Um país, duas realidades

Existe na sociedade portuguesa e não só, um debate entre os que apoiam e até defendem medidas mais restritivas em nome do combate à pandemia, versus os que lutam ou procuram contornar as mesmas em nome da economia. As posições estão extremadas, porque não se encontram todos no mesmo barco.
Quem trabalha no Estado, ou até mesmo nas grandes empresas nacionais ou multinacionais, sabe que no final do mês tem o vencimento depositado na sua conta bancária, não tem que se preocupar mais do que até aqui com o pagamento das despesas correntes e continuará com o seu posto de trabalho quando tudo isto passar, previsivelmente após a vacina entrar no mercado, o que levará ainda alguns meses para acontecer de forma significativa.

Não sei os números, mas estimo que entre restauração, turismo, hotelaria e PME’s que fornecem esses sectores de actividade, possamos estar a falar de algumas dezenas de milhar de pequenos e micro-empresários e centenas de milhar de empregados que delas dependem para pagar as suas despesas correntes. Costuma-se dizer que pimenta no cú dos outros é refresco, falar em sacrifícios para a sociedade, quando se está confortavelmente instalado, esquecendo os outros, não é sério.
Actualmente os governos não estão preocupados com o deficit, podem contrair dívida, mas sabem que a factura será apresentada mais tarde. Por isso António Costa já acenou com uma série de adiamentos no cumprimento das obrigações fiscais e pagamentos à segurança social, mas não isentou as empresas desses encargos. Tal como as moratórias não representam uma solução para os problemas das pessoas, varrem-nos para baixo do tapete. Depois ficam admirados com a crescente resistência às medidas restritivas, é que nem todos se deixam embalar e alguns sabem fazer contas. E também sabem o que a casa gasta, no final, quando tudo isto tiver passado, AT e Seg. Social e Bancos, irão penhorar contas bancárias e bens dos que ainda tiverem alguma coisa que possa ser penhorada, destruindo o que resta da vida a quem tanto sofreu. Ao passo que outros, os que agora vão mandando palpites que se deveria encerrar tudo, sofreram o incómodo de não desfrutarem das refeições e fins de semana fora de casa que pretendiam e até pouparam involuntariamente algum dinheiro.
Não, não estamos todos no mesmo barco. Dizem-nos os políticos que temos que nos sacrificar, que vamos ficar todos bem, mas no final, a pandemia não terá sido igualmente sofrida por todos.

Comments

  1. Paulo Marques says:

    Não, não foi igualmente sofrida por todos, nunca é, isso era socialismo e o mercado ficava logo a Venezuela. Por isso, há que pensar no futuro que deixamos aos nossos filhos com o plano nacional de os exportar para um país onde se possa não correr risco de ficar com problemas cardíacos só por sair de casa e que arda menos, que não há nada a fazer na terra dos preguiçosos.
    Ou não estivesse anunciado, por exemplo por Otmar Issing, que o que for gasto é para pagar já a seguir, e portanto, pagar às pessoas para ficar em casa durante um mês e pagar as contas ao capital durante o mesmo período não é compatível com um país pobre, mas honrado, à espera do pelotão da frente.
    O que vale é que esta coisa do empreendedorismo e da aposta na colónia de férias é uma aposta resiliente para o país e que resolverá facilmente todo o nosso despesismo mal se faça acordos para meter os intocáveis preguiçosos no sítio.
    Esses malandros da Ásia agora é que vão ver os benefícios das contas certas ignorando as pessoas. É agora.

  2. A linha divisória que o António refere, embora exista, não é a realmente fundamental, porque esconde uma outra, essa sim, a que de facto importa salientar. Falo da que separa a narrativa unanimista mainstream que engloba governos, media e corporações, da outra, constituída por um crescente nº de médicos, investigadores, especialistas, jornalistas sérios e associações que rejeitam o discurso oficial com base num alargado conjunto de evidências científicas cada mais incontornáveis. Exactamente porque o segundo grupo é que diz a verdade, tem sido sistematicamente boicotado, silenciado, censurado e até perseguido. Mas os factos estão a impor-se com crescente força e está a chegar a hora em que vai deixar de ser possível conter a maré. Nessa altura, o poder descredibilizado irá fazer o quê? Recorrer à força bruta? Mais descredibilizado ficará, necessariamente.

  3. Paulo Marques says:

    Podia ser pior, na comunista Austrália, o responsável pela região sul diz isto de alguém que faz pela vida mentindo sobre ter dois empregos:

    To say I am fuming about the actions of this individual is an absolute understatement. The selfish actions of this individual have put our whole state in a very difficult situation. His actions have affected businesses, individuals, family groups and is completely and utterly unacceptable.

    E ainda se queixa que isto anda disparatado por aqui.

  4. Filipe Bastos says:

    No geral concordo com o autor, sobretudo nesta parte:

    Quem trabalha no Estado, ou nas grandes empresas nacionais ou multinacionais, sabe que no final do mês tem o vencimento depositado na sua conta bancária, não tem que se preocupar mais do que até aqui com o pagamento das despesas correntes e continuará com o seu posto de trabalho quando tudo isto passar

    Críticos como o Paulo Marques convivem bem com isto. Não os choca que haja dois países, o público e o privado, e que o primeiro tenha sempre mais direitos que o segundo. Azar do segundo.

    Por outro lado, tem razão o Paulo nisto: o problema vai muito além do covidas, e ninguém o quer realmente resolver. Muito menos adeptos do ‘mercado’ como o Sr. Almeida.

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