Os independentes e o sistema

Quero começar por sublinhar que não me iludo com qualquer independentismo autárquico, ou não resultassem eles, tantas vezes, de cisões partidárias, de guerras entre caciques e das mesmas ambições desmedidas que conhecemos da política convencional. Não obstante, não pretendo embarcar em generalizações, até porque todos conhecemos casos de movimentos verdadeiramente independentes, feitos de cidadãos com uma ideia muito concreta para os seus municípios, que, numa democracia madura, devem ter o direito de apresentar projectos de governação local. A democracia, quando nasce, é para todos. Ou pelo menos devia ser.

Não admira, portanto, que, numa primeira fase, PS e PSD se tenham unido para tentar dificultar a tarefa destes independentes, procurando condicionar as suas liberdades civis e políticas. Porque são eles quem mais tem a perder, e porque os seus partidos, bem como parte significativa das suas bases, vive em exclusivo das redes de influência e do dinheiro que jorra das diferentes câmaras municipais, que garantem os lugares que mantêm as tropas motivadas, sem os quais os exércitos tenderão, naturalmente, para a extinção.

Astuto, o PS soube distanciar-se no momento certo, deixando a batata quente com Rio Rio, que, para ajudar à festa, decidiu declarar guerra contra Rui Moreira, transformando a hipotética vitória no Porto numa missão ainda mais improvável, a roçar o impossível. Mas o mal já estava feito e o PS já não lhe escapa. Porque, por trás desta movimentação, e desta nada estranha aliança com o PSD – com quem se junta sempre que o status quo é colocado em causa, como aconteceu com os debates quinzenais com o primeiro-ministro ou com as eleições para as CCDR – está o desejo de excluir potenciais adversários dos centros de poder que garantem e mantêm a hegemonia, ad eternum, dos dois partidos ditos moderados.

Esta tentativa de condicionar as candidaturas autárquicas independentes é tão grave, tão revoltante, que me vejo acantonado na mesma trincheira que João Miguel Tavares, que, no Governo Sombra desta semana, a propósito deste caso, fez uma intervenção que me pareceu muito acertada: estas movimentações, por parte do bloco central, mais não são do que a expressão máxima daquilo a que se convencionou apelidar de “sistema”. O sistema do centrão, hermeticamente fechado, que não quer nem pode permitir que outros ocupem os lugares que, no seu entender, são seus por direito. E o que resulta daqui? Resulta que a política e os políticos ficam ainda mais desacreditados, que as pessoas se afastam ainda mais da cidadania e das decisões políticas, e, sobretudo, que a indignação cresce, e torna a sociedade ainda mais permeável às investidas dos falsos pregadores anti-sistema, que mais não querem que derrubar o vigente para impôr o seu, mais autoritário, mais fechado, mais repressivo. No fundo, saímos todos a perder. E a culpa – perdoem-me o cliché – é mesmo do sistema.

Comments

  1. Ana Moreno says:

    É bem possível que me tenha escapado algo, mas qual foi concretamente a tentativa de condicionamento, João?

    • POIS! says:

      Não sou o João, mas acho que a posso esclarecer.

      No dia 21 de agosto, meio pela calada, o PS e o PSD aprovaram uma data de alterações á Lei Eleitoral das Autarquias (LEOAL) que vieram agravar as condições de apresentação de listas de grupos de cidadãos, que já eram, anteriormente fortemente discriminativas a favor das candidaturas apresentadas por partidos (remeto para o meu comentário abaixo).

      Acrescentaram, essencialmente, o seguinte: em primeiro lugar, o mesmo grupo de cidadãos não poderia apresentar-se com a mesma designação, símbolo, etc. aos órgãos municipais e aos das freguesias.

