O Index e a nova Inquisição

Quem nunca ouviu aquela boa velha linha, que vai mais ou menos assim: “só dás valor às coisas quando já não as tens”? Eu já ouvi, várias vezes, em vários contextos e por vários motivos. A propósito dela, da boa velha linha, há algo que, em certos países, se está a perder. Um algo ao qual talvez não estejamos a dar o devido valor, e que, suspeito, estamos em risco de perder. E não é um algo qualquer. É o jornalismo, um dos pilares que sustenta o edifício das sociedades democráticas. Mais ou menos independente, a morte do jornalismo profissional é uma tragédia para a democracia. E está a acontecer. Aqui e agora, na União Europeia dos direitos humanos e da liberdade de expressão.

O jornalismo pode morrer de muitas maneiras. A mais comum e eficaz é a morte por autoritarismo. Chame-se o que se lhe quiser chamar: autoritarismo, nacionalismo, democracia iliberal ou totalitarismo. Ou o bolsoliberalismo evangélico, subespécie alternativa e ainda pouco estudada, que destrói o jornalismo ao mesmo tempo que cria páginas no Facebook e no Twitter, com pastores evangélicos que pregam o criacionismo e a teologia da prosperidade, através da qual burlam a ignorância e compram bons helicópteros. Com mais ou menos porrada, mais ou menos exploração, vai tudo dar – literalmente – ao mesmo.

Cá na Europa chamamos-lhes democratas iliberais, que isso de fascistas já não existe, e não se podem dizer essas coisas sobre gente tão distinta como Viktor Orbán ou Boyko Borisov, donos e senhores de partidos-membros do mesmo Partido Popular Europeu dos nossos PSD e CDS-PP. É como o racismo em Portugal: não existe. Temos fascistas, tipo a Le Pen, Salvini e Wilders, mas esses estão em países capazes de criar cordões sanitários e fechar acordos improváveis para aniquilar as aspirações da extrema-direita. No caso em que a eficácia do cordão não se verifique, o politicamente correcto trata de converter o fascista em ultraconservador ou similar. Já pela Península Ibérica, outrora imune a tais fenómenos, as forças conservadoras estão a ter cada vez mais dificuldades em resistir ao canto da sereia franquista e do coelho-anão salazarista.

Temos o Putin, é verdade, mas esse, ao contrário dos restantes, está fora do guarda-chuva da “pax americana” e tem os seus próprios nukes. E quando digo próprios, aqui é mesmo literal. O gajo está no poder há 20 anos, há-de estar mais uns tantos e faz tudo às claras, porque, em princípio, poucos arriscarão fazer-lhe frente. Controla tudo com rédea curta, nenhum governo ou conjunto de nações tem os ditos no sítio para lhe bater o pé, e não tem problema algum em mandar um “profissional” a Londres, para que todos saibam que ninguém se pode esconder do czar (RIP Litvinenko). No fundo, o sonho molhado de todos os “iliberais” europeus.

Não havendo Vladimir Putin, temos um Viktor Orbán, bom amigo do czar. Há quem diga que, tal como outros fascistas, perdão, iliberais europeus, recebe propina. É mais fraquinho – e ainda bem – (ainda) não lhe são conhecidas instruções para eliminar adversários políticos, como acontece recorrentemente com Putin, mas isso parece-me mais o fruto do ambiente hostil que rodeia a Hungria, não na vizinhança mais próxima, mas na União como um todo, do que do modus operandi de quem governa autocraticamente como Orbán.

A imprensa não subserviente é falsa, um inimigo e um alvo a abater. A única fonte de informação honesta, sem deturpações, é a informação produzida pelos apoiantes ou militantes dos partidos no poder. Na última década, segundo a BBC, empresários ligados ao Fidesz compraram a maior parte da grande imprensa nacional, despediram jornalistas e editores incómodos, e instauraram a unanimidade na imprensa, agora sob a batuta de um ministério da propaganda informal. E quem não se rende, nem se deixa comprar, é perseguido, encurralado, engolido e cuspido pelo sistema, que, ao contrário daquilo que propagandeiam os trumps deste mundo, adora os trumps deste mundo. Mesmo os pequeninos, como o parrachito que temos por cá.

