As falsas equivalências de um PSD em avançado estado de venturização

Foto: João Miguel Rodrigues@Jornal de Negócios

Há quem esteja a tentar minar a discussão pública sobre aquilo que se está a passar nos Açores, recorrendo a falsas equivalências para desviar os holofotes do cerne da questão, que é o acordo entre a maior força política portuguesa e um partido de extrema-direita, herdeiro do salazarismo, com uma ala neonazi e ligações às principais forças neofascistas europeias.
É disto que estamos a falar, não de outra coisa. Da legitimação da extrema-direita por forças democráticas. Da extrema-direita das castrações químicas, das remoções compulsivas de ovários, das fake news, das assinaturas falsas aquando da formação do partido, do albergue de antigos militantes de organizações neo-nazis, dos negacionistas da ciência e das alterações climáticas, dos teóricos da conspiração, da fábula anti-elites, financiada pelas elites, e das infindáveis contradições e mortais à retaguarda daquele cujo nome não deve ser mencionado, mais a verborreia virtual e as tiradas xenófobas e racistas. É isto que está em causa. É este o cerne da questão. Foi a isto que o PSD de Rui Rio se rendeu.

O caso é de tal forma grave, que a primeira tentativa de cordão sanitário à direita surgiu através de uma carta aberta, assinada por um último reduto de liberais e conservadores com os ditos no sítio, que continua a colocar a democracia acima dos interesses pessoais, partidários e governativos, algo que Rui Rio foi incapaz de fazer. E isto diz muito sobre o que se está a passar. E sobre o “banho de ética”, prometido por Rio.
Mas vamos por partes: em primeiro lugar, não é, nem nunca foi a legitimidade de construir uma caranguejola que esteve em causa. Em lado nenhum. A democracia representativa é para todos, incluindo para quem a quer destruir (como é o caso de “nós sabemos quem”), e todas as soluções, no quadro da legalidade constitucional, são absolutamente válidas e legítimas.
Tal constatação não nos impede de fazer uma outra, que é assinalar o contorcionismo político daqueles que, no longínquo ano de 2015, afirmavam estar perante um golpe de Estado, explodindo diariamente em indignação ao longo de semanas, meses, perante a “venezuelização” do regime português e outras parvoíces. Presumo que, a menos que tenham entretanto perdido a espinha dorsal, o que não admiraria, considerem que Rui Rio é o novo Maduro, e que classifiquem o acordo à direita de usurpação, totalitarismo ou golpe de Estado, se bem que é muito mais divertido assistir a argumentação jardim de infância do “é bem feita”, “toma lá que é para aprenderem” ou “vocês não fizeram igual?”. Porque, é bom não ter memória curta, não foi à esquerda que natureza da democracia representativa foi renegada. Foi à direita.
Mas nada disso interessa. Porque aquilo que está em discussão, aquilo que alarma, não é a aliança parlamentar que a direita construiu, e que levanta agora críticas à esquerda e também entre a direita que não se vergou perante extrema-direita salazarista. É a legitimação de um partido que afirma, categoricamente, que pretende derrubar a ordem constitucional, substituindo-o por aquilo que apelida de IV República, que mais não é que um eufemismo para um regime autoritário, como temos assistido nos países governados pelos seus pares. Porque nem o PCP, nem o Bloco, nem nenhum outro partido do hemiciclo, que se saiba, pretende rasgar a Constituição e submeter o Estado de Direito democrático à decapitação, como o ayatollah Bannon sugeriu há dias. É o Chega quem tem esse objectivo. Portanto não, não é a mesma coisa.

Comments

  1. Filipe Bastos says:

    E os comunas a dar-lhe. Não é uma falsa equivalência. Nesta partidocracia, é uma equivalência normal.

    Nunca um partido comunista ou sucedâneo tinha assomado ao ‘arco da governação’, esse eufemismo pífio do Centrão Podre que nos desgoverna há 40 anos. Eram as regras: valia tudo menos extremos. PCP e Berloque são vistos como extremos.

    Ao quebrar as regras para salvar o pote e o tacho, o Bosta mudou tudo e legitimou a mais que previsível ascensão do Chega.

    Chamar fascista e nazi ao Chega é, isso sim, uma equivalência que soa falsa e que vos sai pela culatra: toda a gente dirá que o passado do comunismo não vos permite atirar pedras.

    O Chega é uma mera colecção de broncos e tachistas; diz o que for preciso para chegar à teta. Basta ver o chuleco Ventura.

    Mais: eu também quero “destruir a democracia representativa”! Espero que muitos o queiram. Não somos fachos nem nazis: estamos apenas fartos desta farsa chula e corrupta.

    Precisamos de mais democracia, não menos, João Mendes. Uma democracia a sério – não esta dança de fantoches.

