Extrema-Insciência

Desde 2015, depois de Bloco de Esquerda e Partido Comunista terem feito um acordo de governação com o Partido Socialista, que se repete uma ladainha que, antes, não tinha a proporção extremada que hoje tem. Essa ladainha desonesta acentuou-se em 2019, depois da entrada do CHEGA na Assembleia da República, com a ajuda de outra direita que, no mesmo ano, também entrou pela primeira vez na AR. Curiosamente, estes dois novos partidos de direita têm como bandeira “acabar com o socialismo”. Onde é que já ouvimos esse discurso, na História?

Essa estória do diabo, dizem-nos os carrascos do socialismo, afirma sem pejo que BE e PCP são representantes da extrema-esquerda no Parlamento português; narrativa que nunca teve grande dimensão antes da entrada e ascensão da extrema-direita e dos ditos liberais no panorama político-ideológico português. Esta é uma narrativa pífia de argumentação válida, sem afirmações concretas sobre o extremismo de esquerda representado, na cabeça destes senhores, pelos dois partidos à esquerda do PS. Ignoram a diferença etimológica entre “extremista” e “radical”, e nem por haver uma extrema-direita que põe em causa a Democracia, as instituições e as leis fundamentais do país impressas na Constituição, conseguem os iluminados dos extremismos reivindicar duas características que sejam, desde que há regime democrático, exemplo do extremismo de esquerda, inversamente proporcional ao extremismo de direita de André Ventura e Cª. Se ao PCP, durante o PREC, se pôde apontar o dedo (como se pôde apontar o dedo às forças reaccionárias contra-revolução, como o eram o CDS-PP – e ninguém, hoje em dia, no seu perfeito juízo, considerará o partido democrata-cristão de extrema-direita), hoje em dia não faz sentido colocar no mesmo saco de extremos opostos o PCP, o BE e o CH, pelas razões que aponto no supracitado.

Segundo a teoria enunciada, a AR só tem um, e só um, representante da esquerda: o PS. Logo, no pensamento deturpado destes senhores, temos como composição parlamentar o seguinte:

  • Esquerda (representada pelo PS);
  • Direita (representada pelo PSD, IL e CDS-PP)
  • Extrema-esquerda (representada por BE e PCP)
  • Extrema-direita (representada pelo Chega)

Não sei onde enquadram o PAN, mas certamente será da extrema-vara/cardume/manada. No entanto, significa isto, portanto, que temos, no Parlamento, uma esquerda democrática órfã e minoritária, representada apenas por um só partido. Por seu turno, a direita, extremamente democrática, magnânima e respeitadora dos bons valores tradicionais do Portugal “amordaçado” (pela esquerda, claro está), tem três representantes, hirtos na sua ambição de esmagar o socialismo. Se tal narrativa não vos parece enviesada é porque são, também vocês, enviesados.

Mas se a realidade não vos basta, se a História não vos basta, se a inteligência não vos assiste, deixo-vos citações:

“A extrema-esquerda desenvolveu-se em finais do século XIX e no século XX entre os que consideravam que a transformação social só podia ser feita por via revolucionária, envolvendo luta armada e violência, e não respeitando as constituições e a democracia, tal como a extrema-direita” (Boaventura Sousa Santos, director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, in Público, 2019)

“A maior parte do movimento de extrema-esquerda que, no fundamental, nasceu nos anos 60 do século passado, correspondia à tripla dimensão de uma interpretação revolucionária do marxismo, de uma prática política de esquerda revolucionária, frente à integração da maior parte dos partidos comunistas na ordem democrática e no reformismo (…) O terceiro elemento é a emergência de novos actores sociais na luta anti-capitalista, como os estudantes, não apenas na crítica à economia do mercado mas ao capitalismo.”, (António Costa Pinto, politólogo e professor do Instituto de Ciências Sociais, in Público, 2019)

“Na Ciência Política, depois da queda do muro de Berlim, há uma distinção entre extrema-esquerda e a esquerda radical (…) A extrema-esquerda seria a esquerda comunista não renovada, ortodoxa, ligada à URSS e que nunca fez uma crítica à realidade soviética. Os outros, como o BE, formados a partir da Política XXI, cisão do PCP de, entre outros, Miguel Portas, do PSR e dos maoístas, fizeram uma crítica à herança totalitária.” (André Freire, professor catedrático em Ciência Política, in Público, 2019)

Prossegue Boaventura Sousa Santos:

“Faz sentido falar de esquerda radical para distinguir da esquerda mais moderada, mas deixou de haver uma esquerda extra-institucional, que não aceita as instituições”.

