As costas largas da Geopolítica e os meandros de Costa

Nos anos de 2014 a 2016, várias cidades europeias foram palco de expressivas manifestações contra o TTIP, o acordo de comércio e investimento entre a UE e os EUA, que implicava a conformação massiva dos padrões europeus nas mais diversas áreas, desde a ambiental e laboral até à segurança alimentar, em função dos compromissos inevitáveis para a harmonização regulatória tão própria destes “acordos de nova geração”. E que ofereceria às multinacionais uma poderosa arma para submeter os estados aos seus interesses de lucro, o ISDS – um mecanismo que as dota de direitos especiais para processarem estados em tribunais arbitrais privados e, frequentemente, secretos. Uma “justiça” paralela VIP, apenas e só disponível para as multinacionais.

À data, um dos argumentos mais içados pelos paladinos do TTIP era o das razões geopolíticas e subjacentes alianças. Até que veio Trump, e o aliado, de repente, tornou-se num aflitivo palhaço desarvorado – e o TTIP foi mandado às urtigas.

Lá se foi a Geopolítica*, quedou-se mudo quem a alardeava.

Torna hoje esse voluptuoso conceito da Geopolítica a ser a principal invocação no discurso de António Costa ao Parlamento Europeu sobre o Programa de Actividades da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, em relação ao absurdo acordo UE-Mercosul.

Onde no TTIP havia Trump, temos neste acordo, entre outros, Bolsonaro. Mas, ao contrário de Trump, Bolsonaro está desejoso de finalizar este acordo que vai contribuir para acicatar a desflorestação, atacar a biodiviersidade, dizimar povos indígenas, intoxicar os solos, sufocar a pequena agricultura e arrasar o clima.

E porque a contestação ao acordo tem sido forte e diversificada, mas a Presidência Portuguesa fez dele uma prioridade sua, Costa falou da Geopolítica e lançou umas tiradas dignas da sua indiscutível argúcia negocial:

Mas o Atlântico continua a ser o nosso espaço e é por isso que, apesar do Reino Unido ter saído, temos de ter com o Reino Unido relações de grande proximidade. É por isso que temos de olhar com esperança esta nova relação com o presidente Joe Biden, é por isso que temos de celebrar o ellalink, ligando fisicamente, por cabo, a Europa, à América Latina, como elemento de maior importância, mas é por isso também que precisamos de um acordo com o Mercosul. Aguardamos aliás, as conclusões do estudo da comissão sobre o impacto ambiental deste acordo e sobre os passos a dar. Mas há uma coisa que eu gostaria também de dizer com toda a franqueza, porque é com franqueza que nós temos de falar: que ninguém queira esconder na floresta da Amazónia o metano produzido pelo gado europeu. Não, não podemos querer esconder na floresta da Amazónia aquilo que é verdadeiramente o proteccionismo de uma política agrícola que tem de ser ajustada com as prioridades da transição climática e dos valores ambientais. O objectivo ambiental tem de estar presente em todas as políticas europeias.”

Pergunto-me que pensar disto: “Não, não podemos querer esconder na floresta da Amazónia aquilo que é verdadeiramente o proteccionismo de uma política agrícola que tem de ser ajustada com as prioridades da transição climática e dos valores ambientais.”  ??

Aceitam-se interpretações desta magistral declaração.

 

*A palavra geopolítica não é uma simples contração de geografia política, como pensam alguns, mas sim algo que diz respeito às disputas de poder no espaço mundial e que, como a noção de PODER já o diz (poder implica dominação, via Estado ou não, em relações de assimetria (…).), não é exclusivo da geografia.

-Uma petição contra o acordo UE-Mercosul está disponível aqui.

Comments

  1. Paulo Marques says:

    A vaca voadora produz menos gases poluentes na Amazónia, mesmo tendo que vir de barco. Patetices de quem confunde proteccionismo com soberania e não se importa de ficar à mercê de que sejam bonzinhos connosco.

  2. JgMenos says:

    Ainda não foi desta que se ouviu o apelo à restrição dos consumos na Europa.
    Ainda tão só se requer o oxigénio brasileiro… à borla.

    • Paulo Marques says:

      Como se nível de consumo individual fosse chamado à questão. Para economista, fraquinho.

      • JgMenos says:

        Pois claro, os pópós não são consumo.

        • POIS! says:

          Pois não entendi!

          Os “pópós”? Não quereria dizer os “pipis”? Vindo de V. Exa. até que seria lógico.

        • Paulo Marques says:

          Quer financiar transportes públicos à China? Não? O défice assusta-o? Então esteja caladinho.
          Sim, há coisas muito mais poluentes, já lhe disse.

    • brasucaprobrasil says:

      JMenos

      Oxigénio brasileiro

      Para alem de facho também és Evangélico_Bolsonaro ?

      É muita coisa para um guarda livros

  3. Tal & Qual says:

    Muita conversa mas toda a gente quer a bifalhada no prato com batata frita…

    • Ana Moreno says:

      Muita conversa mas o planeta que se lixe, tal & qual.

      • JgMenos says:

        Consome menos, para começar.

        • Ana Moreno says:

          Isso é boa ideia, mas já a pratico há muitos anos. Só falta agora serem criadas as condições políticas e económicas coerentes com o abandono do insano crescimento infinito e com uma economia do bem comum. Só para ser dado um passinho, era bom agregar as externalidades ao preço dessa carne baratucha que tanto querem para cá trazer. A ver quem a compraria, ao preço que teria.

        • Paulo Marques says:

          E quanto consumo menos no pópó por cada passeiozinho de avião dos teus clientes, fofo? E quantos passeios de pópó são as importações “mais baratas” da China por barco? Quantos bifes mirandeses equivalem à soja brasileira?
          Dizia-te para ires pastar, mas nem para leite davas.

      • Tal & Qual says:

        Ana, quantos Kms já fez este mês com o seu carro ?

        • joao lopes says:

          toda gente sabe que isto está tudo lixado,nomeadamente para gerações vindouras,mas ninguém ou quase ninguém abdica do seu confortozinho.Exemplo:correria no natal para comprar carne barata,agora correria para fazer testes covid.consumir é consumir,produzir,ganhar muito dinheiro,e a comida,ela própria,cada vez pior.A agroindústria é uma vergonha

        • Ana Moreno says:

          Qual carro, tal e qual? É que eu não tenho.

          • Tal & Qual says:

            Já estava à espera dessa!
            E não come bifes, nem bacalhau, etc…

    • Paulo Marques says:

      Falar em acções individuais é desconversar.

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