    • Paulo Marques says:

      E, no entanto, os partidos responsáveis continuam a apoiar mais ditaduras do que o PCP, apesar da retórica. E o Ventura “democracias iliberais”. Engraçado como o consenso funciona.

    • Francisco Amaral says:

      Os fascistas já não disfarçam.
      Este “Bastinhos” é um pantomineiro fascistóde…

    • Filipe Bastos says:

      Sabe bem, Paulo, que em pulhítica conta a percepção das coisas e não a essência das coisas. Há muito que o marketing tomou o lugar das ideias; a carneirada papa tudo.

      Somando a isso a ânsia dos tugas por ‘líderes fortes’, que os salvem da necessidade de pensar e decidir, é fácil perceber que o Ventura apostou na vaca certa. Teta garantida.

      Veja por exemplo o pobre Francisco Amaral aqui acima: o seu mundo divide-se em bons e maus, como o dos fãs do Ventura. É esta malta que vai sempre, sempre botar o botinho.

      • Paulo Marques says:

        Maus há muitos, que o sistema promove a psicopatia. Bons talvez, mas é mais saudável tratá-los como aliados temporários.
        Agora gente à espera que alguém sem poder mude tudo, há muita, só que uma revolução por abstencionistas é que nunca vi.

    • abaixoapadralhada says:

      Bastos

      “Chamar fascista e nazi ao Chega é” ??????
      Mau dizes tu.

      O que vale é que começam ja a aparecer aqui pessoas a topar-te e não sou só eu, a quem não enganas-te desde o principio.
      ” E os comunas a dar-lhe.”
      Só um facho como tu, diz isso

    • João Mendes says:

      Boa noite, Filipe,

      Quais comunas? Onde é que eles estão?

      António Costa tem inúmeros defeitos e responsabilidade directa sobre muita porcaria que aconteceu neste país. Legitimar a “mais que previsível ascensão do Chega” não me parece ser uma delas. Não foi Costa quem rompeu o cordão sanitário. Foi Rui Rio.

      “Chamar fascista e nazi ao Chega” não é a mesma que coisa que escrever “herdeiro do salazarismo, com uma ala neonazi e ligações às principais forças neofascistas europeias”, porque o Chega não é um partido nazi, mas assume a herança salazarista, recebeu inúmeros membros do NOS, a tal ala neonazi, e tem ligações às principais forças neofascistas europeias, que de resto não esconde. Antes pelo contrário.

      Passado de comunismo? Fala de quê? Não vos permite atirar pedras? Não nos permite a quem? A mim e ao gato que está ali a dormir no tapete? Está a falar de quê?

      Estão fartos da democracia representativa, um modelo teórico de organização de Estado, ou das pessoas que a dirigem? Porque – e não sei qual é o modelo alternativo que propõe – se acha que a corrupção vai desaparecer alterando a natureza do regime político, está a ser ingénuo.

      Já agora, que alternativa propõe?

      Efectivamente, precisamos de mais democracia, não menos. Uma democracia a sério, Filipe Bastos. Mas se quer uma democracia a sério, não é o modelo de organização da democracia, que funciona nas mais avançadas, que temos que mudar. São as pessoas e, sobretudo, o funcionamento da justiça e da regulação. A democracia representativa está longe de ser o problema.

      E depois explique-me lá essa do “comuna”, que eu fiquei sem perceber.

      Saúde!

      • POIS! says:

        Nos dias de hoje, ser de esquerda não é muito avisado. Não há autoridade moral. Infelizmente para a esquerda, qualquer que tal se intitule carrega imediatamente consigo toneladas de história, manadas de prisioneiros e resmas de defuntos. É melhor estar caladinho, fazer a sua vidinha e ficar por aí até por causa das moscas. Ainda aparece por aí um Nuno Melo, um Morais Sarmento ou um Sousa Pinto e um tipo pode até falecer de embaraço.

        À direita é tudo muito mais limpo. Muda-se de líder e fica tudo resolvido. Nazismo? Fascismo? Não estivemos lá. Regime de Vichy? Não fomos nós. Houve algum entusiasmo, mas foi “de juventude”. Franquismo? Já foi há muito tempo. Salazarismo? Guerra Colonial? Nunca aprovámos e, de qualquer modo, muitos ainda não éramos nascidos (ao contrário dos “esquerdas”, já que todos andaram nos copos com com o Trotsky, o Estaline e o Mao).

        E invasão do Iraque? Nunca aprovámos. Isso foi tudo no tempo do Blair, do Aznar e do Barroso. Eram outros partidos.Fomos sempre contra, embora, na altura, não parecesse. Armas de destruição massiça? Ah! Ah! Ah! Nunca acreditámos! Mas não se pode comparar com a herança esquerdista,até porque não houve mortes. Só danos colaterais.