“O Bloco nunca se chamou extrema-esquerda. São a direita e o PS que têm muita vantagem neste debate de rasteira”, sintetizou, ao jornal Público, Francisco Louçã, um dos fundadores do partido.

Se historiadores não vos dizem nada, se investigadores também não, incluindo professores catedráticos e fundadores dos partidos em questão, não sei o que vos fala à razão. Podem querer debater ideologia, aceito de bom grado. Mas misturar, desinformar e mentir não são debate ideológico: é insciência. Logo, falarei de vocês, cassetes ambulantes, referindo-me aos “da extrema-insciência”, a partir de agora. Estes são os mesmos que têm dificuldade em diferenciar a ortodoxia do PCP e o socialismo democrático do BE; e são os mesmos que consideram “socialistas” partidos como o PS ou o PSD. Sinais dos tempos, ou talvez não.

Fotografia: Paulete Matos

Comments

  1. Paulo Marques says:

    Gosto especialmente da extrema-esquerda que reclama apoios para os pequenos burgueses.

  2. JgMenos says:

    «deixou de haver uma esquerda extra-institucional, que não aceita as instituições»

    Música para embalar imbecis!

    Aceitar significa conformar-se por não ter outro remédio, que esta cena de ser revolucionário não dá para comer do orçamento.

    As crenças são as de 1975;
    A Democracia continua a ter rótulo: orgânica, popular ou de centralismo.
    A Liberdade continua a ter classe: a dos pastores da manada.

    • João L Maio says:

      Fascista, esquizofrénico, solitário e, agora, insciente.

      O sô Menos, o saudosista, nunca desilude na sua busca pelos adjectivos que caracterizam bem um ex-PIDE.

      Será o PIDE do Aventar?

      • JgMenos says:

        Fala-me da luta do PCP para assegurar os princípios democráticos na criação dos Estados do Ultramar.
        Fala-me das alterações aos princípios do PCP a partir de 1975.
        Fala-me de quem no Bloco renegou os princípios da UDP e dos outros grupelhos que lá se acoitaram.

        Fala-me de quanto estás ciente de seres um treteiro que sem a muleta da PIDE ficas incapaz de articular uma opinião sustentada da tua indigente esquerdalhice.

        • João L Maio says:

          Poderei falar de tudo isso, quando me apetecer escrever sobre isso.

          Obrigado pelas sugestões mas, no entanto, sou eu quem decide o que escrever aqui.

          Quanto ao resto, sabe mais sobre mim do que mesmo, um dia vou aí a Santa Comba Dão e poderá contar-me tudo, em primeira mão. Depois, obviamente, venderei a história à CMtv. Já estou a imaginar as parangonas: “ALERTA CM: O MENOS, O SAUDOSISTA, DIZ QUE OS ESQUERDALHOS SÃO TODOS TRETEIROS. NÃO PERCA A SEGUIR O COMENTÁRIO DE BALDRABÉ VENTRÍLOQUO”. Um must!

          • JgMenos says:

            Da PIDE para Santa Comba!
            Sem muleta é que não vais lá.

          • POIS! says:

            Pois, mas em contrapartida…

            JgMenos vai bem de muleta. Bem o vimos, lá em Barrancos. Proporcionou uma lide inolvidável ao Pedrito de Portugal!

    • Paulo Marques says:

      Se essa salada foi na esplanada, não te esqueças da máscara, a ver se isso não se pega.

    • João L. Maio says:

      Sou em sem muleta e o sô Menos sem noção.

