Estão à espera da invasão à Assembleia da República?

Foto: @adn

A invasão que manifestantes pró-Trump fizeram ao Capitólio esta semana devia, não só fazer corar de vergonha todos aqueles que defenderam o (ainda) Presidente dos EUA, com argumentos sobretudo económicos, mas também reflectir sobre a complacência que existe, em Portugal, do mesmo tipo de discurso que levou um apresentador de televisão à presidência da “maior democracia do mundo”.

Hoje, no Plenário da Assembleia da República, foi a discussão uma petição assinada por cerca de 9000 cidadãos contra conferências de extrema-direita em Portugal (num caso que remonta a 2019) e pela ilegalização de grupos de cariz fascista, racista e neo-nazi.

Entre vários argumentos, os peticionários usam a Constituição como argumento máximo para defenderem as suas posições, citando o tão badalado art. 46º/4 que proíbe, e cito: “associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.”

Na discussão, a deputada do PSD Isabel Meireles e o deputado do CDS-PP Telmo Correia fizeram um exercício puro de “whataboutism”, com repetição de soundbites como marxismo-leninismo, Estaline, extrema-esquerda, por aí fora, invocando a liberdade de expressão que a democracia deve albergar na sua totalidade.

Eu próprio já fui contra o art. 46º/4 e muito mais romântico do que sou hoje na defesa incondicional da liberdade de expressão e na ideia de que os discursos anti-democráticos devem ser derrotados no plano das ideias. Continuo a defender esta posição, mas percebo, com o avançar da onda perigosa que nos assalta, que a liberdade de expressão, aliás, como qualquer outra coisa, não pode ser um dogma, porque acarreta riscos, como aquele que vimos no Capitólio.

O filósofo Desidério Murcho diz, no podcast 45 graus, de José Maria Pimentel, que deve existir liberdade de expressão sim, mas com responsabilidade epistémica. Ou seja, deve haver limites para a liberdade de expressão sobretudo, não só baseadas na sua verdade factual e na possível propagação de mentiras, mas também quando está em causa a vida das pessoas. Porque a mentira mata, como matou na invasão ao capitólio. Até o paradoxo da tolerância de Popper assina uma linha vermelha.

E intervenções como as de hoje servem apenas o propósito de normalizar um discurso que cresce de uma forma perigosa. Não estava em causa uma discussão ideológica esquerda vs direita,  não estavam em causa as mortes que o regime totalitário de Estaline provocou. Estava em causa uma petição muito concreta, actual e que deveria ter sido defendida por uma direita portuguesa que, não só está a abraçar o Chega como veículo para o poder, como está a divorciar-se de causas sociais e humanas.

Não pode valer tudo para chegar ao poder. Não pode valer tudo para ser poder. E deputados como Isabel Meireles e Telmo Correia são aqueles que, se um dia Portugal vir um atentado como os Estados Unidos viram, irão morder a língua. Não é preciso chegarmos a tanto. Não esperem que a cegueira invada a Assembleia da República. Coloquem-se do lado certo da história.

Comments

  1. A única forma de derrotar a Extrema Direita é anular as suas causas, sendo a principal delas a incapacidade dos governos democráticos de combaterem a evasão fiscal das grandes empresas que têm lucros fabulosos operando no território aonde devem pagar impostos.
    A seguir vem a impossibilidade de proibir a evasão fiscal para paraísos fiscais.
    Não havendo dinheiro do Estado para acorrer às necessidades da sociedade, o povo revolta-se e vai atrás das miragens da Extrema Direita ou Extrema Esquerda, que lhes prometem boa vida mesmo sem dinheiro. Mentiras que o povo gosta de ouvir. Como dizia o outro “engana-me que eu gosto!”.

  2. Filipe Bastos says:

    O bordel paralamentar devia ser invadido. Todos os dias. Não por qualquer ideologia, mas por justa indignação.

    Até isso acontecer, esta classe de pulhas e tachistas inimputáveis nomeados pelo esgoto partidário a que chamamos ‘democracia’, na prática uma partidocracia podre, jamais se sentirá compelida a servir o povo que lhes paga o tacho.

    Nem era preciso invadir aquilo: esperá-los à porta com umas boas pauladas já faria milagres. Como não conseguem ter vergonha na cara, que tenham medo. Até terem medo nada vai mudar.

    Mas não se preocupe, César, não temos tomates para isso. Somos um país de carneiros e cornos mansos. Eles sabem disso.