      Por exemplo, uma lista que adotasse o nome “Unidos pela Vila da Bicharada” teria de apresentar-se ás freguesias como “Juntos pela Aldeia da Porca”, “Congregados pelo Vale da Cabra” ou “À Molhada a Favor da Girafa”. O nome em cada freguesia e os símbolos não poderiam ter semelhanças entre si, ou com outro existente. O que tornaria muito mais difícil a tarefa dos grupos de cidadãos de âmbito concelhio, naturalmente.

      Outra modificação foi que as designações não poderiam conter palavras como “partido”, “coligação” etc. e só poderiam conter o nome de uma pessoa se este fosse o do primeiro candidato ao órgão. Quer dizer que uma candidatura “Todos pelo Zé da Tasca” aos ógãos municipais não poderia replicar-se nas freguesias como “Co Zé da Tasca”, “Vouco Zé da Tasca” ou “Pró Zé da Tasca”. Na freguesia A teria de ser “Junto ao Manel Padeiro” e assim sucessivamente.

      Mas não se ficou por aqui. A aprovação da designação dos grupos de cidadãos é da competência dos tribunais de comarca e, caso seja objeto de rejeição, obriga a fazer nova recolha de assinaturas!

      Finalmente, acometeu-se ao juiz a obrigação de proceder, por uma amostragem não concretizada, da autenticidade das assinaturas, podendo exigir o reconhecimento notarial das mesmas! Mesmo que não duvide da sua autenticidade, o juiz é MESMO OBRIGADO a fazer essa verificação e a lavrar uma ata detalhada!!!

      Mas há ainda uma modificação que passou mais despercebida e que prejudica não só os grupos de cidadãos como os partidos mais pequenos: passou a ser incompatível, ao contrário do que vinha acontecendo desde as primeiras eleições, em 1976(!), a candidatura do mesmo eleitor à Câmara e à Assembleia Municipal sabendo-se que, se fosse eleito para os dois órgãos, teria obviamente de optar. Isto faz aumentar bastante o número mínimo de candidatos necessários em certos concelhos, o que irá causar problemas a muitos pequenos partidos.

      Não há nada, mas mesmo nada, que justifique esta modificação, passados quase 50 anos de ser prática corrente, a não ser causar mais um engulho aos partidos mais pequenos.

      Avento um prognóstico: a manter-se tudo como está, e acrescendo a nova Lei da Paridade que obriga ao mínimo de 40% de candidatos de um dos sexos, o número de candidaturas vai baixar drasticamente, principalmente nos concelhos e freguesias mais pequenos.

      Note-se: eu não estou contra a paridade. Temo é que a elevação da exigência e o fim das exceções para as autarquias mais pequenas leve à impossibilidade de constituição de listas. Não se podem arrastar pelos cabelos homens ou mulheres em freguesias com 300 eleitores (alguns até “fantasmas”, e muitos idosos e idosas…) só para compor a paridade!

      Ou seja: o “Centrão” está em festa! A Democracia é que nem por isso!

      • Ana Moreno says:

        Obrigada, POIS! 🙂

        • POIS! says:

          Ora, de nada!

          Faltou-me falar dos papéis de sinal contrário de duas entidades nesta matéria: o PR e a Provedora de Justiça.

          É indesculpável que, mesmo contra a sua própria convicção repetidamente manifestada de que não se deveriam fazer alterações às leis eleitorais em tempos próximos de uma eleição, o PR tenha promulgado uma lei destas.

          Até o veto político se justificava, mas não ter reparado, ou pior, feito vista grossa, às evidentes inconstitucionalidades, é simplesmente imperdoável.

          Pelo contrário, a Provedora de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva, solicitando urgência na apreciação. Além da pública contestação, penso que esta intervenção foi decisiva para que fosse agendado, salvo erro para 25 deste mês, o debate das alterações ao diploma.

  2. POIS! says:

    Como disse muito justamente o João, esta última tentativa de condicionar as candidaturas de grupos de cidadãos é deveras revoltante. Mas o mal já vem de muito antes.

