Luís Menezes Leitão: A Constituição em tempos de pandemia

(Foto do Boletim da O.A.)

(Luís Menezes Leitão – Bastonário da Ordem dos Advogados)

No passado dia 2 de Abril festejámos 45 anos sobre a aprovação da Constituição de 1976. Trata-se de uma importante data de comemoração do regime democrático, que deveria ser festejada enquanto tal. Na verdade, a Constituição de 1976 consagrou um extenso rol de direitos fundamentais dos cidadãos, que as sucessivas revisões constitucionais vieram consolidar. Mas, mais importante do que isso, empenhou-se em garantir que os direitos fundamentais das pessoas fossem efectivamente tutelados e não se tornassem letra morta como tinha acontecido com a Constituição de 1933.

Desde Março de 2020, em virtude da pandemia Covid-19, que o país vive, porém, em regime de excepção, através do sucessivo decretar de estados de emergência, visando precisamente impedir os cidadãos de usufruir plenamente dos direitos, liberdades e garantias que a Constituição lhes outorga. Neste momento já vamos no décimo quinto estado de emergência, sendo que, se fizéssemos um balanço de qualquer Constituição e nos dissessem que na vigência da mesma o país viveu quinze vezes em regime de excepção constitucional, diríamos que era excessivo, mesmo considerando o período geral de 45 anos. Se pensarmos que esses quinze estados de emergência foram decretados em pouco mais de um ano, é manifesto que o país vive presentemente numa fase de grande perturbação constitucional.

Essa perturbação constitucional foi visível em inúmeras situações, em que os órgãos de fiscalização da Constituição deixaram que passassem incólumes medidas claramente inconstitucionais. Foi assim que se assistiu a restrições dos direitos, liberdades e garantias por simples resoluções do Conselho de Ministros, sem controlo parlamentar nem sequer promulgação presidencial. Foi assim que se assistiu à criação pelo Governo de um crime de violação do confinamento por simples decreto, tendo sido cidadãos processados por esse crime. Neste período nenhum órgão de fiscalização da constitucionalidade, como a Provedoria de Justiça e a Procuradoria-Geral da República reagiram contra esta situação, tendo sido unicamente os advogados, que através da providência de “habeas corpus”, evitaram inúmeras detenções ilegais, como as que ocorreram em quartos de hotel.

Nos termos constitucionais, o estado de emergência tem carácter transitório e destina-se a permitir a rápida recuperação da normalidade constitucional. Por isso, tudo deveria ser feito para que essa normalidade constitucional fosse rapidamente restaurada, designadamente através da vacinação geral da população. Mas o que se tem assistido na Europa em geral e em Portugal em especial é a constantes avanços e recuos no processo de vacinação, cada vez mais adiando a data em que a população portuguesa se possa considerar protegida contra a pandemia.

É mais que tempo de o país voltar a recuperar a sua liberdade e consequentemente a normalidade constitucional. À semelhança de 25 de Abril de 1974 em que a canção “E depois do adeus” significou o regresso da liberdade e o adeus a uma ditadura, é mais que tempo de o país dizer também adeus a esta pandemia e à restrição das liberdades que a mesma representou.

 

Comments

  1. Aventar says:

    Apagámos um comentário feito a este artigo, já que, em relação aos autores convidados, consideramos ser nossa responsabilidade sermos intransigentes quanto à política de comentários (https://aventar.eu/sobre).

    • Paulo Marques says:

      Podiam ter apagado o tracadilho, livres de achar insultuoso, e mantido a critica à ironia das ordens festejarem a liberdade que negam aos associados.
      Porque há coisas que nem com o 25 de Abril mudaram.

  2. Nascimento says:

    Certinho e direitinho. Subscrevo a postada. Pouco cag…do, se é de direita ou de esquerda.O Leitão tem Razão…olaricas.

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