Brandos costumes pidescos

Assinalou-se, na Quinta-feira, o Dia Internacional dos Direitos Humanos, e o momento não podia ser mais oportuno, na medida em que o país parece ter acordado para o estranho caso do cidadão ucraniano que foi espancado e torturado até à morte por inspectores do SEF, nas instalações desta força de segurança, no aeroporto Humberto Delgado. Uma bela forma de homenagear o resistente antifascista que dá o nome à infraestrutura.

Qual é o problema desta nossa indignação colectiva? É que já passaram nove meses desde que este atentado contra os direitos humanos foi perpetrado. E, com a excepção de algumas jornalistas, como Valentina Marcelino, Fernanda Câncio, Joana Gorjão e Daniel Oliveira, entre (poucos) outros, a opção pelo silêncio foi geral. Não tendo o caso sido abafado, pouca importância lhe foi dada nos headlines e alinhamentos noticiosos. As redes sociais, sempre implacáveis, não ebuliram como habitualmente acontece com casos de racismo, ou de tiradas xenófobas da extrema-direita. Um silêncio que envergonha, mais ainda por ter feito parte dele.

A classe política pouco disse. À direita, ninguém ousa ser interpretado como estando a afrontar as forças de segurança, temendo a ocupação chegana. À esquerda, até piou qualquer coisa, mas sem o entusiasmo de outras causas mais, digamos, fracturantes. Para não falar no Estado de Sitio, mais um, em que o governo Costa se viu envolvido, com o ministro Cabrita a protagonizar um momento embaraçoso demais para ser politicamente possível mantê-lo em funções. Provavelmente, a conferência de imprensa mais bizarra da democracia portuguesa.

Já Marcelo, Presidente, Comentador in Chief e candidato presidencial, que aparece, abraça, condecora e emite notas de pesar a torto e a direito, teve um momento raro. Ronaldo com covid? Marcelo ligou. Luís Pitarma tratou Boris Johnson? Marcelo ligou. Incêndios? Marcelo aparece como um foguete, distribuiu abraços e beijos, chegou mesmo a prometer a reconstrução da casa de um idoso que perdeu tudo, e que acabou por falecer, no ano seguinte, sem ver a promessa cumprida. Cristina Ferreira? Marcelo ligou. George Michael faleceu? Nota de pesar. Oksana Homeniuk? Nada. Não ligou à viúva, não emitiu nota de pesar, não fez uma menção. Marcelo – disse – não se quis envolver. Apesar de se envolver em tudo. Tudo. Excepto na tortura e homicídio de um cidadão ucraniano, em solo nacional, nas instalações de forças de segurança nacionais, às mãos de elementos dessas mesmas forças. Nem ponta de afecto.

A única consequência deste caso, nove meses depois, foi a demissão da directora do SEF. Parece que o sacrifício passa por enviar a Dra. Gatões para uma espécie de exílio em Londres, com salário de cinco dígitos, mas devem ser fake news. Já o ministro Cabrita sobreviveu a mais uma tempestade, escapando, ileso e fanfarrão, paladino dos direitos humanos, por entre os pingos de granizo. Um cidadão estrangeiro tenta entrar legalmente no país, é brutalmente assassinado por elementos das forças de segurança, o caso arrasta-se meses a fio, não rolam cabeças e, no final, fica tudo mais ou menos na mesma. Mesmo à Tuga.

Tudo isto é chocante, assustador, quase inacreditável, num dos países mais pacíficos do planeta. Para não falar na vergonha internacional e na dura machadada na credibilidade da democracia e do Estado de Direito em Portugal. Porém, num país onde juízes decidem a favor de violadores, crucificando as vítimas pela perversidade dos seus vestidos e decotes, ou onde a ditadura fascista parece conquistar o interesse de jovens sem noção, este tipo de desfecho começa a não surpreender. O que torna toda a situação ainda mais assustadora. Andamos a brincar com um fogo bem pior do que o do contrato do Novo Banco.

Comments

  1. Carlos Almeida says:

    Muito bem visto e escrito, João Mendes

  2. joão lopes says:

    demitir o Cabrita? com certeza,e tudo vai ficar na mesma,porque os tugas(uma quantidade cada vez maior),não querem saber de direitos humanos para nada,alias os tugas são tão egoístas e hipócritas que até o seu próprio património natural deixam destruir(o Tejo,por ex.),só para terem a porcaria de uma piscina.”Eu odeio Portugal”,foi o que disse a viúva,não esqueçam,nunca mais.

  3. Tal & Qual says:

    Ficaram todos calados exceto os supra mencionados porquê?
    Os visados eram da asa direita cá da tasca?

  4. Filipe Bastos says:

    Concordo com o João Mendes, mas ficou isto por dizer: o silêncio da brigada ‘anti-racista’ e ‘anti-extrema-direita’ deve-se, como é óbvio, à cor da vítima. A vítima é branca! É esse o seu pecado.

    Segundo a ideologia em vigor, aliás apoiada pelo João, brancos não podem ser vítimas: são eternos beneficiários de ‘privilégio branco’.

    Se o ucraniano levou cem pauladas, um preto levava mil. Se um branco passa fome e vive na miséria, um preto passava fome, vivia na miséria e mijavam-lhe em cima. O branco é sempre, sempre privilegiado. Nunca, nunca podemos esquecer isso.

    Daí o silêncio e a indiferença. O tipo era branco, a viúva é branca. Europeus. Irrelevantes. Meras distracções do que importa.

    Nunca podemos ser, João, distraídos do que importa: o racismo da Europa e dos EUA, os locais mais racistas do mundo. Ou melhor: os únicos locais racistas do mundo.

  5. Tás que nem um bode, ó Bastos! says:

    “Nunca podemos ser, João, distraídos do que importa: o racismo da Europa e dos EUA, os locais mais racistas do mundo. Ou melhor: os únicos locais racistas do mundo.”
    Conclui o mestre em multiculturalismo, que só há racismo na Europa e nos EUA.
    E prontos, falou o mestre de culinária!
    Nem o Quim Barreiros diria tamanha calinada.

    • Filipe Bastos says:

      Ou v. tem dificuldade em entender ironia, ou em entender Português. Inclino-me para ambas.

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