    • Paulo Marques says:

      O problema é que a seguir eras tu, eu, e qualquer um que não concordasse com quem ganhasse a insurreição.
      Espero que se sinta com sorte que o Robespierre concorde consigo.

    • Filipe Bastos says:

      Não é insurreição; é moralização. E quando for eu a chular o contribuinte, a fabricar leis em causa própria, a traficar lobbies e compadrios, a servir mamões e a trair as pessoas, então acho bem que seja eu o próximo a levar paulada.

      Este regime podre precisa de uma vassourada. Se não formos nós a dá-la, acha que serão estes partidos? 45 anos de chulice, corrupção e impunidade não lhe chegam?

      Sempre a defender, a branquear ou a justificar pulhas, Paulo. Que raio de hábito.

      • Paulo Marques says:

        É insurreição, o senado/parlamento é uma instituição do estado onde é necessário civismo para decidir e não ceder à barbárie. Quer fazê-lo, faça no exterior, na rua, na internet, no voto ou num processo. Ou assuma as consequências por um golpe de estado sem plano.
        Já que gosta tão pouco de despesismo, o que acha que vai custar limpar todos os computadores e equipamento informático, bem como verificar as paredes por equipamento electrónico? Investigar que informação pode ter saído para as mãos de Putin, Xi, ou sei lá quem? Questionar todos os agentes pela falta de acção? Investigar, deter, julgar, e prender os terroristas? Pense, porra.

      • Filipe Bastos says:

        Insurreição, só no sentido de revolta contra a podridão instituída. Se a máfia controlar certa região, por ex. a Calábria, e a população se revoltar contra ela, a máfia também lhe chamará insurreição.

        Barbárie seria ter uma forca à frente do Paralamento. Não que alguns deputedos e governantes a não mereçam, ou que não fosse um aviso útil para outros, mas temos de ser melhores que isso. Basta umas pauladas.

        Lembra-se do tachista Assis há uns anos em Felgueiras? Está no Youtube, é uma delícia. Sobretudo os gritos de ‘chulo!’. Foi pelas razões erradas, como sempre, mas é assim que devem ser recebidos. Em todo o lado.

        • Paulo Marques says:

          Houve forca, e até houve bombas. Não foram lá para fazer festinhas, foram para matar; não tinham era plano, este foi confiado ao divino Q.
          Devia ler mais sobre Roma. O vale tudo, eventualmente, leva mesmo ao vale tudo, e não é preciso achar que estava perto do perfeito para perceber que se a cidade arder, estamos no meio. Ou no meio de guerras civis que levam tudo à frente.

        • Paulo Marques says:

          Já me esqueci; fora o resto, havia um voto, até da maioria que tanto gosta, cujo resultado se tentou invalidar à força .
          Mas, isso, insurreição? Pode lá ser. Não gosto do vencedor, não é legítimo, ao contrário da lei da selva.

