Crónica do Rochedo 39 – Vai ficar tudo bem…

Recentemente, num daqueles momentos alucinados normais na nossa política, o Governo anunciou um plano (escondam a carteira) para investir 43 mil milhões até 2030 em infra-estruturas, o pomposamente chamado PNI 2030.

A apresentação foi em outubro de 2020. Eu pensei que teria sido em 2019 mas não, foi mesmo em 2020 e daí ser a coisa mais alucinada que vi nos últimos meses, o que não é fácil. Em outubro de 2020 já estávamos perante a 2º vaga da pandemia COVID-19. Em março de 2020 escrevi várias “Crónicas do Rochedo” aqui no Aventar sobre a desgraça que estava a caminho em vários sectores da nossa sociedade só por causa da queda com estrondo do turismo, fruto da pandemia. Em março.

Neste momento, os piores cenários estão a ser revistos. Para pior. E no que se dedica o governo (não só o Português, o de Espanha está no mesmo registo)? Em políticas de treta. Metade da verba (virtual…) vai ser aplicada em investimentos na ferrovia, transportes e mobilidade. Temos o desemprego a crescer de forma violenta. Temos sectores da economia em que se contam pelos dedos as empresas que se podem safar (hotelaria, restauração, turismo e similares), temos a pobreza numa escalada sem precedentes e querem apostar em infra-estruturas como o novo aeroporto do Montijo ou TGV Lisboa-Porto? Era cómico se não fosse trágico.

Vamos ter um novo aeroporto mas não temos postos de trabalho. Vamos ter uma ligação rápida de comboio entre Lisboa e Porto mas não temos como alimentar milhares e milhares de famílias. É uma obscenidade. E não se pense que estou aqui a culpar o governo. Não, culpo o governo como culpo a oposição e até a sociedade portuguesa que não se levanta contra esta estupidez. Se não há dinheiro para apoiar a manutenção das empresas e dos postos de trabalho, daquilo que realmente cria riqueza e sustenta uma sociedade, temos dinheiro para obras faraónicas? Não temos dinheiro para sustentar um SNS eficaz, para termos um ensino publico de qualidade, para termos serviços básicos com mínimos de qualidade mas temos para obras de regime? É isto que se oferece dizer aos nossos responsáveis políticos no tocante ao investimento a realizar até 2030? Infra-estruturas? É isto que apresentam a um país onde todos os dias, todos, vemos empresas só no sector do Turismo e da Restauração e similares (só o Turismo significa 15% do PIB e ainda falta somar quanto vale, em PIB, a restauração e similares) a fechar as portas e ainda não terminaram nem os programas de Lay-off nem as moratórias, agora imaginem quando terminarem…

Segundo os dados existentes (PORDATA, 2019) em Portugal existem 698.540 funcionários públicos e cerca de 4,2 milhões de trabalhadores no sector privado. Se é verdade que os primeiros pouco ou nada sofrem, economicamente, com a actual pandemia já os segundos, na sua esmagadora maioria ou já sofrem ou estão a caminho de sofrer. São estes que ou viram as empresas onde trabalham a fechar de vez, ou estão em lay-off ou estão a sentir na pele o que é ver o mercado a desaparecer. São os pequenos e médios comerciantes, os pequenos e médios profissionais liberais. Como são os trabalhadores por conta própria, as micro/pequenas e médias empresas. A resposta a todos esses está a ser dada com uma ilusão a que chamam PNI2030.

Seria caso para rir se não fosse demasiado grave.

 

Comments

  1. … 2º vaga da pandemia COVID-19.

    Já não existe “pandemia”. O mais recente “estado de emergência” (tcp Época Especial de Caça Presidencial aos velhos e velhas) tem como objectivo:

    4.º

    Fica parcialmente limitado, restringido ou condicionado o exercício dos seguintes direitos:

    a) Direitos à liberdade e de deslocação: podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia,

    • POIS! says:

      Pois é!

      Depois de uma atenta leitura da eloquente prosa aqui em boa hora bostada pelo conhecido e louvado epistologo-hermeneuta vozinhaazerodecibolos, cuja escrupulosa exegese exige consideráveis conhecimentos de semiótica estilistica apenas ao alcance de uma mão-cheia de especialistas capazes de dissecarem a sua proeminente profundidade, apenas suplantada pela do Canhão da Nazaré e só durante a maré alta, oferece-se-nos ousar, não sem risco, o seguinte comentário:

      Aah!

