O processo do Aeroporto do Montijo desvela confrangedora incompetência

É por demais evidente que Lisboa para de um novo aeroporto, uma vez que o da Portela há muito que esgotou a sua capacidade, mas trata-se de um problema local, de Lisboa, ou regional, da Grande Lisboa, e não de um problema nacional como querem fazer crer.
Por esta razão tentei sempre evitar pronunciar-me para não meter a foice em seara alheia. É que isso de descentralização começa por ser evitar transpor para a responsabilidade do resto do país os problemas de Lisboa, classificando-os como nacionais.

Nesta conformidade, apesar de estranhar o processo de localização, o facto de a pista projectada não viabilizar a aterragem de aviões de maior dimensão, o assinar de contratos com a Vinci antes do estudo de impacte ambiental, o resultado do estudo, as contrapartidas para a Vinci, reservei-me no maior silêncio que me foi possível.

No entanto, neste desenlace final, surge um pormenor que, esse sim, revela-se de particular gravidade nacional.
Qual?
A incompetência de 3 governos consecutivos, que nem juristas avençados a peso de ouro, evitaram o desconhecimento de uma lei, a qual prescreve que uma Câmara Municipal pode inviabilizar qualquer projecto de construção na sua área!

Não, o problema não é a lei estar mal feita, mesmo que possa estar. O problema foi mesmo a incompetência de 3 governos consecutivos que tiveram mais do que tempo para mudar a lei, mas não o fizeram por desconhecimento, para evitar a palavra desleixo!

Resta saber se haverá indemnizações a pagar e se os Ministros e Secretários de Estado passados e presentes têm seguro de responsabilidade civil ou se serão os cidadãos chamados a suportar tanta incompetência!

Comments

  1. Fyote says:

    Nada disso !
    O problema, é que os tubarões são muitos…

  2. Rui Naldinho says:

    «  Os governos por vezes tornam-se incompetentes por estarem reféns dos seus mandantes »

    Meu caro, eu não desdenho a hipótese de uma ou mais autarquias, neste caso são duas, Seixal e Moita, poderem vetar a construção de uma obra que interfere com as suas populações e nos ecossistemas dos seus concelhos. Mas também desagradam a Setúbal e Sesimbra, se bem que de outra forma. As outras autarquias, Alcochete, Barreiro e Almada calam-se apenas porque são do PS, nada mais. Caso contrário já estavam a berrar.
    Se está na lei o poder de veto de uma autarquia, ė porque quem a fez lei presumiu que para benefício de uns quantos, não se podem prejudicar outros. Logo, isso é bom. Porque o Estado de Direito também é isso.
    É natural que o legislador estivesse a pensar numa central nuclear ou num aterro sanitário, mas nem por isso um aeroporto deixa de interferir na vida de uma ou mais comunidades, para o bem e para o mal.
    Para além da autarquia do Montijo, que vê no aeroporto uns tostões a entrarem nos cofres da edilidade e da economia local, o que até é aceitável, pelo menos a curto prazo, não vislumbro quais os benefícios que a região como um todo possa usufruir desse investimento. Já a construção do aeroporto em Alcochete, com a definitiva transferência dos voos de longo curso e das companhias de bandeira, para esse local, mudaria em grande parte senão mesmo na totalidade, todas as actividades aeroportuárias da grande Lisboa, para essa região, incluindo empresas de manutenção de aeronaves, transporte postal, mercadorias, etc, uma vez que a Portela desapareceria em definitivo.
    Quem já alguma vez me leu aqui e noutros lados, sabe que não nutro por Sócrates a mínima simpatia. Culpo-o em grande medida do descalabro deste país. Desprezo o seu carácter arrogante e altivo. Suspeito bem que grande parte das acusações que impendem sobre ele sejam verdadeiras. Mas sobre o assunto aeroporto de Alcochete, cujo artigo no Expresso da pretérita semana veio a público, o homem tem toda a razão.
    Acresce que para mim as razões para o aeroporto ser no Montijo, e dessa forma nunca acabar a Portela, são por demais evidentes.
    Os tubarões da capital não querem desvalorizar o preço por m2 do terreno na margem Norte. A especulação imobiliária com o aeroporto fora de Lisboa iria ressentir-se. Lisboa perderia uma boa parte da sua centralidade.
    Ora, isso « jamais »!

