Blogosfera: O anúncio da sua morte foi manifestamente exagerado

Por Rui Albuquerque, Blogue Blasfémias

 

Lembro-me, como se fosse hoje, da primeira vez que ouvi a palavra «blog». Da estranheza com que a recebi, ao telefone, do meu interlocutor, com quem falava de outros assuntos e que, de repente, me espetou com uma frase que não tinha para mim qualquer sentido: «Sabes, tenho um blog. Abri um blog com o Carlos Loureiro e o Luís Rocha: o “Mata-Mouros”!». A conversa decorreu numa tarde de início de Verão, e do outro lado da linha estava o Carlos Abreu Amorim, qual Arcanjo Gabriel a anunciar uma boa nova que passou a ser para mim, quase nesse mesmo instante, um vício e uma paixão.

Poucas horas depois do inesperado diálogo, abri, eu mesmo, um «blog», esse estranho alienígena que me acabara de ser apresentado, ao qual dei o nome de «Catalaxia». Pouco tempo depois, com o trio do «Mata-Mouros», e o Gabriel Silva, do «Cidadão Livre», fizemos uma das primeiras (a primeira?) joint-ventures da blogosfera indígena, o «Blasfémias», que foi crescendo com mais autores de outros blogs que ficariam pelo caminho. Éramos todos razoavelmente liberais, fosse o que fosse o liberalismo. Tínhamos uma enorme disponibilidade para pensar, refletir, ler e debater, escrever e entrar em polémicas. E tínhamos quase menos vinte anos do que hoje temos.

Durante boa parte dessas quase duas décadas, a blogosfera tomou conta do país. Subitamente, todos falávamos em blogs. A comunicação social convencional – os jornais e as televisões – foram obrigados a aceitá-los, embora com alguma relutância e um certo temor. Talvez com a exceção do Miguel Sousa Tavares, claro, que, como nos garantiu que jamais usaria a máscara do covid, também nos jurou que nunca leria semelhante coisa, todo o país lia os blogs mais marcantes. Estou absolutamente convencido de que, em ambos os casos, o Miguel Sousa Tavares terá honrado a sua palavra…

Como tudo na vida, os blogs nasceram, cresceram e, hoje, encontram-se em declínio. Outros produtos surgiram entretanto, mais adequados a outras gerações e temperamentos, a pessoas mais jovens e mais nervosas e espontâneas, como o Facebook ou o Twitter. Ainda que seja manifestamente exagerado anunciar a sua morte, como o atestam exemplos brilhantes de resistência às tendências do tempo, como o famoso Aventar, coletivo que hoje comemora doze anos de vida, o facto é que as audiências já não são o que eram, a oferta já não é o que foi e, sobretudo, o entusiasmo parece ter esmorecido acentuadamente. Até porque os blogs dão trabalho e exigem reflexão e tempo. Não se escreve num blog como quem manda um tweet. Não é por acaso que Donald Trump nunca teve um blog.

Todavia, nos tempos de sombra que hoje se atravessam, a blogosfera, velha senhora cansada e moribunda, é ainda um dos poucos espaços de liberdade que só não escapam ao juízo censório dos seus leitores, isto é, do mercado. Tudo o mais é alvo dos lápis azuis dos censores da época, em nome de falsos valores igualitários, que nos estão a reduzir à irrelevância intelectual e criativa. Por conseguinte, quem sabe se os blogs não poderão vir a retomar a sua missão primordial de serem espaços de absoluta liberdade de espírito e opinião. Ora, também por isso, ou sobretudo por isso, convém mantê-los vivos e dizer ao mundo que o anuncio da sua morte foi manifestamente um exagero.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Boa análise. Assino por baixo.

  2. Fernando Moreira de Sá says:

    Muito obrigado Rui Albuquerque.

  3. O blogue é um diário que todos escrevem, não para estar fechado a sete chaves – e ai de quem o leia! – mas sim para ser lido pelo máximo número de pessoas e assim poder alimentar o ego de quem os escreve (e também eu escrevo a minha verborreia).
    Concordo inteiramente que o anúncio contínuo da morte da blogosfera foi manifestamente exagerado. Já depois desse anúncio (com a chegada do Facebook em 2009) vimos o advento dos blogues nos anos seguintes, como os bloggers/influenciadores de moda e ‘life style” que procuravam borlas em hotéis a troco de uma criticazinha favorável lá no blogue. E de repente floresceram novos blogues como cogumelos em tempo de chuva.
    Mas é curioso como, por estes dias, depois de ver que, apesar de ter passado semanas sem escrever nada, o meu humilde blogue estabilizou e até aumentou as visualizações mensais, e isso levou-me a refletir que um blogue é uma coisa “viva” e a informação ficará sempre lá disponível, a quem dela pergunte ao Dr. Google. Um perfil de rede social, não. No dia em que o utilizador não colocar um tweet, uma foto, um post, não mais esse perfil terá visitas, gostos e partilhas. E toda essa informação deixada pelas diversas redes sociais, que hoje estão na moda e amanhã deixarão de estar, como aquele bar que antes era muito fixe mas passou a ser mal frequentado, toda essa informação acabará por se perder. O blogue não, tem lá toda a informação concentrada. O blogue é uma constante, é como se fosse o livro, as redes sociais são as folhas soltas espalhadas ao vento. Parabéns aos resistentes que não seguem a carneirada, e mantêm os seus blogues.

    • esteves aires says:

      Gostei essa da “carneirada”, faz-me lembrar muita coisa que se passou em todos estes anos…mas foi assim que percebi que havia gente da direita da extrema direita fascista, e até hoje os tais neofascistas e os ditos de esquerda, e muitos deles estão em lugares de destaque… Obrigado

    • Boa análise.

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