No caso do histórico jornal digital Index, que não é o primeiro, nem o segundo (ou sequer o terceiro), bastou que Miklos Vaszily, um desses magnatas do sistema anti-sistema, ligados ao partido e ao próprio Orbán (não, não é só em Portugal que a extrema-direita anda a partir pão com alguma da nata empresarial que quer um Estado pequeno, mas que anda de mão estendida desde Abril), adquirisse uma posição de 50% na empresa da qual dependiam as receitas de publicidade que mantinham o Index à tona. Seguiu-se o despedimento do incómodo (para Orbán) editor Szabolcs Dull, que foi seguido, em sinal de solidariedade, por cerca de 70% da equipa daquele jornal digital. Como esta história acaba é fácil de perceber.

A ver vamos, se ainda vamos a tempo de dar valor àquele tempo em que tínhamos uma imprensa livre, onde nenhum assunto era abafado, até porque havia sempre um repórter da CMTV em cada esquina, e todos podíamos falar livremente. Ou, melhor ainda, se vamos a tempo de a salvar do autoritarismo populista da trumposfera, por cá representada pelo Voldemort neofascista. Porque a democracia, tão democrática que ela é, permite que esta gente se faça eleger. Essa gente, contudo, tudo fará para que essa mesma democracia nunca mais volte a funcionar para os seus adversários. Valha-nos o paradoxo de Karl Popper.

Comments

  1. Filipe Bastos says:

    Estamos “em risco de perder o jornalismo”? Às vezes penso se o João Mendes escreve a sério ou manda estas larachas para provocar, tipo o Osório. Vamos supor que é a sério.

    Onde tem andado, João? Onde é que ainda vê jornalismo? Vai para uns 20 anos que só vejo, não leve a mal a linguagem, spin doctors, capachos e putas. Falo de Portugal.

    Não há jornalismo em Portugal. Há a voz do dono, agora o PS, repartida e repetida por várias TVs e jornais falidos. Ou ainda não reparou que a máfia do PS manda nisto tudo, a começar pelos merdia, e que estes branqueiam o governo e o Bosta?

    Depois devem obediência aos mamões e DDT, a começar pela Banca. Sem dinheirinho não há palhaços. E depois têm lá uns estagiários e freelancers, a recibo verde ou recibo nenhum, que copiam (mal) jornais estrangeiros. Eis o ‘jornalismo’ português.

    Fascismo? Extrema-direita? Olhe à volta: acha mesmo que é esse o nosso maior problema? Quem manda no Estado? Quem faz as leis, quem ‘gere’ os nossos impostos, quem os estoura à tripa-forra, quem nomeia e adjudica, quem corrompe e é corrompido, quem saltita de tacho em tacho, quem enterra o país… quem nos chula, rouba e goza há 45 anos?

    • POIS! says:

      Pois vá lá!

      No jornalismo, pelos vistos não há chulecos. Deve ser por falta de lucros. Há males que vêm a bem. Da Nação.

    • Paulo Marques says:

      Assim só por acaso falta o partido das ordens de facilitadores e o partido dos subsídios à caridadezinha.
      Mas como é que sabemos? Porque o jornalismo ainda não morreu.

      Mas pronto, é verdade que personagens como Portas, Júdice, MST ou Mendes passam as semanas a defender o PS, só há o problema da oposição “responsável” não ter programa porque este era o dele – é por isso que há menos críticas, porque, como diz, os donos estão bem assim, e criticar o modelo europeu é impensável.

  2. Os tadinhos sentem-se incomodados porque há notícias que lhes desagradam e os jornalistas reportam opiniões que os incomodam.

    Do monótono lero-lero do corretês não se queixavam os farsantes!

    • POIS! says:

      Pois temos de reconhecer!

      Que é de gente da cravadeira de JgMenos que este mundo necessita como de caviar para a boca.

      Como diria o seu homólogo gaulês JijêMoins, numa bem sentida homenagem: “Est-ce que vous trouvez un sujet donné trop compliqué ou trop complexe? Consultez JgMenos e il vous montrerá que tout est pain pain, fromage fromage!”

    • José Peralta says:

      Ó “menos”:

      “Os tadinhos sentem-se incomodados porque há notícias que lhes desagradam e os jornalistas reportam opiniões que os incomodam”

      Quando mandas estas bocarras, nem te lembras que elas se aplicam “generosamente” a ti !

      Não há duvida que és um tadinho incomodado por postagens e opiniões que põe a verdade a nú.

      Se não te apercebes disso, então que “adjectivo” mereces ?

      Vou “insultar-te” !

      ÉS UM TIPO “EXTREMAMENTE INTELIGENTE” !

      Desculpa lá o insulto, ó “menos”…

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