Um olhar sobre a choldra em que vivemos…

Não me incluo nos que negam a existência do vírus, ou pior ainda, dos crentes na teoria conspirativa que consideram estarmos a ser vítimas de maquiavélico plano para instaurar um governo mundial.
Também não me revejo no abutre, ou cata-vento, como preferirem, que em Março defendeu uma revisão constitucional para encerrar fronteiras e decretar mais restrições e proibições do que aquelas que tivemos, no início de Novembro, ainda a tentar perceber a maré, se absteve na votação do estado de emergência, mas que ontem, apareceu na baixa de Lisboa, procurando retirar dividendos políticos dos que protestam pela destruição massiva dos seus rendimentos e negócios, provocadas por erráticas decisões políticas.

Vivemos em Portugal um choque cultural e civilizacional, de um lado, estão os que defendem um lockdown, em nome da saúde. A maioria dos que defendem esta posição, têm o rendimento assegurado no final do mês e sabem que no final da crise que atravessamos, com maior ou menor défice, mais ou menos sacrifício, o seu posto de trabalho está assegurado. Do outro lado da barricada, estão os que têm que sair de casa diariamente para colocar comida na mesa, para a sua família e trabalhadores que deles dependem, muitos catalogados de patrões ou empresários, desprovidos de qualquer protecção, ou rendas garantidas, porque também não oferecem jobs aos boys and girls que orbitam o poder político.
O Estado português, através do governo, decretou em Março, um conjunto de restrições, proibições e confinamentos às pessoas singulares e colectivas. Para permitir em Maio a reabertura de vários sectores económicos, impôs várias condições, algumas bem dispendiosas, como limitações à lotação, normas de higiene, distanciamento e controlo de temperatura. Sujeitas a fiscalização, coimas e até ao encerramento de actividade em caso de incumprimento. Alguns empresários optaram por nem reabrir, outros, confiaram no governo e cumpriram os requisitos. Alguns meses depois, eis que lhes impõem novo encerramento compulsivo, estejam ou não a cumprir o que lhes foi imposto. A sério, neste ponto, ainda há quem possa considerar o Estado português como pessoa de bem? O mesmo Estado que obriga os agentes económicos a pagarem IVA após emissão de factura em vez de emissão de recibo, mesmo que o cliente seja o próprio Estado, que frequentemente não honra o prazo de pagamento mas exige o escrupuloso cumprimento das obrigações contributivas.
Mário Soares afirmou um dia que os cidadãos têm direito a mostrar indignação. Muitos portugueses, o número tende a crescer, estão a manifestar-se. A reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa, que há um ano, era tida como plebiscito, talvez não seja o passeio que o chefe de Estado julgaria. Infelizmente para nós portugueses, o governo PS continua sem alternativa, já que o PSD de Rui Rio mostrou oferecer apenas alternância ao poder, esperando que lhe caia no colo, para nos oferecer mais do mesmo, mudando apenas as pessoas que ocupam os lugares de nomeação na administração, substituindo rosas por laranjas.
Uma palavra de apreço para o PCP e Jerónimo de Sousa, insuspeito que sou de simpatizar com os comunistas, reconheço-lhes a verticalidade de não estarem subservientes ao politicamente correcto e após terem com inteira justiça, organizado a festa do Avante, pretenderem agora realizar o Congresso do partido. Que não cedam, ao contrário da agremiação da Dª Catarina, para quem pelos vistos, nem todos os empregos têm o mesmo valor e mostrar até ao momento, completo alheamento pelo sofrimento dos trabalhadores do comércio e restauração. Talvez lhe seja mais oportuno reaparecer apenas quando alguma cadeia de hotéis ou restaurantes despedir funcionários, sempre dará para protestar contra o capitalismo.
À crise, pretende o governo responder com a chamada bazuca, que mais não é que apostar no investimento público. Energias renováveis, resgates de empresas públicas, com a TAP à cabeça, TGV e aeroportos, irão oferecer rendas garantidas a banqueiros e empresários cúmplices e amigos, que irão empregar nos seus quadros familiares e militantes que serviram o poder. A conta do regabofe, no final acabará por ser paga pelos suspeitos do costume…

