Sapiofilia

ALICIA TATONE / THE ATLANTIC

Ok, eu não sei o que aconteceu. Completamente contra a corrente do jogo, o Doutor Anthony Fauci desbocou-se todo: afinal o homem não está convencido de que o vírus tenha surgido de forma natural e é, portanto, provável que a sua origem tenha sido o laboratório de virologia que – também por sua admissão – beneficiou de investimento americano. Alguém que me segure, porque eu estou prestes a colapsar de perplexidade. Como dizia um filósofo, “Qu’informação dramática!”. Sim, Trump enunciou por diversas vezes essa possibilidade, mas eu assumi naturalmente que o fazia por ser racista. Vamos a ver: então o vírus surgiu em Wuhan – cidade que aloja um instituto que faz perigosas experiências com vírus destes –  foi encoberto por um regime que tem um controlo cada vez mais sufocante das instituições internacionais, um regime que discutiu em 2015 a possibilidade de utilizar estes vírus como armas biológicas e cuja repressão global em que tudo isto resultou vai completamente de encontro aos objetivos do Great Reset do World Economic Forum, e estão a dizer-me que pode não ter sido tudo um acidental fenómeno da natureza? Chocante.

Não sei o que justificou esta alucinante pirueta de discurso. É particularmente relevante ter surgido já durante o mandato de um presidente que é tão comprometido pelo Partido Comunista Chinês que fez questão de abolir investigações à forte possibilidade de o vírus ter surgido no referido laboratório. Aguardam-se apetitosos desenvolvimentos. Não exclusivamente nas informações que começarão cada vez mais a vir à tona, mas também na maleabilidade de jornalistas, comentadores e inquisidores, perdão, verificadores de factos. A torção de colunas vertebrais atingirá flexibilidades impressionantes. Para já, deixo aqui um pequeno memorial a Dr. Anthony Fauci, grande senhor da epidemiologia que logrou ter a versatilidade de, num tão curto intervalo de tempo, sugerir o uso de nenhuma máscara, de uma máscara e de duas máscaras. Em memória dos agora idos tempos áureos da sua popularidade, partilho aqui estes cabeçalhos – reforçando que se tratam de artigos reais, e não de paródia – para que nunca nos esqueçamos de que a hipocondria atingiu uma dimensão tal que os daddy issues das americanas vieram todos ao de cima: ficaram completamente apaixonadas por um senhor de 80 anos que não as deixou sair de casa.

Comments

  1. Paulo Marques says:

    E reportagens côr-de-rosa à parte, afinal é perigoso (se é uma arma), ou não, porque o perigo amarelo é incompetente e, então, para quê o medo, se os EUA ou a Rússia têm a mesma capacidade há décadas?
    E, sendo propositado ou não, que diferença é que isso faz à total falta de vontade de conter a “arma” até pelo grande guru, gravado a dizer que era uma boa arma política pois só atacaria estados azuis? O que é que potências como o Vietname, Tailândia ou Austrália tinham que o ocidente não tinha? E, já agora, que aconteceu aos milagres britânicos e suecos?
    E o Grand Reset que novidade trás à financeirização de derivados de derivados criada pelo progresso do neoliberalismo até ao neofeudalismo? Já deixou de contribuir para o mesmo boicotando as grandes empresas, ou a ideia é só mesmo voltar a ter tuberculose e sarampo às Karens e Kens aborrecidos?
    E, no entanto, morrem, e a gripe esteve escondida. Há lá coisas.

    • Filipe Bastos says:

      O que é que potências como o Vietname, Tailândia ou Austrália tinham que o ocidente não tinha?

      Distância dos outros países, regimes mais autoritários ou populações mais obedientes e amedrontadas?

      Nunca houve ‘milagres’, tal como ninguém deve duvidar que máscaras e lockdowns até ajudam: se não respirar e não sair de casa, provavelmente não apanho nada. Se não comer e só beber água, provavelmente não engordo. Etc.

      Se o covidas é uma arma, realmente não é grande arma. Mata muito pouco, quase tudo velhos e doentes. Mas pode ter sido um ensaio bem sucedido. À histeria e ao carneirismo de muita gente foi de certeza.

      • Nota Breve says:

        Uma arma, para ser eficaz no seu propósito, não precisa ser mortal, basta-lhe servir para coagir a malta a fazer o que se quer que a malta faça.

        (Não é por serem “não-letais” que deixam de ser armas, como os bastões da polícia e as balas de borracha e o gás lacrimogénio ou pimenta com que se dispersam grupos de malta incómoda…)

      • Paulo Marques says:

        Daí a citação da Austrália, que nem sequer teve o nível de controlo da Nova Zelândia, e não do Ecuador, onde por muita força que houvesse, não havia estruturas para a contenção.
        Ou então pode-se fazer de conta que o RU, o Brasil, ou a Florida salvaram melhor a economia sem nunca terem conseguido voltar ao normal, porque é chato dizer que políticos e especialistas servem para alguma coisa.
        Volte lá ao Guardian, onde não há histeria nem carneirismo.

      • Filipe Bastos says:

        Volte lá ao Guardian, onde não há histeria nem carneirismo.

        Pelo contrário; o Guardian sempre advogou total submissão à ‘pandemia’, respeitinho a restrições arbitrárias, todos em casa a ver Netflix e a bater palminhas aos enfermeiros, etc.

        Os seus jornalistas e a maioria dos leitores são esquerdistas do calibre do Paulo: blairistas dos quatro costados, virtue signallers woke que vêem racismo e transfobia em todo o lado. Trabalham sentadinhos e ganham bem, por isso acham lindamente ficar em casa a ganhar o mesmo.

