Usemos o pedacinho de poder que temos nas mãos

Este post é um apelo, uma súplica: dentro do possível, compre alimentos produzidos localmente, sazonais e em modo de produção ecológica; no supermercado, olhe para os rótulos; se não houver rótulo, pergunte. Insista. Reclame. Faça escolhas que encurtem a cadeia de valor, compre regional. Se conseguir, compre directo do produtor ao consumidor (há cada vez mais produtores que fazem entrega de cabazes). É difícil? É. Porque tudo está montado para concentrar o poder nas grandes cadeias de intermediários e na produção intensiva, à custa de precariado.

A forma que temos de cortar as vazas a estes políticos irresponsáveis e à sua paixão pelo meganegócio é consumirmos responsavelmente. Produção, transformação, distribuição local dos alimentos é um contributo para a urgente transformação deste modelo económico de globalização obtusa em que andamos há anos, importando carne de suíno do Canadá (CETA) e exportando aquela que produzimos para a China. Uma aberração só possível devido às externalidades (subsídios e não contabilização das emissões que a produção e o transporte produzem) e porque não são consideradas normas (fitossanitárias, laborais, etc.) que são válidas para a UE, mas que lá longe já se acha que não são precisas.

Há uns dias fiz uma visita à Cooperativa Minga, em Montemor-o-Novo. Um projecto que aposta no local e na economia solidária e consegue vender na sua loja de produtos agrícolas e artesanais a preços idênticos ou até inferiores aos das grandes superfícies e promove várias actividades, tendo uma facturação total de €50.000 por mês. Fiquei a saber que a lã produzida localmente passou a ser exportada para a China e depois é reimportada, causando um forte aumento do seu custo enquanto, por outro lado, os produtores, que antes recebiam €1,50 por quilo, passaram a receber 0,25cc; e também que sendo a região de Montemor uma das maiores produtoras carne, só pode vender carne viva, por não haver um único matadouro.

É absurdo, não é? E essa mesma UE que se considera líder no combate às alterações climáticas, continua a aprovar e implementar PACs (Política Agrícola Comum) e acordos de comércio (EU-Mercosul entre tantos outros) que atiçam o fogo para a destruição do planeta.

De Portugal, sabemos como estão a aumentar as explorações agrícolas superintensivas que alavancam as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, a escassez e a poluição de água, a degradação do solo e a resistência aos antibióticos, além de fazerem uso de trabalho precário.  E vai tudo continuar no mesmo sentido nos próximos longos cinco anos.  A ministra da agricultura aposta na alteração da alimentação do gado para diminuir as emissões de gases com efeito de estufa produzidas pela pecuária. Isto não é piada.

Não é fácil, mas contribuirmos com o nosso quinhão para a relocalização das cadeias de valor e comermos menos carne é o nosso pequeno contributo para criarmos nichos de resistência contra a insanidade de quem nos governa. Façamos o que podemos.

Imagem: Campanha alemã denuncia a destruição ambiental causada pela agricultura superintensiva no Alentejo e Algarve e o uso de trabalho precário e pede boicote a produtos assim produzidos.

Comments

  1. Tal & Qual says:

    Ana:
    Desculpe lá! Não consegui ler tão extensa redacção .
    Mas eu quando entro numa grande superfície, entro a 120 e quero sair a 240.
    Então o nosso governo não verifica o que nos vendem para a nossa paparoca ?
    Passe bom fim de semana…

    • antero seguro says:

      Acha que o “nosso governo” se preocupa com os consumidores? Todos percebem que está comprometido com a agroindústria que por sua vez cria desastre ambiental e vai arranjando clientela para os privados da saúde que o “nosso governo” também desta forma protege.

    • Paulo Marques says:

      E tirar-nos a liberdade? Vade retro.
      Verifica que não nos mata a curto prazo, incluindo descrição de alergénicos; a longo, ainda para mais de forma indirecta, é mais complicado. Mas também não pode decidir grande coisa.

  2. Fernando Manuel Rodrigues says:

    Pois é… Mas o nosso Ministro do Ambiente só se preocupa em aumentar os impostos para incentivar a compra de carros eléctricos, e em incentivar a destruição de unidades agrícolas para lá instalar centrais fotovoltaicas gigantescas.

    Sou 100% solidário com o que está publicado, e acho que é precisamente por aí que deveríamos atacar a política ambiental, em vez de andarmos ao sabor das modas, a criar explorações de lítio e a investir milhões em fábricas de hidrogénio de duvidosa utilidade.

    • Paulo Marques says:

      É mais complicado, já que continuam a ser precisas baterias de qualquer forma… mas não vamos concorrer com quem tem indústria desenvolvida e não se limita a ser extractivista.

  3. Luís Lavoura says:

    além de fazerem uso de trabalho precário

    O trabalho na agricultura quase sempre é precário, e sempre o foi, pela simples razão de que a agricultura tem ciclos, épocas em que é preciso muito trabalho humano e outras épocas em que pouco é preciso.

  4. Luís Lavoura says:

    cortar as vazas a estes políticos irresponsáveis e à sua paixão pelo meganegócio

    Eu creio que os “políticos irresponsáveis” nada têm a ver com as frutas de Odemira. As estufas de Odemira são investimentos privados, surgidos devido às oportunidades de negócio, e não devido a qualquer ação de “políticos irresponsáveis”.

    • Paulo Marques says:

      A desregulação laboral e falta de fiscalização são fenómenos naturais.

  5. balio says:

    Se os alemães seguissem os conselhos da Ana e só comessem fruta cultivada localmente, então só comeriam maçãs, que é praticamente a única fruta que cresce (mas em grande quantidade!) na Alemanha… Não sei se apreciariam a dieta!

    • POIS! says:

      Pois é verdade, sim senhor!

      E não é por acaso que o nome feminino mais vulgar na Alemanha é Eva. A própria chanceler é a Angela Eva Dorothea Merkel, como deve saber.

      O dos homens? Claro, é Adam, mas só desde meados do século passado. Antes era mais Adolfo, não se sabe bem por que razão.

      Já na terra do “balio”, parece que o fruto mais cultivado é o nabo. Da fermentação do mesmo obtém-se mesmo uma bebida conhecida por “Nabeja” (“nabejeca” na sua versão mini).

      Pelos vistos, o “balio” aprecia bastante a dieta.

  6. Já agora podemos também tentar produzir nós próprios alguma da comida de consumimos. Reduz o desperdício e dá bastante gozo.

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