Comments

  1. Paulo Marques says:

    É bonito ver um liberacho vir desresponsabilizar a acção individual de quem se enfiou num negócio sobrelotado e insustentável sem manter uma reserva financeira. Gente que se vem queixar que as contas por baixo da mesa lhe dão menor apoio, e que agora o estado tem o dever de sustentar tal eficiência.
    Coerência acima de tudo, António. Sabe bem que fundos europeus não se usam no que se quer, mas, enfim, a sua escolha selectiva de factos continua igual.
    E, por falar em selectividade, não minta:
    «São precisas também políticas públicas, porque estamos a pedir a alguns setores da economia e a alguns trabalhadores um enorme sacrifício, porque ficam sem atividade e já vamos em nove meses sem atividade normal para setores como a restauração, o turismo, cultura, o desporto, enfim, tantos setores» – Catarina Martins

    Tem razão sobre alguma sobranceria da elite opinativa em relação a ficar em casa, mas há limites sanitários para os próprios negócios; de nada adianta deixar andar que para o ano não nos enchemos de turistas perdendo o controlo. Aliás, foi mesmo para poderem facturar no verão que o resto teve a liberdade restringida, por isso não me venha com beicinho.
    Quer mais intervenção directa na economia, seja coerente; mas isso no mercado único, bem, temos pena.

    • Filipe Bastos says:

      Para alguém de esquerda, continua com uma empatia curiosa para com pequenos e micro negócios que se limitam a sobreviver. É que soa mesmo a Schadenfreude.

      Só para perceber, como não seriam “sobrelotados”: se reduz a lotação e a facturação… despede pessoas, aumenta preços? Bitoques a vinte euros? Com estes salários?

      “Reserva financeira”: fala a sério? Em negócios que vivem de mês para mês, após um ano desastroso?

      OK, não é sustentável: que outra actividade sugere então para estes largos milhares de desempregados? Telemarketers? Webdesigners? Emigrantes? Conselheiros do Banco de Portugal? Funcionários públicos?

      • Paulo Marques says:

        Ó meu deus, homem, estou a contrariar o Almeida com a sua própria ideologia. Se for autista ainda percebo, senão é embirração.
        Que outra actividade? Uma que o país precise para aumentar o bem estar e a felicidade de quem trabalha, decidida em planos gerais pelos governos; e, aquando da crises de emprego como a que agora se inicia, trabalho temporário que seja necessário fazer a nível local, desde limpeza de matas e das ruas, levar compras a idosos, ensinar cultura, pintar muros, … conforme a comunidade decida, precise, e seja produtivo e mantenha os trabalhadores empregues e integrados – e que não sejam reformas do currículo para alimentar mais rentistas. Mantêm-se assim prontos a saltar para o privado mal a coisa passe.
        http://www.jobguarantee.org/

        Alimentar indústrias que não sustentáveis que fragilizam a economia do país e nas quais os outros pagam os custos é a resposta fácil e errada.

    • António de Almeida says:

      Paulo Marques,
      Utilizei os restaurantes como exemplo, poderia ter falado em bares, restaurantes, discotecas, comércio, não faltam exemplos.
      -Falências sempre existiram e devem continuar a existir, fazem parte do risco de quem investe e nada a opor. Conheço dezenas de restaurantes que foram moda há alguns anos atrás e entretanto agonizaram ou encerraram. Também conheço os que se adaptaram, apesar de terem a determinada altura passado por dificuldades.
      -Em todos os casos, o que distingue o sucesso do fracasso é sempre a decisão do consumidor e assim deve continuar. Já me dei ao incómodo de sair da A1 a caminho do Porto, para almoçar na Bairrada. Porque gosto do produto que ali vendem e não o encontro noutro lugar. Só como exemplo.
      -O que não pode acontecer é ser o governo a determinar o encerramento de qualquer negócio, desde que as regras de funcionamento tenham sido cumpridas. Pior ainda, quando lhes exigiu um caderno de encargos, que foi cumprido e mesmo assim os encerra por decreto.
      -O Estado não é pessoa de bem, não se comporta como tal. Além de determinar o encerramento com a consequente perda de facturação, continua a exigir o pagamento de vários impostos e contribuições.
      Ou considera que micro e pequenas empresas podem sobreviver com moratórias e recurso a linhas de crédito? Sabemos quem sai sempre a ganhar, os rentistas do costume.
      Tudo isto foi um disparate colossal, o populismo agrade…

      • Paulo Marques says:

