Chega, o filho bastardo do estado a que isto chegou

 

Disse Pedro Norton:

Quando os partidos tradicionais do nosso sistema político começarem a tratar o Chega mais como consequência do que como causa, ter-se-á iniciado a travagem do seu crescimento.

E isto fez-me pensar. Efectivamente, o Chega não é O problema (apesar de ser um problema), ou pelo menos não é a origem dele. O Chega, tal como outros epifenómenos idênticos, é uma consequência directa do estado a que isto chegou. Do Estado em permanente estado de desconfiança, que se funda na percepção, cada vez mais alargada, e não muito desfasada da realidade, da existência de uma enorme rede de corrupção instalada nos vários patamares da governação e da administração pública, que se cruza com a banca, algumas das principais sociedades de advogados portugueses, várias empresas e empresários e, claro, toda uma corja de políticos servis, que manobram a coisa pública a toque de caixa de quem lhe poderá, um dia, dar acesso à tal porta rotativa. De Lisboa até à mais recôndita freguesia deste país.

Porque o elevado nível de corrupção e impunidade percepcionado pelos portugueses não se esgota em Lisboa, onde todos sabemos muito bem como funcionam as coisas. Por todo o lado, cresce a indignação pela forma como inúmeras organizações e empresas públicas, câmaras municipais e juntas de freguesia são geridas. Sobre os seus desmandos e despesismos. Sobre as redes de tráfico de influências e negócios obscuros que gravitam à sua volta. Sobre a impunidade de como tudo isto na bate na trave da Relação, ou do Supremo, para não falar nas vezes em que não passa a barreira da primeira instância.

Portugal está, um pouco por todo o lado, refém destes focos de terrorismo social caciquista. E nada, nenhuma questão fracturante ou conflito cultural, oferece solo mais fértil para a ascensão de soluções autoritárias, como é o caso do Chega, do que a percepção de uma sociedade estruturalmente corrupta, feita de favores, compadrios e regras dobradas. O descontentamento irá, invariavelmente, parar a algum lado. E o discurso fácil, populista, feito de simplismos e demagogia, com um orador competente e sem escrúpulos a liderar, tem provado, ao longo das décadas, ser tremendamente eficaz. Até ao dia que se decide fechar os judeus num gueto.

A perda de confiança na política e nas instituições é a morte da democracia. E os principais responsáveis pelo problema estão ou estiveram no interior dos dois maiores partidos do “sistema”, que se recusam a implementar as necessárias mudanças legais, operacionais e administrativas para combater a corrupção e o Estado clientelista em que vivemos. Porque essa corrupção e esse clientelismo são precisamente aquilo que lhes permite controlar o aparelho do Estado, de São Bento à mais pequena das juntas de freguesia, perpetuando-se no poder.

Em suma, o Chega é só mais uma consequência do estado a que isto chegou, apesar de não oferecer mais do que mais do mesmo. Porque, no fundo, o que o Chega verdadeiramente quer é o controle deste monopólio, partilhado por PS e PSD. E sim, são estes dois partidos os principais responsáveis pelo estado a que isto chegou. E enquanto eles não quiserem resolver o problema, a consequência continuará a crescer.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    O Pedro Norton não diz nada que outros já não tenham dito e escrito sobre esse Ventura.
    Como é óbvio a expressão ganhou visibilidade por ser um personagem mediático, oriundo da direita moderada.

  2. POIS! says:

    Desculpe lá, ó João, mas encontro-o com alguma falta de visão e de paciência para estas coisas da stuação política a que se Chegou.

    Vejamos: porque é que o Dr. Rui Rio está com pressa de Chegar ao poder? Pois, quer lá Chegar para resolver os problemas que o João aponta, particularmente o da corrupção.

    Por Ventura não se recorda da forma exemplar como Rui Rio resolveu o problema do tráfico de droga no Porto? Ou sabe mas, por esquerdite dissimulada, não quis lá Chegar?