      Gratos pela atenção dispensada, e rogando indulgência por tamanho atrevimento, nos subscrevemos com enorme consideração e vénia perante a incomensurável genialidade de um vulto da colossal envergadura do colossal vozinhaazerodecibolos, apresentando os nossos melhores e respeitosos cumprimentos. ..

      A bem da Nação e da Natação,

      Assinemos, pois! ,

  2. Paulo Marques says:

    O que eu gosto dos defensores da eficiência da iniciativa privada é quão depressa correm para o estado quando o negócio lhes corre mal. Depois de serem avisados durante anos que o turismo eventualmente corre mal e centrar a economia nisso é querer estar sujeito a um colapso do dia para a noite.
    Tem, no entanto, razão que o investimento podia ser diferente, independentemente da ideologia política. Podia? Pois, podia, mas não pode, os tratados sobre qual também foram avisados não deixam. Ficam com mais dívida se quiserem para não serem concorrência proteccionista desleal.
    E cá estamos. É a vida, como diz o relatório do FMI que não me vou dar ao trabalho de procurar.

    • Paulo Marques says:

      Ah, e sem esquecer que estivemos todos fechados para que pudessem abrir e receber os bifes no verão dentro dos critérios dos outros países, senão é que não havia mesmo nada. Ainda por cima, são mal agradecidos.

    • Filipe Bastos says:

      Sendo justos, neste caso correm para o Estado porque é em boa parte o Estado que lhes inibe a actividade.

      Não são apenas os clientes que espontaneamente lá deixam de ir: são sobretudo as restrições impostas, bem ou mal, pelo governo. Algumas serão compreensíveis, outras menos.

      E a larga maioria são pequenos negócios e microempresas que geram o próprio emprego, não grandes mamões que – esses sim – estão sempre pendurados na teta do Estado.

      Abandonar tanta gente, gente que vive do trabalho, com esse seu desprendimento, para não dizer schadenfreude, não soa lá muito solidário. Tem a certeza que é de esquerda?

      • Paulo Marques says:

        “Tem, no entanto, razão que o investimento podia ser diferente, independentemente da ideologia política. Podia? Pois, podia, mas não pode”

        Em grande parte, o comércio realizar-se-ia na mesma se a procura fosse estimulada; não se deixava de mudar de frigorífico quando tinha que ser.
        A restauração e o turismo não ia haver milagres, é preciso pagar-lhes para fazerem outra coisa, que também não recuperam em 2021. Mas não se pode, a não ser nos tais grandes investimentos subsidiados.

      • Luís Lavoura says:

        Não são apenas os clientes que espontaneamente lá deixam de ir

        São sobretudo isso.

  3. Luís Lavoura says:

    Se não há dinheiro para apoiar a manutenção das empresas e dos postos de trabalho, daquilo que realmente cria riqueza e sustenta uma sociedade, temos dinheiro para obras faraónicas?

    Claro que sim. O dinheiro para apoiar a manutenção das empresas e dos postos de trabalho teria que vir do orçamento do Estado português, e não existe. O dinheiro para obras faraónicas vem de fundos europeus, e existirá. É tudo uma questão de origens. O dinheiro dos fundos europeus pode ser aplicado em obras faraónicas, não pode ser usado para apoiar a manutenção das empresas e dos postos de trabalho. É simples.

    • Filipe Bastos says:

      Existiria bem mais se não fosse estourado em obras faraónicas, suportadas apenas em parte pelas esmolas europeias, ou nas inevitáveis ‘derrapagens’, ou na mama da Banca, ou compras corruptas de submarinos e carros de combate, talvez para a futura guerra com a Albânia, o único país à nossa altura, ou em ‘festas’ mafiosas de Parques Escolares e Cagalhães, ou reformas douradas e geralmente antecipadas de muito chulo e muito mânfio, a começar pelo bordel paralamentar, ou PPP e Swaps criminosas, ou rendibilidades garantidas à conta do contribuinte, ou…

      Mas continuemos a delegar todas as decisões nesta canalha, sobretudo no Partido Sucateiro. Tem corrido tão bem…

      • Paulo Marques says:

        Tudo é faraónico hoje em dia, até ter hospitais ou comboios. Ou até manter o que existe em linhas e escolas.

  4. LUIS COELHO says:

    Estes e os outros todos são os contadores de estórias a quem democraticamente entregámos os nossos destinos depois do sonho do 25 de abril, que nos vão embalando com tretas e vivendo muito acima da média, á nossa conta!

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