    • Ana A. says:

      Lucidez q.b.!

      • Rui Naldinho says:

        UM AEROPORTO COMO PARADIGMA PORTUGÊS

        «  Há uns bons 30 anos que se fala da necessidade de construir um novo aeroporto em Lisboa: mais longo que isso só o tempo que Vitalino Canas leva de preparação para se tornar juiz do Tribunal Constitucional — 40 anos, segundo o próprio.

        No início, e antes de o Porto ter conquistado a duras penas e por mérito exclusivamente próprio o direito a ter também um aeroporto internacional (evitando que os portuenses, para irem a Londres, a Roma ou ao Rio, tivessem de vir a Lisboa primeiro), o novo aeroporto de Lisboa (NAL) estava destinado a ser sobretudo o único aeroporto internacional português, sendo o Porto um pequeno aeroporto regional e Faro um aeroporto sazonal. Depois, quando a Portela deixou de ser a única porta de entrada aérea em Portugal e quando, simultaneamente, a instabilidade nos mercados turísticos da Turquia e do Mediterrâneo Sul puseram Lisboa em força no mapa do turismo de massas, começou-se a olhar para o NAL como parte essencial de uma estratégia de desenvolvimento turístico de Lisboa e toda a região envolvente. E foi aí que começou a urgência e as pressões de vários lados para se avançar sem demoras para um novo aeroporto.

        Era então que previamente se deveria ter discutido e chegado a um consenso sobre as questões essenciais à partida. Desde logo, o que fazer à Portela? Tinha, e tem, as evidentes desvantagens de ser um aeroporto praticamente dentro da cidade — o que, não sendo caso único no mundo, neste caso envolve o sobrevoo da cidade por quase todos os aviões que se fazem à pista, com as evidentes consequências a nível de ruído, poluição do ar e perigo potencial. E as evidentes vantagens da sua localização para os serviços, o comércio, o próprio funcio­namento do aeroporto e, sobretudo, para os passageiros, que beneficiam de um luxo raro nos tempos que correm. Havia, pois, que decidir entre três hipóteses: construir um aeroporto de raiz que substituísse o actual, desmantelando este no final (solução Ota), construir outro por fases, funcio­nando primeiro como complementar ao actual e depois substituindo-o por completo (solução Alcochete) ou aproveitar um já existente para funcionar como complementar ao actual (solução Portela + 1, no Montijo). As três soluções foram consideradas sucessivamente, mas, como se vê, ainda hoje nenhuma delas é consensual. Estamos na iminência de avançar para a fase final do Montijo e a discussão continua inflamada.

