Leo Messi e o amor à camisola

Não nutro qualquer tipo de sentimento relativamente a Lionel Messi. Não o venero, não o odeio, não me perco em comparações. Também não me é indiferente, na medida em que gosto de futebol, e Messi é, indubitavelmente, um dos mais geniais executantes da modalidade que a humanidade viu jogar. Estará, seguramente, no top 3 da história do futebol, sendo que tal ranking, por não existirem métricas universais ou comummente aceites para hierarquizar o talento dos futebolistas, vale o que vale, por ser do domínio da opinião, e o que não falta no futebol são opiniões.

Dito isto, é com enorme estranheza que vejo algumas reacções inflamadas que a sua saída do Barcelona está a causar. Que lê o que se tem escrito, fica com a sensação que, no mundo do futebol, o amor à camisola ainda impera. Ou sequer existe. Lamento se desiludo alguém, mas a boa velha lealdade entre jogadores e clubes, de parte a parte, é como os linces ibéricos. Existem alguns, poucos, às vezes nasce mais um ou outro, mas são uma espécie ameaçada no limite da extinção.

OK, o Messi deve muito ao Barcelona. É um facto. O Barça recebeu-o quando ainda era um miúdo, com problemas de saúde, tratou dele, formou-o, deu-lhe todas as condições e é parcialmente responsável pelo craque em que se transformou. Mas não foi a solidariedade ou a compaixão que levaram o emblema catalão a desdobrar-se em esforços para recuperar e fazer de Messi um dos melhores da história. Foi a perspectiva de conseguir isso mesmo: transformá-lo num dos melhores da história e capitalizar o seu talento. E a verdade é que conseguiu. Porque o Barcelona, como a esmagadora maioria dos grandes clube de futebol, não é uma IPSS. É uma empresa privada focada no crescimento e no lucro.

De igual forma, também o Barcelona deve muito a Lionel Messi. Deve títulos – sim, ele não joga sozinho, mas jogava e marcava mais que os outros todos, e isso não é um pormenor – deve os milhões que gerou em camisolas e demais merchandising, que vendeu nos quatro cantos do mundo, deve a magia que espalhou em Camp Nou e noutros palcos, nacionais e internacionais, deve o sonho que viveram os adeptos mais aguerridos, que o puderam ver ostentar a camisola do clube durante a fase de maior sucesso do Barcelona. Messi está em 4 das 5 Ligas dos Campeões, 3 das 5 Supertaças Europeias, está nas três Intercontinentais (ou lá como lhe chamam agora) e em 10 dos 26 campeonatos ganhos pelo clube. E dizer que está em todas estas conquistas peca por escasso. Messi brilhou em todas elas, ou quase todas, sendo, quase sempre, o jogador mais influente, pelos golos, pelas assistências, pelas jogadas geniais ou pela forma que obrigava os adversários a montar um plano especial de contenção do craque e arrastava defesas consigo, abrindo, tantas vezes, espaços para outros colegas, apenas por estar a existir dentro de campo.

No fundo, estamos perante uma relação comercial e contratual bem sucedida: por um lado o Barcelona, que apostou na formação do jogador, ofereceu as melhores condições imagináveis e lhe pagou um salário principesco. Por outro Leo Messi, que respondeu ao investinento do Barça com prestações de génio, centenas de golos, liderança dentro de campo, magia que encantou os adeptos e dezenas de títulos, colectivos e individuais. E o que é hoje o futebol, senão um negócio entre clubes transformados em gigantescas multinacionais, patrocinadores, agentes e jogadores?

Sucede que, como em qualquer relação comercial e contratual, as partes deixaram de estar on the same page. Messi quererá ganhar mais, o Barça quererá pagar menos, não sei. Nem interessa para o caso. O que interessa é que, como em qualquer empresa, este alto executivo do Barça viu uma oportunidade melhor no PSG e foi à sua vida. Situação idêntica acontece quando o Barcelona aparece com uma grande mala de dinheiro à porta de um clube mais pequeno e lhe leva um craque. É a vida e faz parte. Agora amor à camisola? Isso era no tempo em que o futebol era um desporto que envolvia dinheiro. Hoje é um negócio que envolve desporto. Um negócio feito de dinheiro cada vez mais sujo, com o qual se reciclam ditadores, oligarcas e multinacionais controladas por ditadores e oligarcas, perante o silêncio da muy democrática e livre Europa. O bom velho business as usual. E o que é o futebol senão business as usual?