    Tenho ouvido repetidamente apontar as culpas “aos partidos”, sem ninguém especificar. Ora bem: o PS e o PSD detêm o grosso da responsabilidade. O PCP e o CDS também têm alguma. O Bloco, e não sei se mais alguém, tem poucas, ou mesmo nenhuma.

    O Bloco já em 2012 tinha apresentado um projeto de alteração à Lei Eleitoral (LEOAL) que, entre outras alterações, visava permitir aos grupos de cidadãos usarem um símbolo próprio (até aí era um número romano sorteado, o que os colocava em desvantagem em relação ás candidaturas dos partidos, o que já tinha sido denunciado pelo Provedor de Justiça). No geral, as propostas foram aprovadas.

    Em 2017 alterou-se, entre outras coisas, o número de assinaturas necessárias para a apresentação de candidaturas e facilitou-se a sua recolha.

    O número de proponentes passou a ser ligeiramente menos, principalmente nas freguesias, mas mantém-se muito elevado, absurdamente elevado nas candidaturas aos municípios.

    Lembro-me de que o Bloco propôs uma redução maior, mas não conseguiu aprovação porque o PS, o PSD e também o PCP (não me recordo da posição do CDS) não deixaram.

    A título de exemplo, para concelhos como Barcelos, Guimarães Braga, Aveiro, Setúbal, Coimbra, o número anda pelos 3500 a 4000 proponentes. Castelo Branco ou Évora andarão pelos 1500.
    Note-se: proponentes RECENSEADOS NO CONCELHO.

    O número de proponentes para cada concelho e freguesia pode ser consultado no site da CNE.

    Mas a coisa não fica por aqui. Para cada freguesia o grupo de cidadãos tem ainda de apresentar mais umas centenas de assinaturas de proponentes DA PRÓPRIA FREGUESIA. O partido político apresenta a lista e é tudo!

    E ainda há mais: as listas dos grupos de cidadãos têm de estar constituídas no momento da recolha de assinaturas, ou seja, meses antes das apresentadas pelos partidos. E também existem diferenças em relação às contas das campanhas e às subvenções das despesas.

    Por isso acho que não basta revogar as últimas alterações. Há que operar uma radical modificação da lei que facilite a apresentação de candidaturas. 3% dos eleitores inscritos é uma enormidade. 1% seria mais que suficiente (salvo erro, em Espanha é ainda menos). E constituído que fosse um grupo municipal de cidadãos, este deveria poder concorrer a todos os órgãos da freguesia onde conseguisse e quisesse apresentar listas.

    Assim como está, é muito mais fácil constituir um partido político: bastam 7500 assinaturas DE TODO O PAÍS e mesmo emigração.

    Para além disso, as eleições deveriam ser mesmo adiadas. mas não para Dezembro, que não altera nada. Os grupos de cidadãos costumam aproveitar acontecimentos locais, romarias, festivais, etc, para recolherem as proposituras. Não há garantias, antes pelo contrário, que se possam realizar tão cedo, o que agrava ainda mais as desigualdades.

  3. Filipe Bastos says:

    Nas constatações do João Mendes e no aqui exposto pelo POIS, o que realmente choca é a normalidade.

    Estamos tão anestesiados pela bandalheira, tão viciados na partidocracia que só encolhemos os ombros.

    Com excepção de mim, todos aqui parecem manter a ilusão de que este continua a ser o sistema menos mau e que é possível mudá-lo. O problema é que só os partidos podem mudá-lo; não sei se já perceberam isso. Não estão a eleger aliados.

    Estão a eleger inimigos. Os partidos são vossos, nossos inimigos. Não querem fazer-nos mal, não precisam; mas querem manter o poder – sobretudo o poder sobre o dinheiro – e as regalias a todo custo. Com eles nada vai mudar. A não ser para pior.

    • POIS! says:

      Pois tem V. Exa, toda a razão!