  3. Rui Naldinho says:

    Vou repetir-me pela enésima vez, mas parece-me que algumas pessoas ainda não perceberam o que se passou em 2015. Falo no caso português, claro.
    A direita portuguesa habituou-se nos últimos quarenta anos a viver à pala de um certo anticomunismo, por vezes até primário, dum PS que paulatinamente se foi vendendo aos devaneios e delícias burguesas do capitalismo.
    Tudo começou com Soares, ainda antes da nossa entrada na CEE, passando por Guterres, mas foi Sócrates que quis ombrear com os grandes líderes europeus da Terceira Via.
    Uma via que se tornou num fiasco monumental, para os partidos ditos sociais democratas, filiados na Internacional Socialista, não os pseudo sociais democratas como o PSD e outros sucedâneos, por esse mundo fora, cuja globalização abraçaram de forma quase acrítica, sem filtros, sem perceberem que a correlação de forças, rapidamente tombaria para o lado das economias emergentes, por serem mais baratas, menos reguladas, menos respeitadoras do ambiente, mas acima de tudo, muito menos respeitadoras dos direitos, liberdades e garantias, dos cidadãos.
    António Costa teve um raro momento de lucidez, quando em 2015, perante o fraco resultado eleitoral do PS nas eleições legislativas e uma subida abrupta do BE, aceitou aliar-se à sua esquerda, com partidos que até aí, jamais estariam no seu rol de alianças políticas. Também é verdade que essa mesma esquerda aceitou ceder em boa parte de um conjunto de reivindicações de classe e ideológicas, que ficaram para lutas futuras. Quando as pessoas percebem onde está o seu verdadeiro inimigo, criar uma plataforma comum, mesmo que minimalista, torna-se muito mais fácil.
    A direita nunca aceitou essa deserção do PS para a esquerda, perdendo assim um dos seus grandes álibis. Culpar o PS por tudo e por nada.
    A direita sabia desde o primeiro dia, Paulo Portas foi de todos o mais perspicaz, que nos anos seguintes, pós Troica, que iria fazer um jejum de poder longo. O seu regresso dependeria muito mais de uma crise externa, do que da sua ação política.
    A monumental derrota nas autárquicas de 2017, deixou a direita ainda mais traumatizada, diante de uma realidade que a tornava de certa forma irrelevante. Não é por acaso que os OE se discutem no universo da Geringonça.
    Há uma direita que viveu o fascismo. Essa direita, não toda, interiorizou a democracia como o menos mau dos regimes. É óbvio que mesmo aí temos as Bonifácios, os Rui Ramos, …!
    Mas também há uma direita que nasceu pós ditadura, viveu sempre em liberdade, mas acha a democracia um regime oneroso, com custos sociais imensos, com direitos a mais para o seu gosto pessoal e elitista. Essa é a direita do actual PSD. A direita donde saiu André Ventura, e ainda hoje muitos dos dirigentes sociais democratas mais novos, como por exemplo, a bastonário da Ordem dos Enfermeiros, se revêm.
    O PSD é hoje um partido sem rumo. Refém das Confederações Patronais. Refém dos grandes grupos económicos, como se o resto do país não existisse. Fala da austeridade com júbilo.
    Vê as sondagens, mesmo com uma pandemia a fazer mossa no governo, a deixá-lo longe do poder. Vê o CDS, parceiro privilegiado de coligação, a definhar. Resta-lhe agarrar-se à IL e ao Chega, como a única hipótese lógica de chegar ao governo.
    O tempo nos dirá se esta estratégia não é suicidária.

    • CARLOS ALMEIDA says:

      Rui Naldinho

      Bem visto, como o costume.
      A direita no PPD/PSD, que foi herdeira do Marcelismo durante muitos anos, está em agonia, mas os valores que continuam a defender são os mesmos.

  4. POIS! says:

    Pois haverá que tomar medidas, César.

    No Capitólio, aliás já existem: foi instalado um semáforo à entrada que todos devem respeitar. Quando está vermelho aparece por baixo o aviso “Capitólio invadido. Não entrar. Para nova invasão, espere pelo sinal verde”.

    Nestas coisas tem de haver ordem.

  5. JgMenos says:

    Que ternura esquerdalha por aqui paira!
    Basta sacar o bastante a quem mais tenha ou produza para que tudo corra bem às mãos da matilha de esquerda!
    E pronto!

    A simplicidade é um descanso.

    • POIS! says:

      Pois pois!

      Já cá se tinha avisado que esses pequenos-almoços à base de feijoada de gambozino e chá de uvas provocavam muita azia. V. Exa. teima em não aceitar conselhos e depois dá nisto.

      Ah! E as pastilhas á base de rabo de bovino reciclado das touradas que V. Exa. utiliza também não ajudam. Até podem agravar.

    • Paulo Marques says:

      A riqueza só cresce nos ricos para o Menos e o Coiso. Os outros têm que procurar trabalho honesto para os servir, e, se sobrar, conseguir ir ao médico. É isto que querem.

  6. JgMenos says:

    Quanto aos acontecimentos no EU só diferem em relação ao que já cá vimos em 10 de Novembro de 1975 por nesse caso as massas estarem melhor pastoreadas; mas no assalto e roubo à embaixada de Espanha, ultrapassamos largamente os grunhos americanos pela esquerda!

    E quanto às mentiras perigosas; não querem ver que querem desarmar a esquerdalhada dos seus tesourinhos ideológicos?
    Temos tendências suicidárias?

    • British says:

      ´Não é nenhuma novidade vindo de um Salazarista, mas é bom que fique claro o teu apoio a Trump

    • Paulo Marques says:

      Quando corre bem, vitória da direita. Quando corre mal, culpa da esquerda.
      Previsível.

    • POIS! says:

      Pois, mas esqueceu-se de mencionar alguns acontecimentos igualmente importantes.

      E a morte do Conde Andeiro por uma turba de esquerdeiros? Que veio a dar origem, pouco tempo mais tarde, ao voo de Miguel de Vasconcelos, que foi identificado numa iluminura em flagrante a emprestar ao Mestre o seu canivete suíço, ao ver que a adaga que este empunhava estava fora de prazo.

      Teve azar, mas veio a ser reconhecido, mais tarde, como um dos pioneiros da aviação em Portugal.

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading