Crónicas do Rochedo 31º – Ainda o Turismo e os supostos apoios

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Depois da publicação da Crónica anterior, vou continuar a desenvolver a problemática económica que se avizinha para o turismo agora na óptica dos apoios já tornados públicos. Para se perceber a grandeza do problema é ler a crónica anterior.

Analisando o que já está previsto e publicado pelo governo (site IAPMEI e PME Investimento) e que se pode resumir a apoios de tesouraria e fundo de maneio, acrescentando os apoios ao sector da Restauração e Similares (profundamente dependentes do Turismo na Grande Lisboa, Área Metropolitana do Porto, Algarve, Madeira, Açores, Região do Douro e em muitas das nossas cidades), temos o seguinte:

Em praticamente todas as linhas de crédito os spreads bancários (sublinho, apenas no que toca aos spreads) variam entre um mínimo de 1,928% e um máximo de 3,278%. 

Não encontrei de quanto é o juro nem tão pouco, se existem, os custos bancários para processamento e afins destas medidas. Nem que tipo de garantias são exigidas.

Vamos lá ver se nos entendemos: 

Neste momento, todo o sector do Turismo assim como o da restauração e similares dele dependente estão numa realidade surreal: receitas zero. Para piorar a situação, a principal época de facturação está compreendida entre 15 de junho e 30 de setembro. Ora, como facilmente se compreende atendendo à realidade actual, a chamada “temporada de 2020” foi ao ar. Não se enganem, não vamos ter turistas estrangeiros a tempo de a salvar. Mais, é muito bonito ver algumas iniciativas que circulam pelas redes sociais com a temática do “ajude as nossas empresas e este ano faça férias em Portugal”. Desculpem mas não resolve. A estrutura existente está desenhada para uma realidade de, pelo menos, 20 milhões de turistas. O aumento incrível do número de hotéis (e similares), restaurantes, bares, lojas de lembranças (etc) e o correspondente aumento de trabalhadores nessa área não é sustentável apenas e só com o turismo interno. Nem a esmagadora maioria dos portugueses vão ter, no final de tudo isto, capacidade financeira para esse luxo a que se chamam férias. Pensem um pouco, com a excepção dos funcionários públicos, todos os outros portugueses terão, no mínimo e a correr bem, um corte de 30% nas suas receitas. A correr mesmo muito bem. E, já agora, para piorar o cenário, por exemplo, aqui em Espanha também circulam as mesmas iniciativas de este ano fazer férias em Espanha. Suponho que será um sentimento generalizado noutros países…

O número de trabalhadores e de empresários nesta área (e áreas conexas) ultrapassa, facilmente, o milhão de trabalhadores (estou a incluir nos “trabalhadores” a esmagadora maioria dos empresários do sector). Cuja sua actividade está a gerar zero de receitas e assim se estima que continue, pelo menos e num cenário optimista, até final de junho. Na minha opinião, será de zero a 20% do normal até Outubro mas posso estar a ser pessimista…

Ora, as medidas apresentadas até ao dia de hoje, 21 de Março de 2020, são manifestamente insuficientes para não dizer coisa pior. Os nossos governantes ou não estão a ver o filme todo ou, estando, estão doidos. E continuo a tentar ser simpático no uso das palavras. Alguns dirão: mas eles adiaram o pagamento de certos impostos. Meus caros, que impostos? O IVA? Sem receitas não existe IVA. O IRC? Sem lucros não existe IRC e sem actividade económica não existem lucros. A Segurança Social? Ok, resolve uma parte mas não resolve o problema. É uma espécie de aspirina e de adiamento de uma fatalidade que se avizinha. Vamos lá tentar colocar uma fotografia da realidade:

Todos estes negócios pagam renda, água e luz (mesmo sem consumos temos o aluguer de contadores e aquelas taxas que todos conhecem), o IMI, o gás, os custos com fornecedores dos produtos que estão a apodrecer que foram adquiridos antes, o leasing de material, as prestações dos créditos bancários, entre outras despesas menores ou maiores conforme os casos. Sobre todas estas matérias, se não estou em erro, as medidas apresentadas são omissas. Certo? 

Para acrescentar a tudo isto, e perdoem o meu francês, cheira-me que para se conseguir os tais apoios existentes vai ser preciso, como se diz na minha terra, “cair de costas e partir a pila” para os obter. Mas é uma suposição de quem conhece a filosofia da banca.

Já para não falar que considero a existência de spreads, nesta situação particular em que vivemos, uma indecência, uma vergonha. Se a banca privada não quer participar no esforço, então o Estado que ponha a Caixa Geral de Depósitos a funcionar no verdadeiro apoio à economia. Vão ver que nem uma semana passará sem que a banca privada faça o mesmo…

Eu sei que a esta altura da crónica alguns vão dizer: “eu quero lá saber dos grandes grupos hoteleiros ou da malta daqueles restaurantes todos chiques com pratos a €40 ou das grandes cadeias de fast-food”. Meus caros, não se iludam, nesta fase está tudo no mesmo barco e chama-se “Titanic” sendo o nosso governo a orquestra. Alguém acredita que toda esta cadeia económica vai aguentar mais dois meses sem receitas mantendo os postos de trabalho e os espaços abertos? Não, não vão nem é possível. Vão todos para a falência e recorrer à insolvência. Não ver isto é acreditar no Pai Natal. E, relembro, estamos a falar de mais de um milhão de trabalhadores ligados directa ou indirectamente ao Turismo (podem ver os números na crónica anterior).

Então, que medidas são necessárias? 

Para se conseguir salvar o sector será necessário suspender todos os pagamentos de impostos. Mas todos, não os que são, a esta data, perfeitamente virtuais, como enunciei antes. Suspender não é perdoar. É passar o seu pagamento para data posterior (mínimo 12 meses). 

E no caso do IMI temos duas situações, passar a zero para os senhorios enquanto durar esta situação (ou seja, 2020) ou reduzir em 75% quando coincide o dono do negócio ser o proprietário do espaço em causa.

Criar uma linha de apoio com spread zero no montante equivalente  a 50% da facturação em igual período de 2019. Ou seja, se em Março de 2019 o negócio facturou 10.000, a linha de financiamento seria de 5000 euros. Com 12 meses de carência e pago a um máximo de 4 anos (no caso, 4+1). E assim seria para Abril, Maio e Junho acreditando que em julho já estão abertos – no caso de tal acontecer, seria melhor acrescentar julho e agosto a esta medida;

Manter a mesma linha de apoio já existente para os trabalhadores via Segurança Social;

Suspender o pagamento de rendas, água, luz, gás até à reabertura dos estabelecimentos. No caso das rendas, anulação de 70% do valor das mesmas até essa data e o Estado subsidiar a fundo perdido 50% do valor das mesmas aos senhorios e, obviamente, anular o IMI de 2020;

Manter os apoios à tesouraria e fundo de maneio mas com spread zero e com os mesmos prazos, ou seja, 4+1;

Suspender todos os pagamentos dos empréstimos bancários pelo período de 12 meses. No fundo, acrescentar um ano ao prazo de liquidação dos mesmos;

Estas medidas poderiam servir para o curto prazo mas não resolvem o facto de a temporada de 2020 se ter perdido. Ora, esse seria o custo para o empresário, é o seu risco. Injusto? Doloroso? Sim, mas o Estado não consegue resolver tudo. Estas medidas podem salvar todo este sector mesmo sabendo que o mesmo está ferido, bem ferido. Como, no fundo, a esmagadora maioria dos sectores e da população.

Sem isto, preparem-se para um cenário terrível. E o governo que prepare as malas.

Comments

  1. a@a.com says:

    “Meus caros, que impostos? O IVA? Sem receitas não existe IVA. O IRC? Sem lucros não existe IRC e sem actividade económica não existem lucros”

    “Para se conseguir salvar o sector será necessário suspender todos os pagamentos de impostos. Mas todos, não os que são, a esta data, perfeitamente virtuais, como enunciei antes.”

  2. Paulo Marques says:

    Nem tenho a certeza que isso chegue… Vai ser qualquer coisa.
    Também será uma oportunidade de mobilizar recursos, incluindo trabalhadores, para a tal reforma energética, salvando também a construção. Mas, para isso, era preciso deixar de ouvir alemães…

  3. Fernando Manuel Rodrigues says:

    Muito bem analisada toda esta situação. As medidas apresentadas são, no mínimo, anedóticas, e na pior das hipóteses, fazer dos portugueses parvos.

  4. Fernando Manuel Rodrigues says:

    “não se iludam, nesta fase está tudo no mesmo barco e chama-se “Titanic” sendo o nosso governo a orquestra. Alguém acredita que toda esta cadeia económica vai aguentar mais dois meses sem receitas mantendo os postos de trabalho e os espaços abertos? Não, não vão nem é possível. Vão todos para a falência e recorrer à insolvência. Não ver isto é acreditar no Pai Natal. E, relembro, estamos a falar de mais de um milhão de trabalhadores ligados directa ou indirectamente ao Turismo.”

    E não é só o Turismo. O comércio em geral vai pelo mesmo caminho. E as nossas indústrias exportadoras, falta saber se terão mercado quando a tempestada passar.