    Relembro a tática: primeiro acabou com os arrumadores de automóveis e pô-los a arrumar toxicoclientes no Aleixo. Quando o negócio (por falta de regulação capaz, diga-se de passagem) passou a estar monopolizado pelo Cartel do Aleixo, um dia meteu toda a gente dentro de um prédio de treze andares (o número não foi escolhido ao acaso, repare-se no valor simbólico) e depois de gritar “Tiiiimber!” em alemão, rebentou com aquilo à bomba. Foi remédio santo! Descontando os abundantes vapores saídos das chaminés do Bloco de Esquerda a droga, no Porto, acabou.

    Com a corrupção a coisa vai ser semelhante. Só falta escolher o prédio e a bomba. Parece que se está a pensar em Viana e no prédio Coutinho, já que, por Ventura, se matam dois Coelhos (mais uma vez, atente-se no simbolismo) de uma cajadada.

  3. JgMenos says:

    Plenamente de acordo!
    Há mais de dois anos que ando pelos tribunais porque um merdas de um cacique de freguesia resolveu fazer o frete a quem lhe fizera um frete…e naturalmente foi fazê-lo à custa dos outros…que sou eu.

    • Paulo Marques says:

      Já admites que és um frete? Progresso.

    • POIS! says:

      Pois a nossa solidariedade!

      As pessoas não sabem o que se passa, nem o Sr. Menos, por modéstia, o quer revelar! Mas nós investigámos a fundo este escândalo e aqui estamos para o denunciar publicamente.

      O presidente da junta, que é do Bloco, e que é casado com a Presidente da Assembleia, que é do MRPP, autorizou o tesoureiro, eleito pelo PCP, a construir uma capela dedicada a São Lenine e um assador de churrascos num baldio da freguesia. Em troca, o referido tesoureiro, que é casado com uma deputada de freguesia do “Livre” que, por sua vez, já foi mulher de um candidato suplente nas listas do MAS que depois casou com um militante do PAN que era canalizador e trabalhava para uma empresa do secretário da junta, que é dos “Verdes”, resolveu retribuir o frete entregando-lhe em troca uma manada de búfalos que pastava lá no baldio porque, por obscuros príncípios esquerdalhos, só faz churrascos de animais defuntos.

      Manada essa que pertencia ao Sr. Menos desde tempos imemoriais e que incluída vários búfalos com pedigree, alguns mesmo de família. Compreende-se assim a indignação de JgMenos que tem andado de tribunal em tribunal para reaver os quadrúpedes de estimação, mas sem sucesso.

      Só num país assim dominado pela caciqueirada esquerdalha se poderia passar um escândalo destes!

    • abaixoapadralhada says:

      Negativo Sa Lazarento

      Autocriticas nesta altura ?

      És mesmo manhoso !

  4. Mas o problema principal na luta (eventual) contra a corrupção não se circunscreve à ilegal. Essa é relativamente fácil de combater pelos meios actualmente existentes, ainda que mesmo aí a coisa falhe clamorosamente. Mais grave é a corrupção legal, a que se desenrola ao abrigo da lei e das instituições ditas democráticas, deixando impávidos e serenos os supostos guardiões do estado de direito (seja o que for que isso signifique). Para lutar contra isso, não vejo ninguém avançar seriamente. Não há iniciativas de lado nenhum nem propostas credíveis nem da esquerda nem da direita. Porque será???????
    Não esbanjámos…….Não pagamos!!!!!!!!!!!

  5. Paulo Marques says:

    «Cada nova crise é a forma de se reconfigurar e ganhar novo impulso. Aproveita para se ver livre de uma velha ordem, para instituir uma nova, que é apenas a velha com a aparência de nova. Ventura é isso. Não é anti-sistema. É a sua reencarnação, por excesso, alimentando-se dos destroços, reforçando a ideologia neoliberal do mercado livre, de preferência, sem o estorvo da democracia. Não é essa a tendência de parte do mundo actual? Lideranças musculadas, autoritarismo nacionalista e quanto menos democracia melhor para o capital circular à vontade? Existe lá maior distopia do que ver hoje potências como a China, EUA, Rússia, Brasil ou Índia enunciando grandes diferenças, mas expondo tantas semelhanças?»

