Viagem ortográfica à Idade Média

Nas escolas, está afixado o documento que podeis ver na fotografia, com a tripla chancela da República Portuguesa, do Serviço Nacional de Saúde e da Direcção-Geral de Saúde.

Nesse mesmo documento, ao alcance de milhares de alunos, podemos ver que a mesma palavra, ao que tudo indica, surge grafada de duas maneiras diferentes: “antissética” e “anti-séptica”.

Nos documentos emanados das chancelarias medievais, também era possível assistir a este fenómeno das duplas grafias, numa época em que a ortografia era, tal como hoje, uma utopia, ou seja, um não-lugar, uma inexistência.

O Estado trata, como se vê, a ortografia a pontapé, mostra aos jovens a sua ortografia pontapeada e penaliza os jovens que fizerem o mesmo num exame nacional.

Haverá sempre a possibilidade de que a maioria dos jovens não tenha visto a oscilação gráfica deste cartaz, mas, entre os que viram, podemos adivinhar três grupos:

1 – os que viram “antissética”, única forma aceite pela Infopédia;

2 – o que viram “anti-séptica”, forma rejeitada pelo AO90 mas presente num documento oficial, sendo que o Priberam aceita “antissética” e “antisséptica”, com a particularidade de a segunda ser a única possível no Brasil (os anjos cantam a uniformização ortográfica);

3 – os que viram as duas formas, o que os poderá levar a pensar que vale tudo. Na verdade, quem poderá dizer o contrário, se a própria República Portuguesa escreve assim?

Mais duas notas a caminho do fim, que a confusão já é grande e a novidade é pequena:

1 – o Vocabulário Ortográfico Português aceita “antissético” e “antisséptico”, mas não perde tempo com portugais e brasis, o que for, será;

2 – um dicionário em papel que prefira “antissético” irá remeter para “antissepsia”, o substantivo que não perde P, perdendo o hífen, o mesmo substantivo que ficará afastado da família de palavras a que pertence?

Tudo isto, senhores, não é ortografia, é ribaldaria – rima, mas é outra coisa. A confusão não reside, portanto, apenas na oscilação entre a grafia de 1945 e a de 1990; a confusão está vivinha no interior do próprio AO90.

Comments

  1. Professor B says:

    Estas formas são como os medicamentos genéricos, vêm de fornecedores diferentes, isto é, distribuidores diferentes.

  2. POIS! says:

    Pois o que eu lhe digo,

    é que estou muito cético em relação à efetividade dos antisséticos. Deve ser porque me detetaram um desvio do seto que me causa muita afroncta.

  3. Julio Rolo Santos says:

    É óbvio que estes avisos deviam passar pela sensura para se evitarem as gralhas mas, quem não as dá? É mais fácil detectar (detetar) as dos outros do que as nossas. O autor da gralha, não será um prof. ? Por mim, está perdoado o autor da gralha.

    • António Fernando Nabais says:

      Toda a gente comete erros. É mais fácil detectar os erros dos outros. Todos os que erram merecem perdão.
      Os erros devem ser corrigidos. O AO90 é um erro e é fonte de erros. Só não vê quem não quer.
      Errar é humano, mas insistir no erro é diabólico.

    • João Peneda says:

      Pois, sr. Júlio Santos, a “sensura” é um grave problema, ou devia dizer um gráve prublema?

  4. Manuel M. says:

    Notável artigo. Nefando instrumento que amolga a língua dia após dia.

  5. Professor B says:

    Essa malta do AO90 escreve com os pés. Uns usam a trivela, outros preferem de letra…

  6. Julio Rolo Santos says:

    É verdade, sr. João Penedo, censura e não sensura eis a questão. Já se vê, que no melhor pano cai a nódoa

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