo? E se esses resultados forem negativos? O problema está no professor ou nos alunos, quem avalia?
    Mais uma vez a minha ignorância, certamente, santa ignorância.

    • António Fernando Nabais says:

      Exactamente: todos são responsáveis ou competentes, até prova em contrário. O que terá de ser demonstrado é a incompetência, tal como é a culpa que tem de ser provada. Não é fácil, mas nenhum ministro até hoje quis verdadeiramente resolver o problema. Não existem soluções simples para provar a incompetência de um professor, mas, quando houver vontade política, será possível pô-las em campo. De qualquer modo, o princípio deverá ser o da confiança e não o da desconfiança. O sistema deve estar organizado para dar condições de trabalho aos profissionais de qualquer profissão. No Ensino, relativamente aos professores, a única coisa que interessa é impedir que a maioria chegue ao topo de carreira, criando a ideia de que há uma maioria de incompetentes.
      Desconfio de que, na sua cabecinha, isso se resolveria com a presença constante dos directores das escolas dentro das salas de aula, o que, a ser verdade, seria mais uma prova da sua inconsciência do que são a quantidade e a qualidade (no sentido de natureza e não como avaliação) do trabalho de um director.
      Repito: os seus comentários são os de um ignorante atrevido. Por mim, nunca será impedido de comentar, como já lhe disse. Aliás, os seus comentários são interessantíssimos, porque correspondem a uma “vox populi” que se julga capaz de explicar a missa aos padres. Siga.

      • Julio Rolo Santos says:

        Pela linguagem que utiliza para com desconhecidos parece que o estou a ver chamar burros, estúpidos e ignorantes aos seus alunos na sala de aula e é por isso que uma visita furtuita do seu director á sala de aula dissipava todas as dividas. Está de acordo?

        • António Fernando Nabais says:

          O Júlio é já um velho conhecido. A linguagem que utilizo é a da clareza: um ignorante é aquele que não sabe (os assuntos em que sou ignorante davam para encher várias enciclopédias) e um ignorante atrevido é aquele que fala daquilo que não sabe. O Júlio está nesta última categoria e leva daqui o troco que merece. Note que ainda me dou ao trabalho (inglório, é certo) de lhe explicar o que é a vida das escolas (não tenho mérito especial nisso: sou professor há mais de 30 anos).
          Com os meus alunos, lido quase da mesma maneira: não tenho nenhum problema com a ignorância, mas não admito arrogância ou falta de educação – um ignorante atrevido, mesmo sendo meu aluno, levará sempre uma resposta desagradável, mas fique descansado que não confundo salas de aula com caixas de comentários. É giríssima, mais uma vez, a sua ideia de os directores andarem às escondidas pelas escolas, tentando apanhar os professores em atitudes imprópria: deve pensar que têm pouco que fazer ou que os professores são uma maioria de idiotas. A sua opinião sobre a relação que eventualmente mantenho com os meus alunos é também muito gira, mas vou deixá-lo, mais uma vez, exercer o seu direito, porque não quero que lhe falte nada, nem mesmo preconceitos.

  9. Julio Rolo Santos says:

    Estava-lhe a dar çorda mas esta partiu-se, o que quer dizer, que ficamos por aqui, como quem diz, vou deixá-lo a expressar-se sozinho. Boa vida para si e que o topo da carreira lhe chegue no bico de uma cegonha que devem andar a esvoaçar por aí.

    • António Fernando Nabais says:

      Não faça isso, o Júlio tem tanto para me explicar sobre a minha profissão, sobre a minha relação com os meus alunos, sobre o meu local de trabalho. Quanto ao topo de carreira, sou um dos privilegiados que vão atingi-lo, a não ser que o seu querido Costa consiga o milagre de me reter doze anos no penúltimo escalão. De qualquer modo, tendo em conta a minha linguagem e os maus tratos que inflijo aos meus alunos, não merecia tanto, talvez até merecesse uma despromoção.

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