    Vítor Belanciano, in Público

    Corrupção há em todo o lado; basta olhar para a Alemanha e pensar no DB, na VW, ou nos contractos militares. Ou ir investigar o que fazia o mais maior grande português de todos os tempos. Mas também é preciso destingir entre isso e contractos com quem se conhece e confia, porque as elites são sempre muito mais pequenas do que se pensa, independentemente do país, e, portanto, há sempre algum conhecido ou familiar nalgum lado. E é também efeito do consenso de que a sociedade não existe e é cada um por si para sobreviver, pelo que esta gentinha se sente legitimada na chico-expertisse. E, se no fim, até fazem obra…
    Não é fácil. E certamente também não é resolvido por pôr uma cruzinha em quem jura a pés juntos resolver tudo com a força do querer.

  6. Filipe Bastos says:

    Desta vez concordo com o João Mendes, que aliás só constata o que estamos carecas de saber, mas ao contrário de si não choro a ‘morte da democracia’. Porque não é a democracia.

    É um modelo de democracia que teve o seu tempo e utilidade, mas ambos já passaram. Após as monarquias terá sido uma evolução. Hoje é um peso que nos impede de evoluir.

    O poder corrompe, o amiguismo, a cunha e o compadrio tornam-se endémicos, nada disto é novo. O exemplo vem de cima. Todos lemos a velha e célebre citação sobre os políticos e as fraldas. Mas nesta partidocracia só há fraldas sujas.

    PS e PSD nunca irão ‘resolver o problema’, da mesma forma que a Camorra nunca irá dedicar-se a trabalho honesto. Se o crime lhe dá poder e fortuna, porque o faria? Moral? Masoquismo? Estão-se nas tintas para a moral e não são masoquistas.

    Temos de ser nós a obrigá-los, João. Temos de tomar parte nas decisões, temos de malhar nesta classe pulhítica. Temos de fazer-lhes a vida negra. Temos de correr com o joio, com os pulhas e os oportunistas, para poder aparecer algum trigo.

  7. João Paz says:

    A classe dominante permite e incentiva toda esta corrupção para que esqueçamos os salários DE MISÈRIA que nos entregam no fim do mês. A corrupção tem de ser combatida? Sem dúvida, com todos os meios ao nosso alcance. Mas se isso bastar para “passar adiante” que a maioria dos trabalhadores por conta de outrém recebe o “salário” mínimo que “serve” para SOBREVIVER mas não para viver, que os jovens licenciados neste país recebem entre 100 e 300 euros a mais que esse “salário” Que as reformas são roubadas quer no montante quer na idade Que…,que…,que…,
    Bem! Engel na sua teoria Magistral da Filosofia de Direito poderia pensar que sim, que o que importa são as ideias Mas K Marx na sua “Crítica da Filosofia de Direito de Engel” mostra que há uma relação dialéctica entre as ideias e as condições materiais sendo prevalecentes as últimas.
    Por isso , na minha modesta opinião, é a miséria que reina e a
    Total ausência de perspectivas de sair dela que levam a que qualquer demagogo do tipo AV tenha o campo aberto. E, neste como em todos os casos anteriores a classe dominante dá-lhes apoio de inúmeras formas (Jornais, tvs, jantares em grande estilo para recolher “fundos” etc, etc,etc)
    Claro que a classe dominante só apoiará um qualquer BONAPARTISMO como forma de poder quando lhe parecer que pode dispensar a democracia (conquistada à custa de MUITAS lutas e muito sangue de quem trabalha como a história dos últimos séculos mostra sem equívocos) FORMAL ( a substância é infelizmente cada dia menor) para cumprir a função de manter quem trabalha açaimado.
    Entretanto é certamente dever de todos os democratas lutar contra o golpe ditatorial e as formas de que se revista.
    Não peço desculpa pela visão “radical” que proponho.
    É aquela que, para mim faz mais sentido.

  8. João Paz says:

    Por lapso referi por duas vezes o nome de Hengel como autor da Filosofia do Direito (talvez por alguma associação inconsciente a Federik Hengels que, neste caso, redundou em erro crasso. De facto trata-se do autor alemão Hegel (dialéctico idealista) Pelo facto peço sinceras desculpas.

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