        A segunda questão prévia a definir era decidir que aeroporto se queria fazer: para quem, para quantos, para quando, por quanto? Esta questão condicionava a anterior e o tipo de desenvolvimento que se projectava para Lisboa e, em parte, para o país. Seria o tão apregoado “desenvolvimento sustentável”, com que todos os políticos gostam de encher a boca, ou seria o nosso tão íntimo, tão velho e tão desgastado modelo de desenvolvimento algarvio, posto em prática por lá no último quartel do século passado, com os exuberantes resultados que estão à vista? Sem nenhuma surpresa, ganhou este modelo. Lisboa, e tudo à volta, está entregue — sem um suspiro, sem um sobressalto, sem um remorso — nas mãos do deus turismo. Dezenas e dezenas de hotéis nascem em Lisboa todos os anos, mais as inúmeras casas entregues aos alugueres turísticos, despovoando a cidade de habitantes em troca de passantes; louvam-se e incentivam-se os sucessivos recordes de passageiros dos megapaquetes turísticos, principais poluidores da cidade, que dormem nos seus navios estacionados junto ao Terreiro do Paço e cujo retorno é próximo do zero; mas, para salvar o ar da Baixa, Fernando Medina projecta vedar o acesso de todo o centro histórico aos poucos lisboetas que ainda por lá andam, deixando-o como condomínio de luxo para os turistas dos tuk-tuk e os proprietários estrangeiros dos Golden Card e apartamentos comprados a 8 e 10 mil euros o metro quadrado. Carcavelos é internacional graças a mais uma excepção ao PDM em nome do interesse nacional, Cascais é uma vila brasileira e a Comporta estima vir a receber 200 mil pessoas, todos estrangeiros, com o projecto “amigo do ambiente” da dupla formada pelo francês Claude Berda e a portuguesa Paula Amorim. Tanto desenvolvimento, obviamente, já não cabe na Portela, e por isso todos os dias os ‘empresários’ reclamam, exigem, gritam por um novo aeroporto, seja lá onde for. Faltam 40 mil trabalhadores na hotelaria e restauração — cujos salários não ­atraem­ gente capaz —, mas os empresários turísticos não querem saber: querem é mais aviões a aterrar para trazerem cada vez mais e mais turistas para os seus hotéis. A mão-de-obra, depois, se necessário for, importa-se: nem que seja da Ásia, como fazem os novos ‘agricultores’ das estufas de frutos exóticos da costa alentejana ou dos olivais superintensivos do Alqueva. Eis assim implicitamente respondida a segunda questão: o NAL serve para o negócio do turismo. E não tem, por definição, limite de crescimento: crescerá enquanto eles precisarem, sem que qualquer estratégia para a cidade de Lisboa, qualquer plano director municipal ou qualquer limite ao esforço exigido aos contribuintes sirva de travão. Nunca aprendemos nem aprenderemos: a ideia de assentar uma estratégia de desenvolvimento num único sector, para mais dependente do exterior e que implica danos patrimoniais irreversíveis a benefício do lucro imediato de alguns, tem como inevitável destino o desastre a médio prazo. Mas é a nossa maneira de agir, sem reflectir e sem planear.

        Torna-se assim difícil escolher seria­mente uma localização para o NAL, quando nem sequer o interesse público para tal é consensual. De memória, já assisti à defesa acérrima de nada menos do que sete localizações diferentes para o aeroporto por parte de conceituados ‘especialistas’ na matéria: Rio Frio, Ota, Beja, Tires, Alcochete, Montijo e Alverca. Todas elas, sem excepção, foram mutuamente arrasadas por uns e pelos outros.

        Em Beja, seriam precisos vários TGV a funcionar a todo o tempo para ultrapassar os 200 km de distância de Lisboa; na OTA, era preciso arrasar uma montanha e construir uma pista sobre milhares de estacas de betão; em Alverca, era preciso uma pista sobre o Mouchão do Tejo e dizem que não seria possível operar simultaneamente com a Portela; no Montijo, há o problema das aves e da proximidade à água, mas, como aqui o escrevi a semana passada, os mesmos problemas, mais graves ainda, existem em Faro e o aeroporto está ali há 40 anos. Agora, a Ordem dos Engenheiros e José Sócrates ressuscitaram Alcochete — que dizem poderia ser construído por fases, sendo que a primeira fase poderia funcionar como Portela + 1 e custaria o mesmo que o Montijo. Mas lembro que Alcochete também foi, em seu tempo, arrasado pela Quercus, referindo a alteração brutal à paisagem natural envolvente, a imensa quantidade de sobreiros a abater, a existência igualmente das mesmas aves do Montijo e muitos mais animais outros, e, sobretudo, que a construção assentaria sobre um importante aquífero subterrâneo, que o estudo de impacto ambiental apenas dizia que teria de ir sendo monitorizado ao longo da construção e utilização (ou seja, não sabia o que lhe ia acontecer).

        E se já é difícil para um leigo perceber quem tem razão nas infindáveis querelas dos ‘especialistas’, mais difícil isso ainda se torna sabendo nós que por detrás de qualquer escolha estão inevitavelmente, e mexendo-se afanosamente na sombra, todos os interesses habituais: lobistas profissionais, os três ou quatro escritó­rios de advocacia de Lisboa que estão em todos os negócios onde entra o Estado, os bancos que os vão financiar, as construtoras portuguesas e estrangeiras que cobiçam a obra e os engenheiros avençados por elas para defenderem esta ou aquela solução publicamente. Nada disto é a feijões, meus caros! E à cabeça de todos, batendo-se pelo Montijo — porque é mais barato e lhe cabe pagar a obra —, está a Vinci, essa empresa de vão de escada a quem o Governo PSD-CDS entregou a ANA, uma empresa pública rentável e eficaz, no que foi um dos mais inqualificáveis actos de gestão pública jamais consumados.