      Eu, pelo menos, estou muito anestesiado. Não admira, estou metido no Sistema até á medula. Sou militante do PS, (membro de várias distritais!), do PSD, do PCP e dos Verdes, e à noite ainda faço umas horas extraordinárias na MOSSAD a caçar anti-sionistas e “abstencionistas” psicopatas.

      Nas horas livres sou um BOT.

      Não admira que tanta atividade dê dor de cabeça. Daí a necessidade de anestesia.

      E sim, nada vai mudar. A não ser a lei, por pressão de alguém. Talvez da União Nacional dos Anestesiados Conformistas Iludidos.

      De resto, se se sente muito só, é culpa sua. Ainda ontem um tal Luís Coelho lhe propôs uma união de facto para, como desanestesiados inconformistas que são, passarem à ação, fuzilando dois ou três mamões para exemplo.

      Ou então pode passar lá pelo escritório da União. Se entrar com uma boa maquia a malta ainda o admite como sócio e dá uma ajuda na despesa das balas.

    • Filipe Bastos says:

      O POIS é um bot mais criativo, mais evoluído que os bots de há 20 anos: em vez de frases anódinas, que se percebe serem de um bot, responde com graças, rimas e histórias.

      Algumas graças têm graça, algumas rimas rimam e o que relata tem interesse. Mas o resultado poderia ser o de um bot: gozar alternativas, abafar dissidências, deixar andar.

      Pprega o esquerdismo cá da casa, moderado e confortável, só agressivo na histeria identitária. Isso serve lindamente a um partido como o BE, que como alguém aqui disse ontem:

      “…é uma central de emprego para os filhos de classe média/alta que não tiveram pachorra (e/ou juízo) para tirar um curso que desse para ganhar dinheiro. É um método, especialmente cínico, para à custa dos ingénuos evitar que as ‘ovelhas negras’ da família tenham de pedir dinheiro à avó, guiar turistas por Lisboa, fazer camas em cruzeiros, ou, com sorte, coçar a micose num centro da SS, numa câmara ou numa EBS em Chelas.”

      Ora admitindo que o POIS, o Paulo, o João Mendes etc. não têm tacho no Berloque, é mais difícil de entender. Será convicção, ou mera resignação?

      • POIS! says:

        Pois!

        “Alguém disse” e V. Exa, reproduziu. Sem saber se é verdade, em que medida ou a quem se refere. Mas não +é preciso. Se alguém disse, e se chama EMS, é porque é tudo verdade.

        Noutro dia a Sra. SMS mandou-me uma mensagem a dizer que “O Sr. Filipe Bastos se dedica ao Wrestling, mas contra galinhas, tratando-as com inusitada crueldade”.

        Por isso, e admitindo que V. Exa. não tem um tacho no Jardim Zoológico, é difícil de entender o seu obssessivo combate aos mamões. As galinhas, que eu saiba, não são másticas nem mamíferas, pelo que é difícil de entender.

        Será por convicção ou mera resignação ao poder da mama?

      • Filipe Bastos says:

        O que citei é dum(a) JPT. Creio que também já cá vi um EMS, mas posso estar a confundir com um serviço postal.

        A citação descreve bem a imagem que o BE e muitas das suas figuras transmitem. Veja-se a Catarina, o Loucão, a Drago, a Joaninha Jet Set, o falecido bon vivant Portas… até o Rosas tem tacho na Fundação Mário Chulares.

        Nem tudo é mau? Não: gosto da Mortágua, é gira e aperta com os mamões. O BE será talvez o melhor partido, o mais útil, mas neste esgoto partidário isso não é dizer muito. E a histeria identitária é contraproducente.

        Ah, isso das galinhas é mentira. Sou sempre cuidadoso. Não tenho culpa que não usem joelheiras.

      • Paulo Marques says:

        Se o Filipe prefere que o PS/D destruam o país sem oposição, está no seu direito; até na maioria, diria. A diferença de ser por clubite ou pela espera do messias não faz muita diferença para a praxis.

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