      • Filipe Bastos says:

        O João não é comunista? Após ler muitas das suas crónicas estava convencido de que era. Lapso meu.

        O cordão sanitário sempre existiu, só os comunas não o viam. Estava à volta deles. Também nunca o viu?

        Passado do comunismo: falo da URSS, da China, do Cambodja, de Cuba, da Coreia do Norte, da Roménia, das muitas ditaduras ditas comunistas e suas práticas. Não conhece?

        Estou farto deste modelo de organização do Estado, e das pessoas que o dirigem. Proponho uma democracia, para já, semidirecta, com uma nova e referendada Constituição, e regras que protejam direitos básicos.

        O 1º problema são estas pessoas, mas o problema de fundo são os partidos, estes viveiros de chulos e trafulhas. Pessoas decentes nem lá entram; as que lá vão ao engano depressa saem enojadas ou são afastadas. Vê o problema?

        • POIS! says:

          Pois é!

          As pessoas decentes que se prezam são as que curtem a sua decência, assim quietinhas, ao solzinho, até ao fim da vida. Qualquer movimento pode ser fatal, como sabemos.

          Um vizinho meu, por exemplo, faleceu mesmo de pura decência.

          Primeiro deixou o emprego porque era chulado e trafulhado (embora tenha recusado um aumento de ordenado porque não quis ser misturado com reivindicações de sindicalistas chulecos).

          Depois deixou de sair de casa com receio de se cruzar com algum chuleco ou trafulha, principalmente o trafulha merceeiro e o chuleco padeiro. Como nunca arriscou a casar, porque abundam por aí resmas de chulecas trafulhas, só passadas semanas de maus cheiros alguém se interessou pela sua ausência: foram os chulecos da companhia das águas que vinham cortar o fornecimento por falta de pagamento.

          Como não deixou herdeiros, por ter cortado com os trafulhas dos irmãos e os chulecos dos sobrinhos, as decentíssimas poupanças de uma vida decente ficaram para os chulecos do Estado.

          Repousa no Purgatório porque o chuleco do S. Pedro lhe quis extorquir um Ato de Contrição. Por avareza, vejam lá o trafulha!

  2. Rui Naldinho says:

    O melhor serviço que o PSD pode prestar ao PS é aliar-se ao Chega, de Ventura.
    Com esta aliança nos Açores, já assumida como possível no Continente, o natural é a esquerda tornar-se cada vez mais calculista, o que nunca aconteceu no passado, pelo contrário, mesmo tendo vontade de mandar o PS às ortigas, tal como o fez no PEC IV, evitando a todo o custo entregar o poder de mão beijada ao PSD, que não se inibirá em ligar-se ao Chega, mesmo que seja num tímido apoio parlamentar.
    O BE, PCP, PAN e deputados independentes cerrarão fileiras em torno do PS, isto se as sondagens percepcionarem uma possível vitória do PSD.
    O PSD coadjuvado pelo CDS, com o apoio de Cavaco Silva e da anterior PGR, uma verdadeira laranjinha na Justiça, que pasme-se, só descobria mafiosos no PS, mas arquivava quase tudo o que era PSD, enfiaram um valente barrete com o aparecimento da Geringonça, destruindo a sua estratégia de manutenção de poder. Nunca imaginaram tal cartada, cujo Poder julgavam ficar a seu cargo por largos anos.
    Ressabiados, jamais perdoaram tal ousadia. A vingança veio na segunda legislatura, pós Troica. O futuro dirá se ficam a ganhar ou ficam a perder, mas cheira-me que este “casamento” vai acabar com que a família laranja se desuna toda, com alguns a abandonar o barco.
    Eu continuo a pensar, posso estar enganado, que o Chega apesar de ser um escarro, pode ser uma mais valia para manter o PSD afastado do poder. Admitindo eu que ainda existe uma direita civilizada.

    • Paulo Marques says:

      Pois, mas a eternização de Santos Silvas e Vieiras não é muito melhor, nem impede os facilitadores do PSD de fazerem pela vida enquanto esperam que o PS se torne inelegível para os eleitores.

      • Rui Naldinho says:

        O PS sofre há décadas de uma doença crónica. Querer ter uma mão nas Confederações Patronais e na Banca, tal como o PSD, e um pé nos Sindicatos, tal como o PCP.
        Enquanto o PS não perceber que o seu eleitorado potencial está inserido na classe média, com especial incidência nos trabalhadores do sector público e privado, com contratos de trabalho por tempo indeterminado, e num núcleo reduzido de pequenos e médios proprietários nas micro empresas, vai andar toda a vida com as calças na mão.

        • Paulo Marques says:

          Se com isso quer dizer que tem o seu eleitorado potencial em classes que faz para que desapareçam, concordo.

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