        É sempre a decisão do consumidor e do gorila de 400 kg com muito mais poder de mercado… Embora na restauração nem tanto.
        Não pode, excepto na choldra que é… o mundo inteiro que não seja a terra do Trump e Bolsonaro, certo? E, como esta proibição parcial não vai resolver nada, vamos juntar-nos aos outros países países que não quiseram ser autoritários (excluindo a sorte e competência neozelandesa, principalmente a primeira) para não haver deslocações no natal, será a humanidade um esgoto sem regras?
        Os estados não existem só para garantir que se pode apostar com o dinheiro das pessoas para o depositar no Panamá e garantir que a mão-de-obra só tem direito a protestar fora do horário de trabalho para conseguir comer todos os dias. Nem tão pouco só para fechar as pessoas em Maio para que alguns pudessem facturar no Verão. Se voltasse a haver erupção dum vulcão, ou fossem detectadas falhas em mais aviões, bem, também não se podia impedir voos e ficava à escolha do cliente?
        E, por falar nisso, como vai a resolução da auto-regulação da Boeing?

      • Paulo Marques says:

        E, desculpe lá, há vários empresários que se queixam que os apoios dependem das obrigações que não cumpriram. Bem sei que o neoliberalismo gratifica o xico-espertismo individual, mas há limites para a empatia. Ainda para mais de quem trata como gado quem lhes dá a ganhar.

      • Albino Manuel says:

        Oh palerma, António de Almeida, o que é que o embate de uma pandemia tem a ver com a oferta e procura em tempos normais?

        Eu praticamente não entro em restaurante, tasca ou cantina. Nada que ver com um ano atrás. E não tem nada a ver com a qualidade do restaurante.

        Esperemos que apanhe o bicho, que precise de uma UCI e lhe digam que o hospital está cheio. Uma missa cantada pro defunctis na Lapa e está feito.

        É pena mas é o que é, a malta do Porto consegue ser mais provinciana, mais pedra lascada, que a de Vila Nova de Foz Coa. E se uivam…

        • Paulo Marques says:

          O AA vai com o cartão da IL à Luz Saúde a mostrar o apoio, mas mando-no para o SNS a correr na mesma.

          • António de Almeida says:

            O António não tem cartão da IL. Em tempos filiou-se na JC (actual Juventude Popular) e durou por lá 2 meses…

          • Paulo Marques says:

            Não estava a ser literal; pode-se queixar-se do estado à vontade apesar da ditadura, mas se precisar, bem que é recambiado para ele.

    • Paulo Marques says:

      E não é que a histérica doida continua?:
      «
      Esta manhã eu e a Isabel Pires reunimos com a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal. Sabemos que a pandemia obriga a medidas restritivas, mas estas têm de ser acompanhadas por apoios.

      Os anúncios do governo estão mais focados na recuperação e menos na sobrevivência do setor no imediato. Mas o tempo da recuperação ainda não chegou. A pandemia está longe de ultrapassada.

      Agora é tempo de prevenir falências e desemprego. Quatro propostas para o momento que vivemos:

      Os apoios devem ter em conta as perdas face a 2019. Compensar as perdas deste mês face a este ano não tem sentido, porque vamos já em 9 meses de perda.
      O governo tem de desenhar um plano de redução das rendas. 90% das empresas do sector da restauração pagam renda, e neste momento vivem com 50% a 100% de quebra e não têm capacidade continuar a pagar rendas por inteiro.
      Medidas de apoio fiscal imediata. As medidas extraordinárias apresentadas pelo governo, como o Ivaucher, são medidas de recuperação e o que o sector precisa neste momento são de medidas para sobreviver. A recuperação virá depois, quando a pandemia estiver controlada.
      É urgente simplificar o acesso aos apoios, para que possam chegar rapidamente às micro e pequenas empresas. São elas a maioria das pastelarias, cafés e restaurantes essenciais nos nossos bairros, ruas, comunidades.»

  2. Rui Santos says:

    . Se este governo seguisse as acção dos países evoluídos da União no combate à pandemia, estaríamos hoje com 1 ou duas dezenas de infectados e meia dúzia de óbitos, tal como existe na Alemanha, Inglaterra ou França….

    Mas o artigo é a conversa da treta habitual onde tudo é culpa do governo, pelo que não fez e por aquilo que se propõe fazer branqueando por completo a responsabilização individual daqueles muitos que se marimbaram para regras a seguir..

    Esta crise resolvia-se se estivesse à frente do executivo cozinheiros mafiosos que julgam estar a limpar as baratas e rataria de restaurantes para um qualquer programa TV.

  3. Filipe Bastos says:

    Não entendi esta parte: “Mário Soares afirmou um dia que os cidadãos têm direito a mostrar indignação”.

