O centro não existe, Dr. Rui Rio

O centro não existe. O espectro político, no que diz respeito a esquerda e direita, é uma linha, dividida ao meio. À esquerda do centro estão as ideologias e os partidos de esquerda. À direita estão as ideologias e partidos de direita. Uns como outros podem ser mais autoritários ou liberais, posicionando-se ao longo de uma linha longitudinal, o que ajuda a explicar o alinhamento do PCP com a direita na (i)legalização da eutanásia, ou a defesa da liberalização do consumo de cannabis que une Bloco de Esquerda e Iniciativa Liberal.

Durante a campanha, Rui Rio insistiu várias vezes na ideia de que o PSD não é um partido de direita. Perdidas as eleições, Rio virou-se para dentro e o mantra foi, entretanto, convertido em “O PSD não é um partido de direita nem é de esquerda. É um partido social-democrata e a social-democracia é ao centro, não é à direita nem à esquerda”. Vivem-se tempos de guerra, no seio do maior partido político português, e os tempos de guerra tendem a ser férteis em bizarrias.

O centro não existe. É, quanto muito, um artifício usado em contexto argumentativo, no âmbito do debate político. O centro é o limite entre a esquerda e a direita. Onde começa um, termina o outro. Rui Rio diz que o PSD está ao centro, que é social-democrata, quando os outros sociais-democratas europeus estão filiados nos S&D e se afirmam como a social-democracia é: uma ideologia de esquerda. Chamem-lhe moderada, chamem-lhe centro-esquerda, chamem-lhe o que quiserem. É uma ideologia de esquerda.

Rui Rio está a jogar. E tem legitimidade para o fazer. Pode dizer que o partido é o que não é, pelo menos até à data, e pode dizer que o PSD se situa, ideologicamente, no cruzamento de duas linhas de um modelo teórico. E, mesmo assim, não muda o facto de ser um partido que, nas últimas décadas, foi conservador nos costumes e liberal na economia. Que integra o PPE, onde estão conservadores, democratas-cristãos e alguns democratas “iliberais”, que é o novilínguês para fascistas a quem não se pode chamar fascista. O PSD, dê Rui Rio as voltas que quiser dar, é um partido de direita. Sempre foi e continua a ser.

A menos que esteja a preparar uma revolução interna sem precedentes no seu partido – e tem agora uma oportunidade de ouro, se derrotar o regresso do passismo nas internas, para promover uma guinada histórica no partido – Rui Rio governará o PSD que temos. E o PSD que temos é de direita, tal como a furiosa oposição interna não se cansa de nos recordar. E foi essa direita que deu a vitória a Passos Coelho em 2011 e 2015, como terá sido a mesma direita, imagino eu, a falhar-lhe no passado dia 6 de Outubro. Posto isto, espero, sinceramente, que Rui Rio saia do armário ideológico. E se a ideia for transformar o PSD num partido social-democrata, conta com o meu total apoio. Venha daí essa revolução!

Comments

  1. Luís Lavoura says:

    Claro que existe centro – é só questão de, em vez de dividir o espetro político em dois (esquerda e direita), o dividir em três (esquerda, centro e direita). Tal como se pode dividir em quatro (extrema esquerda, centro esquerda, centro direita, e extrema direita). Ou em cinco, ou em seis…

  2. Luís Lavoura says:

    Uns como outros podem ser mais autoritários ou liberais

    Podem também ser autoritários numas coisas e liberais noutras. Por exemplo, o Bloco de Esquerda é liberal numas coisas (por exemplo, consumo de drogas) mas não o é noutras (por exemplo, prostituição, jogo), e é autoritário ainda noutras (economia).

    A Iniciativa Liberal é mais ou menos liberal em tudo, mas o Bloco de Esquerda só é liberal nalgumas coisas, noutras pelo contrário é fortemente autoritário.

    • Fernando says:

      Os liberais gostam muito de fazer-se passar por grandes defensores da “liberdade”, quando na realidade são apenas defensores da liberdade (ou será libertinagem?) de apenas alguns, especialmente a liberdade daqueles que têm €€€ suficiente para financiar o Observador.

      O comentário no parlamento por parte do deputado da “Iniciativa Liberal” em relação a uma “multidão de pobres” que o PS mantém para este se manter no poder é revelador de uma certa mentalidade.
      O da “Iniciativa liberal” não diz, mas se estivesse no poder faria de tudo para acabar com a possibilidade dos pobres votarem.