Comments

  1. Pedro Carvalho says:

    O Messi não pode ficar no Barcelona nem de graça. Por uma regra de fair-play financeiro. Mesmo a ganhar 0 o Barcelona continua a não cumprir esse fair-play. Por ter sido demasiado gastadora no passado.uma regra que pertence exactamente que não haja impunidade nos gastos.

  2. Filipe Bastos says:

    João Mendes, o salário médio espanhol ronda 27.000 euros /ano.

    Este post – no fundo, uma lapalissada – poderia ser aceitável se Messi ganhasse dez vezes isso – 270.000 euros. Ou, a sermos incrivelmente generosos, vinte vezes isso – 540.000 euros. E sobre isso pagasse, claro, impostos também generosos.

    Ora Messi mama isso em um dia e meio. Repito: num dia e meio mama o que um trabalhador espanhol leva vinte anos a ganhar. Sobre isso paga impostos de 23%, menos que o trabalhador. E apesar disso, tudo fez e faz para fugir a pagá-los.

    Perante este facto obsceno e intolerável, em vez de perseguir o mamão e rebentar com o Nou Camp, milhões de carneiros toleram e até celebram isto. Será de admirar que o mundo esteja como está? Que seja governado por capitalismo selvagem?

    Neste quadro, dizer que não se tem opinião sobre Messi, ou só gabar-lhe as qualidades futeboleiras, será como dizer – faltava cá Godwin – que não se tem opinião sobre Hitler, mas que se admira o seu espírito de iniciativa. Ah, e gostava de animais.

    • Paulo Marques says:

      Justiça e igualdade não são a mesma coisa que inveja e vingança, e o Messi não é o sistema, nem provavelmente sequer faz lóbi.

    • Filipe Bastos says:

      Também já confunde justa indignação com ‘inveja’, como fazem os carneiros direitalhas e outros lambe-cus de mamões?

      Mamões sonsos como Messi ou Ronaldo não são o sistema, mas são dos seus maiores beneficiários. E branqueadores. Qualquer deles já acumulou mais riqueza do que a maioria dos CEOs.

      Além disso, os CEOs não são idolatrados como Messi ou Ronaldo. Por isso estes são duplamente nocivos: normalizam desigualdade e ganância extrema, tornam-nas apelativas, toleradas, desejáveis. São poster boys do capitalismo selvagem.

      Só mesmo carneiros e lambe-cus podem defendê-los.

      • Paulo Marques says:

        Se me explicar em que é que o ordenado é culpa dos ditos, acredito que não seja desejo de vingança ao mesmo tempo que justiça. E a inveja não é necessariamente má, é uma das coisas que nos faz querer mais para nós, incluindo mobilizar, convém é estar consciente de que não é o mesmo, porque se se não houvesse futebol, o problema era o mesmo.

      • Filipe Bastos says:

        Se me explicar em que é que o ordenado é culpa dos ditos…

        Dos ditos e dos agentes dos ditos. A mama da bola é tal que além dos futeboleiros até os agentes, como o mafioso Veiga, mamam mais que alguns banqueiros.

        Não me diga que é daqueles papalvos que acham que estes futeboleiros são meros ‘funcionários’… e que, tadinhos, só ‘fazem o seu trabalho’. Valha-nos São Palonço.

        A inveja é hoje como o populismo: aquilo que se chama a quem não se gosta, ou a verdades de que se não gosta.

        Não há chulo, trafulha ou mamão que não chame ‘invejoso’ a quem lhe aponte a chulice, a trafulhice e a mama. É fatal como o destino. E depois temos os otários, os idiotas úteis que fazem coro. Não queira ser um deles.

  3. Barcelona e Messi ajudaram-se mutuamente, mas o Barcelona está falido e o Messi está (mais que) rico. Não é costume falir o patronato e enriquecer o empregado.

  4. POIS! says:

    Pois não sei…

    Onde está a dúvida! Não é só pela camisola que o Messi nutre um verdadeiro amor.

    O homem é doido por tudo o que seja tecidos. Vejam o carinho com que beija o lenço! Absolutamente comovente!

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