    Óbvio que têm direito; nesta choldra têm até o dever. Porquê citar tamanho truísmo, e logo do Mário Chulares?

    Se calhar o Al Capone afirmou que a chuva molha; ou o Pablo Escobar afirmou que amanhã vem depois de ontem. Ambas são verdade, mas não vejo a relevância de citá-los.

    • abaixoa padralhada says:

      Continuas sem enganar ninguem, fachistoide !

      • Filipe Bastos says:

        Óptimo, padralhada: faço muito gosto que todos saibam como desprezo o Mário Chulares.

        E desprezo mais ainda, calcule, os otários que lambem o cu a tão mafioso ‘pai’ desta partidocracia podre.

        • POIS! says:

          Pois será que…

          O “Chulares” não teria “um lado bom”? Por favor esclareça-nos, que em matéria de “lados bons” o Sr. Bastos é uma autoridade.

          • Filipe Bastos says:

            Um lado bom do Chulares… até onde se sabe, não era assassino nem pedófilo. Era só chulo e mafioso.

            Nesta canalha pulhítica já não é mau. Nada mau.

  4. Júlio Rolo Santos says:

    O que está a matar a nossa economia é o facto dela ter assentado essencialmente no turismo e, numa situação inesperada como a que se está a assistir, o colapso era inevitável. O que há a fazer é reconverter o comércio e a industia noutras atividades que tenham outra procura no momento atual. Já há quem o esteja a fazer e com sucesso. É preciso ser criativo e não passar o tempo a lamentar-se por falta de ajudas que dificilmente chegarão.

    • Paulo Marques says:

      Só quem se manifesta é que leva alguma coisa; afinal de contas, quem fica sem tecto não lhe adiante ser criativo.
      O problema é que estamos enterrados num discurso onde os estados não podem fazer nada, mas têm que acudir a todos; ou mais parvo, têm que acudir só a quem produz para não vender a quase ninguém durante mais um ano, como se o mundo pudesse voltar ao mesmo na mais suave crise mundial dos próximos tempos.
      E se um gajo aponta que isso não dá, é porque quer que todos morram à fome, invés de que se repense o país. Enfim.

  5. Filipe Bastos says:

    Tem o Paulo certa razão quanto às “indústrias não sustentáveis que fragilizam a economia do país e nas quais os outros pagam os custos”, e quanto à urgência de repensar o país.

    O problema são três:

    1) Colocar fé e confiança nos governos, o que com os governos que temos é de loucos, sobretudo este gangue sucateiro.

    2) Mesmo que esta classe pulhítica quisesse e soubesse repensar o país, o que não sabe nem quer, Portugal é pequeno, dependente e pobre: há muito que não pode mudar sozinho.

    3) A alegria com que se condena tanta gente à miséria e desespero, pelo pecado de terem o seu negócio. Se só cá ficassem negócios ‘sustentáveis’ 90% do país falia amanhã.

    Admita, Paulo: fossem funcionários públicos, onde iria a fúria e o pranto. Como são privados – e ‘patrões’ – é aguenta, aguenta.

    • Paulo Marques says:

      Bom, com o que resta sendo tudo eurófilos à espera de amanhãs que chovam do neoliberalismo, só resta a alternativa de cooperativas locais, mas precisavam de capital quando está tudo encharcado em dívida.
      Eu não condeno à miséria, quem os condenou foi quem lhes vendeu a ideia de que não ia acabar mal e continua a vender a ideia que a culpa de não correr é dos outros – que passou dos extremistas da esquerda para os extremistas anti-mortes e problemas graves de saúde. Só quero que percebam que a teoria do sucesso individual é uma treta, porque tudo depende mais da sorte e da aldrabice do que da competência. Isto não é para dizer que não têm a última, é para dizer que muitos outros também tinham, ficaram pelo caminho, e ninguém quer saber, apesar de poderem ter sido eles.

    • Paulo Marques says:

      Se fossem os funcionários públicos, o pranto é por serem, por muito que não se queira, a base de tudo funcionar, desde educar as pessoas a mantê-las saudáveis para produzir, e não é possível que seja de outra maneira (só num estado que financie sem se preocupar tanto com o défice, mas o dinheiro sai do mesmo lado em maior quantidade e com menos controlo). A fúria é por quem quer faz com que o estado funcione mal vir pedir que lhe salvem a sua propriedade e continue a pedir-lhes cada vez menos em troca.

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