  5. Julio Rolo Santos says:

    É a crise cujo culpado é o covid-19. Culpar o governo pela crise é fazer política suja que não leva a lado nenhum. As ajudas financeiras estão a chegar, não á velocidade de cruzeiro como todos desejariam, mas com as cautelas que se exigem para prevenir o Chico espertismo que também aparecem nestas ocasiões. Deu o exemplo dos bancos quererem cobrar o spred elevado, sem contar com os juros que se presume venham a ser igualmente elevados. Ora aí está o” Chico espertismo” que se pretende evitar, assim haja coragem para o evitar.

    • Carlos Almeida says:

      O problema nos empréstimos dos Bancos nem são os juros, mas sim as diferentes comissões e taxas:
      Comissão de estudo
      Comissão da aplicação
      etc etc
      Tudo junto pode ir a 7 ou 9% do empréstimo, dependendo dos bancos

    • Paulo Marques says:

      O problema é que não são precisos intermediários rentistas para nada disto, deposita-se directamente e pronto. Até o Mitt Romney percebe isso.

  6. Filipe Bastos says:

    Quanto à Banca, não entendo o post: fala como se fosse o governo a decidir alguma coisa, e não a Banca. Esta fará o favor de indicar ao governo o que quer, como faz há décadas.

    Neste mundo só há duas coisas absolutamente sagradas, que aliás se confundem: os ‘mercados’ e a mama da Banca.

    Quanto ao sector do turismo, sou eu o ingénuo: porque é que a restauração tem IVA de 13%? Quando qualquer outra empresa tem de cobrar e pagar 23%? Que tem a restauração de diferente?

    E porque é que um hotel tem IVA de 6%? Qualquer hotel? E o alojamento local, também 6%? Mesmo sendo um senhorio ou empresa com vários imóveis?

    As coisas agora estão difíceis? Pois estão. E até agora como têm estado? Há quantos anos mamam à grande? E quantos, além das benesses, fogem aos impostos também à grande?

  7. Paulo Marques says:

    É uma questão de martelo e dança. Provavelmente, uma foice dava jeito, mas isso sou eu.

    https://medium.com/@tomaspueyo/coronavirus-the-hammer-and-the-dance-be9337092b56

  8. Luís Lavoura says:

    Todas as sugestões feitas neste post parecem razoáveis, exceto um grande senão: o Estado não tem o poder de criar dinheiro.

    Por exemplo, se o Estado suspender o pagamento de impostos, como neste post é sugerido, então o Estado ficará sem dinheiro para pagar aos funcionários públicos. Será apenas espalhar o mal pela sociedade. Se o Estado suspender o pagamento de água e eletricidade, as empresas de água e eletricidade ficarão sem dinheiro para cumprir as suas obrigações – será apenas espalhar o mal pela sociedade.

    Nada poderá ser resolvido a não ser que o Estado tenha o poder de criar dinheiro a partir do ar.

    • FMSá says:

      Boa tarde,
      Aquilo que se apresenta como proposta é de curto prazo. O sector (e sub sector) em questão na crónica está a ter e vai ter nos próximos tempos receitas zero. Com receitas zero não vai pagar nem IVA nem IRC. Logo, sem qualquer medida já o Estado ficará sem receita. Mais, sem apoios, estamos a falar de 400 mil trabalhadores directos e mais de 300 mil indirectos (fora as respectivas famílias) que vão para o desemprego (aumentando brutalmente as despesas do Estado). Não é espalhar o mal, é estancar uma desgraça. Sem apoios estas empresas vão para a insolvência, que ninguém se iluda.
      Por sua vez, no caso da electricidade (EDP) estamos a falar de uma suspensão do pagamento dos contadores e taxas e taxinhas no referido período em que estão fechados, não estamos a falar de suspensão de pagamento de electricidade consumida (que nem sequer existe neste período pois estão encerrados). O mesmo se diga no tocante a água.
      O financiamento terá de ser, também, europeu. E algo me diz (não fiz essas contas mas não será difícil de fazer) que, mesmo assim, no fim será menos do que aquilo que foi injectado na banca…
      Finalmente, repito e sublinho, estamos a falar daqueles que foram obrigados a fechar, que não estão a ter qualquer receita e que, no caso do sector dependente do turismo e similares, dificilmente terão mercado nos primeiros meses após terminar o Estado de Emergência.
      Obrigado.

    • Paulo Marques says:

      Descobriu o que o PCP anda a dizer há décadas… se calhar dá jeitinho poder criar dinheiro, afinal.
      Claro que também podemos esperar pelo BCE para depois pagar em suaves prestações ao longo de meio século. Correu bem na Grécia.

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