        Tudo isto, todo este persistente impasse e incapacidade de consenso, toda esta ausência de reflexão e de planea­mento sobre o futuro, toda esta falta de transparência crónica em qualquer negócio que envolva grandes empreitadas públicas, é o paradigma de um país onde parece ter-se perdido de vez a capacidade de definir e aceitar objectivos comuns aceites por todos.

        PS: E enquanto discutimos isto, o Novo Banco vai pedir ao Fundo de Resolução (que, no meu tempo de vida, sou eu que pago) mais uma injecção de dinheiro equivalente ao custo… do aeroporto do Montijo. »

        Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
        EXPRESSO – 29-02-2020

        • Ana A. says:

          Rui, obrigada pela partilha!

        • Carlos Araújo Alves says:

          Grande comentário que post deveria ser, Rui Naldinho!
          Muito obrigado.

          Carlos Araújo Alves

  3. JgMenos says:

    E tudo começpu na OTA….só os otários não mudaram!

    • POIS! says:

      Ah pois! Ah! Ah! Ah!Ahhhhhh!

      Ai que o JgMenos é tão cómico! Ahhhh! A fazer trocadilhos é o máximo! É malhor parar de rir ou um gajo ainda se montija das pernas pra baixo!

  4. José Monteiro says:

    Personalidade e Carácter. De ministros a ajudantes e PM recentes e do actual.
    Sucessão de imbecilidades, contidas na expressão de um autor exterior sobre Portugal:
    «O poder exige uma alma de Al Capone, sem rei nem lei…
    Ou bem que os portugueses não fazem nada, ou bem que vão até ao último pormenor e, chegados aí, largam tudo como de costume…
    Sem endereços e todos com o mesmo nome, obedecendo a dois ou três pequenos princípios, entre os quais o de inventarem títulos…»
    “O quinto império”
    Dominique de Roux (1977, Paris)

  5. Julio Rolo Santos says:

    A descentralização, agora tão em voga pelos nossos governantes, aconselharia a escolha do aeroporto de Beja, como complementar ao aeroporto de Lisboa. O aeroporto de Beja já foi testado pelos maiores aviões em circulação e foi certificado para o objetivo pretendido. Faltam estruturas de ligação rápida a Lisboa? Pois façam-nas que ainda poupam muitos milhões.

    • Rui Naldinho says:

      Qualquer aeroporto alternativo numa grande metrópole tem de estar inserido nas proximidades dessa grande metrópole. Num raio inferior a 60km, de preferência. A distância de Lisboa a Beja é de 178km. Não me parece ser essa a solução.

  6. Pedro says:

    Beja é a alternativa. O aeroporto de Lisboa, novo, deveria ter sido construído há 20 anos atrás. Não há crescimento infinito. A Portela chega. Invista-se na ferrovia é não se crie pressão adicional numa zona já bastante saturada e com as infraestruturas no limite. O aeroporto no Montijo, mais do que crime lesa-pátria, é criminoso para a segurança das populações e dos passageiros… O primeiro avião que caia devido a um bird strike, veremos que será responsabilizado….

  7. Julio Rolo Santos says:

    A possibilidade do aeroporto de Beja, como alternativa a todos os que estão em discussão, revela um propósito único, o de fazer frete aos lobbies. O aeroporto de Beja está pronto e obedece a todos os requisitos impostos em matéria de segurança e funcionalidade. A distância de Beja a Lisboa parece ser o único entrave a esta solução. Há o adagio popular que diz “que o longe se faz perto” é tudo uma questão de se criarem as infraestruturas necessárias para reduzir essa distância. Com esta solução aliviaria a pressão que se exerce e exercerá sobre Lisboa em termos de ruído, poluição e risco para quem mora perto do aeroporto da Portela, riscos que se estenderão qualquer que seja a solução em discussão porque a pressão habitacional irá florescer nesses locais e dentro de poucos anos já não vai valer a pena ” chorar pelo leite derramado”.

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