      O governo de Pinochet também foi muito liberal até foi abençoado pelos liberais Milton Friedman, FMI e CIA.

      Outro exemplo da mentalidade liberal:

      “Minha preferência pessoal é mais uma ditadura liberal do que um governo democrático desprovido de liberalismo.” – Von Hayek, outro liberal que apreciava a “liberdade” de Pinochet

      Os liberais são tão defensores da “liberdade” que até faz impressão…

      • Rui Naldinho says:

        Como é óbvio, Fernando, você tem toda a razão, e em três penadas definiu o “Liberalismo Tuga”.
        Liberalismo sim, mas só para aquilo que nos interessar.

        Dou um exemplo banal dos nossos liberais de esquina:

        “O caso Sócrates, vulgo Face Oculta, não resultando em nada de concreto, pode potenciar o populismo em Portugal!”

        Noticia da SIC Noticias, esta manhã, 31-10-2019.

        Querem os liberais dizer, que se Sócrates não for preso, há uma probabilidade do populismo aumentar em Portugal.
        Resumem os males deste país a um fulano. Uma espécie de “LULA” dos TUGAS, esquecendo tudo o resto, incluindo o próprio percurso liberal desta economia de arranjinhos, essa sim, a favorecer a corrupção em toda a linha, com os Liberais do costume à frente.
        Que tal esses liberais de pacotilha preocuparem-se primeiro em enfiar numa cela por alguns anos, ressarcindo-nos de tudo o que nos roubaram, a cáfila de banqueiros e governantes liberais que nos levou à falência?
        A única coisa boa que a Troika nos trouxe foi a bipolarização nunca antes alcançada, entre esquerda e direita. O tal Centro sempre beneficiou apenas e só a direita. Uma esquerda fragmentada e uma direita unida, nem que para isso fosse necessário “comprar um Táxi”. Essa bipolarização começou com Passos Coelho, a tal ponto que a própria direita de certa forma se fragmentou e múltiplos partidos.

    • Paulo Marques says:

      São concepções de liberdade diferentes, uma é a liberdade de quem pode poder fazer, a outra é de terem todos oportunidade de fazer o mesmo. Só que a primeira ignora, propositadamente ou não, que o poder não é todo político – o que é natural, pois normalmente está associada com este.
      A confusão de Rio é igual (e de Costa, aliás): acha que ser bonzinho com quem tem poder é bom para todos, como se isso os fizesse partilhar.

    • POIS! says:

      Pois!

      É pena que não existam ainda partidos que sejam liberais no tiro ao alvo. Desde que seja tiro nos outros, evidentemente, para que se respeite a liberdade de escolha dos alvos.

      Aliás, alvo é que ninguém quer ser (veja-se o sucesso dos solários! Ou a prova provada do que dizemos: Trump!)

      Mas gostámos, Herr Umpflugen! Foi preciso partir muito xisto para se obter um campo tão liberalmente amanhado como o de Vossa Senhoria!

      • Paulo Marques says:

        “The law, in its majestic equality, forbids the rich as well as the poor to sleep under bridges, to beg in the streets, and to steal bread.” – Anatole France

  3. Maria Peres says:

    Vai dar banho ao cão!

  4. JgMenos says:

    No jogo dos rótulos debatem-se todos os preconceitos.
    A simplificação repugna a quem se atem a tal jogo.
    O papel do Estado na economia e a relação do indivíduo na sociedade definem os parâmetros da questão.
    Os extremos unem-se no totalitarismo de Estado e só na semântica se diferenciam na opressão do indivíduo.
    Pelo caminho sobra para o Estado tudo que irresponsabiliza o indivíduo.
    E sempre as matilhas se formam do lado do maior poder…

    • Paulo Marques says:

      Mau, então o Menos não defende que os estados têm que se curvar perante os mercados, sendo estes assim o maior poder? Ou está a confesar que prefere estar do lado da matilha que come os outros, deitando por terra a ideia a ideia da opressão da matilha?

      • JgMenos says:

        …deitando por terra a ideia a ideia da opressão da matilha?

        Parecia que ias produzir uma ideia, mas como de costume perdeste-te.

  5. Mr José Oliveira Oliveira says:

    Isto lembra-me aquele ministro de Salazar que declarou haver liberdade durante o consolado do dito: “Todos eram livres de serem a favor do regime!”
    Assim há sempre liberdade. Fixe, malta.

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