Sobre a miséria que alimenta o fundamentalismo religioso

Um destes dias estive a ver um episódio do Toda a verdade, na SIC, numa edição dedicada ao Paquistão. Num país onde reina a miséria, centenas (milhares?) de crianças trabalham desde tenra idade, nos fornos de tijolos, na periferia de Islamabad. Algumas têm 5 anos, nunca foram à escola e recebem uma miséria por turnos de 14 horas de trabalho duro, que compromete o seu crescimento e a sua saúde.

Trabalham porque os pais não têm dinheiro e mal conseguem pagar uma alimentação digna do nome, sempre a léguas dos padrões de decência mínima. E são alvos fáceis para os fundamentalistas islâmicos, que andam à pesca em locais como este, prometendo casa, conforto, comida e estudos, em troca de uma vida de obediência cega na madrassa, onde serão doutrinados na interpretação mais extremista da Sharia, com o alto patrocínio, como tantas outras, de oligarcas de estados poderosos como a Arábia Saudita.

Abdul Aziz Ghazi, iman ultrafundamentalista, que defende e prega a sharia na sua versão mais implacável e violenta, dirige uma dessas madrassas. O dinheiro “cai do céu” e o objectivo não podia ser mais claro: Abdul Aziz quer um exército de 1% de toda a comunidade islâmica espalhada pelo mundo, 15 milhões de homens bomba, para ser mais exacto, preparados para tomar o mundo de assalto em formato terror. Foi imã da mesquita central de Islamabad, esteve preso, saiu e foi para a sua madrassa, onde se dedica a doutrinar crianças pobres e esfomeadas na virtude do auto-sacrifício em nome de Alá. Nem por isso se oferece ele, em “sacrifício”.

Abdul Aziz é uma ameaça. Estima-se que 10% dos paquistaneses, cerca de 20 milhões de pessoas, ouve os seus sermões. Disse, sobre o terrorista que, em 2000, matou 14 pessoas em França, que, “se ele matou em nome do Islão, então é um mártir” com um enorme sorriso e uma satisfação estampada na cara, que não se esforçou por esconder. Ou não tivesse o terrorista, antes do atentado perpetrado, viajado até ao Paquistão, para se aconselhar com Abdul Aziz.

Sem papas na língua, admite querer abrir uma madrassa em França. Pegar no seu franchising e expandir para o velho continente, para cavalgar as indignações dos excluídos e dos revoltados. E dos doidos, que os há em todo o lado. Estaremos preparados? Ou agarrados a wishful thinkings utópicos, à espera da próxima desgraça? Em princípio não estamos. E como Estados de Direito laicos e democráticos, temos a obrigação de estar. E ser implacável com os centros de doutrinação disfarçados de mesquitas. A alternativa é continuar a estender o tapete vermelho à propaganda da extrema-direita.

Combater o fundamentalismo religioso nunca é uma tarefa fácil. Principalmente para uma democracia, naturalmente mais permissiva. E ainda bem que o é, porque as vantagens dessa nossa permissividade ultrapassam largamente os danos colaterais. E traz consigo a perversidade das vítimas inocentes, às mãos dos terroristas, dos monarcas absolutos e das forças de “libertação” ocidentais, como é o caso das crianças pobres que trabalham nos fornos de tijolos, da periferia de Islamabad. A maior parte deles, sejam paquistaneses, muçulmanos ou árabes de outra religião qualquer, querem ser livres, ou mais ou menos livres, como nós. Mas o sistema deles é o que é, e nós pactuamos com parte dele. Com os nossos Kim Jong-uns do Médio Oriente. Aqueles que fazem chover nas madrassas dos Abdul Azizs.

Comments

  1. Paulo Marques says:

    De mesquitas, e de igrejas evangélicas.
    Mas não dá, tinha que se acabar com segredos bancários, transferências opacas e demais coisas sagradas.

  2. JgMenos says:

    «as vantagens dessa nossa permissividade ultrapassam largamente os danos colaterais»
    Queixas, para quê?

    Se não se ilegalizar o ensino de alguns dos textos do Alcorão, como se pode reclamar de que haja extremistas?

    • POIS! says:

      Pois pois!

      E na Bíblia? Não haverá nada para ilegalizar? Ou legalizamos a caça ao prepúcio?

      • JgMenos says:

        A caça ap prepúcio não está proibida, ignorante!

        • POIS! says:

          Pois tá bem!

          Ficamos então a saber que V. Exa. se alimenta de prepúcios todas as quintas e domingos.

    • Paulo Marques says:

      O problema não é ilegalizar os textos, porque, como muitos outros, são históricos e metafóricos, é a promoção de violência com uso deles.
      E, estranho, esse politicamente incorrecto já é ilegal, a fiscalização é que é complicada. Não há dinheiro, sabe como é.

    • Paulo Marques says:

      Aliás, depois de tanto paleio sobre liberdade, não se percebe agora estar a favor de um estado forte a interferir na vida das pessoas. É quase como se tivesse uma agenda…

      • JgMenos says:

        Não te cansas de dizer cretinices.
        Os apelos à violência são crime já definido na lei.
        Aplicar a lei ou regulamentar a sua aplicação é função de qualquer Estado.

  3. Filipe Bastos says:

    É sempre feliz como lados aparentemente antagónicos podem ter ambos razão, sem jamais se aceitarem um ao outro.

    Como o Paulo diz, era acabar com os segredinhos das contas, das transferências, dos offshores, toda a opacidade financeira. Não só dos grandes: de todos. Acabar de vez com o tabu de quanto se ganha, quanto se tem no banco, quanto se herdou ou vai herdar… tudo, tudo às claras.

    E como o JgMenos diz, proibir a religião. Não apenas ‘alguns textos’: toda. Reduzir finalmente o Alcorão e a Bíblia às meras curiosidades históricas que deviam ser.

    Não podendo acabar com toda ao mesmo tempo, começamos pela Europa. Quer cá entrar? Então deixa a religião à porta. A começar pelo Islão, esse atraso de vida.

    • Diogo Costa says:

      És um estúpido. Gabares isso que és já me ultrapassa.

    • Paulo Marques says:

      E o que é uma religião? Acreditar no santo da terra é religião? Acreditar que o frio causa constipações é religião? Acreditar que o mercado livre é natural e composto por agentes racionais plenamente informados é religião? Acreditar na declaração universal dos direitos do homem é religião?

  4. Luís Lavoura says:

    o Paquistão … um país onde reina a miséria

    O Paquistão é certamente um país com muita pobreza e até miséria, mas não é um país onde atualmente a miséria reine. Já fez grandes progressos, embora certamente a Índia e o Bangladeche tenham feito mais. Não convém pintar o Paquistão atual com as mesmas cores com que se o pintaria em 1960. É um país muito progressivo.

  5. Luís Lavoura says:

    Dizer que o fanatismo religioso se alimenta da miséria é simplificar um bocado a situação. Veja-se que o fanatismo religioso também progride em Israel, apesar de nesse país não haver, propriamente, miséria e de as oportunidades de progresso material até serem grandes.

    • Paulo Marques says:

      Os judeus, pelo menos. Os árabes, nem tanto.

      • Luís Lavoura says:

        Exatamente, referia-me ao fanatismo religioso judaico.

        • Paulo Marques says:

          Tanto quanto percebo, a religião é desculpa para não receberem críticas. Mesmo em Israel há judeus decentes e críticos da situação, mas uma basta uma invocaçãozinha do holocausto para lavar e justificar a repetição do mesmo.

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