  3. Rui Naldinho says:

    A verdadeira razão pelo qual o BE passou a incomodar tanta gente à direita, para ser mais explícito, à sua direita, incluindo o PS, foi o facto de nas últimas eleições de 2009 e 2015; teve ligeiras perdas em 2019, mantendo no entanto o mesmo número de deputados; limpado 180000 eleitores aos outros partidos do Centrão, dos quais se presume, “100000 almas sociais democráticas”.
    Essa é a verdadeira razão para tanta “Blocofobia”. A Social Democratização do BE, contra o Neo liberalismo do PSD, e um certo deixa andar do PS.
    Podemos até aceitar a crítica de que por vezes o BE roça a demagogia, daí nunca ter querido sentar-se no Governo da República, extraindo dividendos políticos das asneiras e fracassos dos outros, sem arriscar a sua própria pele naquilo a que chamaríamos de impopularidade. Sim, o BE acha que devemos acorrer a tudo, mesmo fazendo escolhas, no entanto será bom lembrar que para isso são necessários recursos financeiros, e por muito que se taxe quem tem poder económico, o dinheiro nunca chegará. O consumismo tornou-se numa espiral de violência contra nós próprios.
    Já transformar o BE num partido de esquerda radical, antidemocrático, comunistoide, porque denuncia a ditadura Angolana, que já foi comunista, agora não sei bem o que é, a ditadura Chinesa, que já foi maoista, agora não sei bem o que é, a ditadura Norte Coreana, os negócios rentistas promovidos ao longo de décadas por PS e PSD, a promiscuidade entre algumas empresas portuguesas e a política, só pode vir de gente que acha este povo um montão de néscios, e quem se recusar a aceitar o jogo, é extremista ou comunista.
    Porra, então prefiro ser Bloquista a ser néscio!

    • João L Maio says:

      Não mudaria uma vírgula ao que diz, Rui Naldinho.

      Mas há quem ainda não tenha ido ler manifestos, notícias e declarações. Quando descobrirem o que diz o BE sobre a Venezuela, sobre a China e sobre Angola, por exemplo, cair-lhes-á quatro queixos.

      • JgMenos says:

        Tretas1
        O que eles dizem é que o regime não seria diferente em princípios, só que asseguram que não seriam corruptos.
        Acredita quem quer!

        • Paulo Marques says:

          Isso é o teu querido líder, pá. Este e o mentiroso anterior que o criou. Correu bem?

    • Paulo Marques says:

      Não consta que acabem os recursos financeiros de quem cria moeda e diz que os especuladores não passarão.
      Mas, adiante. Acho que o que os apoquenta é outra coisa, é terem ganho as batalhas todas e o resultado ser este, o caos democrático e financeiro. De outra forma, tenho dificuldades em perceber porque ficaram parados no tempo economicamente quando bancos centrais, banca, empresas financeiras, e mesmo algum capital produtivo dizem que como está, não serve para a recuperação.

  4. Filipe Bastos says:

    A questão do Jg é pertinente: PCP e BE, sobretudo o PCP, aceitam as instituições – e a democracia – ou apenas se conformaram com elas por não terem outro remédio?

    Mais pertinente: estas instituições são uma merda; isto não é uma democracia. E PCP e BE são parte da fantochada.

    Seria melhor que a não aceitassem; que encostassem o Centrão à parede enquanto pugnavam por uma democracia a sério, menos podre, mais directa, justa e igualitária.

    Em vez disso, são apenas dois grilos falantes da partidocracia. Uma espécie de consciência do Centrão que vai mandando umas bocas e mamando uns tachitos (os tachões são do Centrão).

    Se por milagre o PCP chegasse ao poder, é legítimo pensar que não tardaria a impor um qualquer Politburo. Se lá chegasse o BE… sabe-se lá. Nem o BE faz a menor ideia.

    • João L Maio says:

      Então estamos de acordo sobre o facto de que nenhum deles representa a extrema-esquerda.

      Os “ses” são válidos, mas são “ses”.

    • Paulo Marques says:

      Aceitam as instituições porque é que os eleitores querem, tal como foi a geringonça e outros acordos pontuais. É quase como se o desperdício dos outros não fosse desperdício quando é para eles.

    • Paulo Marques says:

      Como se vê agora na restauração! Ai o governo é autoritário, finalmente deixa-nos trabalhar! Ai, espera, estes burros não põem a máscara e vai correr mal, ó Costa, obriga-os, ó democrata.

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