        Acho que não está a ver o que é o Guardian. Experimente, garanto que se vai sentir em casa.

    • Elvimonte says:

      “O que é que potências como o Vietname, Tailândia ou Austrália tinham que o ocidente não tinha?” (P. Marques)

      Aquilo que transcrevo a seguir diz respeito ao Japão, mas pode extender-se a todo o sudeste asiático, explicando os baixos números de mortalidade de toda a região. Um fenómeno de imunidade cruzada assente na memória imunológica das células T e B, cuja prevalência naquela região será muito superior aos cerca de 50% que se registam na generalidade da população (ver artigos científicos na parte final).

      «Tokyo University professor Tatsuhiko Kodama – who studies how Japanese patients react to the virus – believes Japan may have had Covid before. Not Covid-19, but something similar that could have left behind “historical immunity”. (…) When we looked at the tests we were astonished… in all patients the IgG response came quickly, and the IgM response was later and weak. It looked like they had been previously exposed to a very similar virus.»
      (….bbc… /news/world-asia-53188847)

      Ver também:
      “Detection and Characterization of Bat Sarbecovirus Phylogenetically Related to SARS-CoV-2, Japan”
      “Targets of T Cell Responses to SARS-CoV-2 Coronavirus in Humans with COVID-19 Disease and Unexposed Individuals” “SARS-CoV-2-specific T cell immunity in cases of COVID-19 and SARS, and uninfected controls”
      “Immunodominant T-cell epitopes from the SARS-CoV-2 spike antigen reveal robust pre-existing T-cell immunity in unexposed individuals”

  2. Bem, o facto de o laboratório de Wuhan andar a produzir virus destes e outros era conhecido há muito, bem como os generosos subsídios do amigo americano, muito interessado em tudo o que seja guerra biológica. O curioso é que Faucci agora vem abandonar a narrativa dos morcegos para aderir à génese humana do bicho mau. Mais vale tarde que nunca.

    • Paulo Marques says:

      Em ciência, não se prova que, prova-se que não é provável com enorme grau de certeza. É só o reconhecimento que não existe esse grau.
      Mas a génese humana, essa não se retira; mas não é só na China que se invadem habitats de animais com doenças possivelmente transmissíveis, e não foi a primeira, nem será a última, que a natureza borrifa-se para a geopolítica.

  3. Daniel says:

    “Doutor Anthony Fauci desbocou-se todo: afinal o homem não está convencido de que o vírus tenha surgido de forma natural e é, portanto, provável que a sua origem tenha sido o laboratório de virologia…”
    É provável… tal como é provável eu um dia ganhar o Euromilhões…

  4. TERESA PALMIRA HOFFBAUER says:

    A demência ataca muito boa gente como como o “sex symbol” Dr. Fauci — embora todas as origens da pandemia sejam possíveis — os mortos estão-se nas tintas.

    É também provável que eu seja a próxima chanceler alemã 😹

  5. Elvimonte says:

    Que, por esse mundo fora e apenas em laboratórios com o mais elevado nível (P4) de segurança há pessoas a investigarem aquilo que se designa por “ganho de função” (letalidade e transmissibilidade), há. Essa investigação é levada a cabo pelos melhores dos motivos – numa tentativa de antecipar ocorrências naturais – e pelos piores dos motivos, relacionados com aplicações militares.

    Que o vírus SARS-CoV-2 possui uma proteína S (o espigão), responsável pela ligação ao receptor ACE2, constituída por duas sub-unidades, S1 e S2, que apresentam uma inserção que as pode separar através da furina, algo nunca antes visto noutros beta-coronavirus e que será responsável pelas altas infecciosidade e transmissibilidade, é um facto.

    Que o vírus terá surgido em Wuhan, cidade onde existe um laboratório P4 onde podem ser conduzidas investigações de “ganho de função”, é também um facto.

    «SARS-CoV-2 entry requires sequential cleavage of the spike glycoprotein at the S1/S2 and the S2ʹ cleavage sites to mediate membrane fusion. SARS-CoV-2 has a polybasic insertion (PRRAR) at the S1/S2 cleavage site that can be cleaved by furin. Using lentiviral pseudotypes and a cell-culture-adapted SARS-CoV-2 virus with an S1/S2 deletion, we show that the polybasic insertion endows SARS-CoV-2 with a selective advantage in lung cells and primary human airway epithelial cells (…).»
    (“The furin cleavage site in the SARS-CoV-2 spike protein is required for transmission in ferrets”)

    «The rapid spread of SARS-CoV-2 (also known as 2019-nCoV and HCoV-19), a novel lineage B betacoronavirus (βCoV), has caused a global pandemic of coronavirus disease (COVID-19). It has been speculated that RRAR, a unique furin-like cleavage site (FCS) in the spike protein (S), which is absent in other lineage B βCoVs, such as SARS-CoV, is responsible for its high infectivity and transmissibility.»
    (“The role of furin cleavage site in SARS-CoV-2 spike protein-mediated membrane fusion in the presence or absence of trypsin”)

    «Surprisingly, SARS-CoV-2 has the furin recognition motif at S1/S2, causing by a 12-nucleotide insertion not presented even in its closest relatives (Walls et al., 2020, Coutard et al., 2020).»
    (“Furin cleavage sites naturally occur in coronaviruses”)

    Certezas quanto à origem não há. Apenas temos indícios que levantam (muitas) suspeitas fundadas.

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