Leis e multas, a pseudo-solução do costume – agora com agravante

É um filme que se repete a cada novo problema. O governo em funções faz uma lei, define multas exageradamente altas e considera-se o problema resolvido.

Todos os governos têm recorrido a esta pseudo-solução. O governo de Costa, sendo reincidente, dá agora um passo além da habitual sonsice do faz de conta.

A ideia de colocar em lei a obrigação de instalar software no telemóvel pessoal faz lembrar o pior de regimes totalitários como a China.

Além das questões da eficácia desta tecnologia, há duas questões profundas associadas.

Por um lado, trata-se da entrada da vigilância estatal na esfera privada. Vamos ver até que ponto funciona a democracia em Portugal, já que Costa, por si só, não conseguirá fazer passar esta lei.

Por outro, a app Stayaway Covid, como todas as outras do género, usam as API da Apple e da Google, conforme se use iPhone ou Android, sendo os dados recolhidos e processados por estas duas empresas. Nenhuma delas indica o que é que fazem com esses dados. E o software por elas usadas não é open source, o que invalida verificações independentes.

Na prática, uma lei vai obrigar a entregar dados pessoais a empresas privadas e estrangeiras, sem que se saiba o que é feito com eles e sem o controlo nacional a que a lei portuguesa e europeia obrigam (RGPD, por exemplo). Se isto não é um problema grave de proteção de dados pessoais, nada o será.

Há uma enorme diferença entre se fazer uma campanha a convencer as pessoas a utilizarem a app de livre vontade e fazer uma lei a tornar obrigatório o seu uso.

Se já havia entradas camufladas na constituição de um Estado de vigilância (por exemplo, quando se colocaram os consumidores a registar as suas próprias facturas e a denunciar quando estas não foram registadas pelo comerciante), este passo deixa de ser um namoro ao autoritarismo, para passar a ser um acto, ele mesmo, de autoritarismo.

Este governo passou uma linha que não é ultrapassável num regime livre. Veremos se temos oposição à altura.

Comments

  1. Luís Lavoura says:

    a app Stayaway Covid, como todas as outras do género, usam as API da Apple e da Google, conforme se use iPhone ou Android

    Desculpe uma pergunta de quem não sabe nada da matéria: e os telemóveis da Huawei? Que eu saiba, esses (pelo menos os mais recentes) não usam software de iPhone nem de Android. A StayAwayCovid não pode ser instalada nesses telemóveis?

  2. Luís Lavoura says:

    Não se deve dar demasiada importância a esta pseudo-proibição que o governo pretende erigir em lei. Na prática, jamais haverá polícias na rua a pedirem a um cidadão o seu telemóvel e a verificar se a app está instalada nele. Ou seja, haverá uma lei mas não haverá controle dela.
    Durante o confinamento, eu todos os dias saí para a rua para ir trabalhar, de manhã e de tarde, e jamais vi algum polícia a controlar quem andava na rua ou o que nela andava a fazer. A proibição de andar na rua era somente teórica, na prática ninguém a andava a controlar.

  3. POIS! says:

    Pois é uma burrice de todo o tamanho.

    Que não me surpreende. Há pouca ou nenhuma inteligência política no staff costal. Volta e meia lá vem asneira da grossa.

    Em tempos de populismo galopante é um erro de palmatória engendrar uma medida completamente absurda que vai dar de bandeja aps populeiros o que eles mais gostam: uma causa em que é fácil manipular as emoções, onde não há “nuances” nem zonas cinzentas, ou se é a favor ou contra.

    Assim tipo manifestações anti-pedofilia dos chegófilos.Quantos haverá que se manifestem a favor da pedofilia?..Aqui é quase a mesma coisa.

    Por essa Europa fora, sempre que a epidemia recrudesce aparecem mais umas medidas. A imaginação começa a escassear.

  4. Por mim, vou ignorar esta aplicação da treta, ilegal e invasora da privacidade, tal como vou ignorar a mascarilha ao ar livre. Eu sei que os caramelos acreditam que o C-19 tem asas e que anda aí a voar, mas, caraças, o que é demais, é mesmo demais.

  5. Paulo Marques says:

    É curioso que toda o argumento mais usado continue a ser a invasão de privacidade quanto ao uso, quando quase todos os queixantes têm continha no Fakebook que não só viola a privacidade, como a directiva europeia sobre a transmissão de dados. Ai e tal, é o governo, quando estiveram, e estão, caladinhos quando as leis anti-terroristas permitem-lhes muito mais informação, a eles e aos intermediários.
    Mas, enfim, de facto, é inaceitável, e também impraticável. Como se fiscaliza? E quem n tem telemóvel, incluindo crianças e adolescentes? E se não houver bateria ou não se ligar o BT, serve para quê? E, hmmm, pequeno promenorzinho, já há alguma indicação de que tem efeito significativo? Principalmente quando centros de saúde, privados, e outros médicos não têm acesso ou não sabem utilizar os códigos?
    Fazer coisas por fazer coisas, se a mesma app que desse um desconto na gasolina, tínhamos 20000000 de instalações amanhã e estava resolvido.
    Nada disto se aplica ao uso de um pedaço de tecido para não contaminar os outros.

    • j. manuel cordeiro says:

      É uma grande diferença entre usar-se de livre vontade ou ser imposto pelo Estado.

      • Paulo Marques says:

        Está perdido, mas está lá, e sem ironia.

        “Mas, enfim, de facto, é inaceitável”

        • j. manuel cordeiro says:

          Certo, tinha visto. Talvez haja quem tenha apps como o FB instalado e agora reclamem desta intromissão inaceitável por parte do Estado. Para esses, se a intromissão for de privados, está tudo bem. Enfim, mais valia ficarem calados. Mas é como diz, é de facto inaceitável.

  6. Filipe Bastos says:

    Como o Paulo já disse, há quem guinche sobre a privacidade quando é o Estado; nunca quando são os mamões privados que a violam.

    E a carneirada entrega-lhes os dados com um sorriso. Qual RGPD, qual carapuça: sabem o que mudou na prática? A praga dos alertas no rodapé dos sites. Aceite ou recuse, vai dar ao mesmo. É só mais um clique, mais uma chatice para quem não guarda cookies.

    Dito isto, claro que a imposição xuxa da app é parola e revoltante. Só por isso a app devia ser boicotada. Aliás, muita coisa devia ser boicotada, a começar pelos impostos. Entregá-los a esta escumalha pulhítica é como deixar um gato a gerir as latas de whiskas.

    • Paulo Marques says:

      Boicote-se tudo e fique cada um por si com as empresas a fazer o que lhes apetece com o vazio deixado pelo estado, enquanto a economia e o clima colapsam. O que é que poderia correr mal?

      • Filipe Bastos says:

        O boicote não é ao Estado: é à escumalha que o gere e representa. É a esta partidocracia tachista e corrupta, onde uma classe de inimputáveis faz o que lhe dá na gana.

        O Estado não somos todos nós; é mentira. O Estado é quem o gere. Temos um Estado chulo, desonesto e prepotente, porque quem o gere também o é. A ‘gestão’ e o exemplo vêm de cima. Somos meros plebeus a saquear.

        Como uma pescadinha de rabo na boca, só a classe política pode tornar o Estado mais probo e a democracia mais directa; e é precisamente a classe pulhítica que jamais o permitirá, para não perder o poder e a mama.

        Que podemos fazer? Boicotar e malhar. Não votar. Votar muda nada. É escolher entre bosta, poia e trampa.

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