Maçãs e bolachas na Venezuela da Europa

Podíamos fazer como a Noruega, e como outros países igualmente atrasados e medievais, e banir toda a publicidade a alimentos com excesso de açúcar, sal e outros venenos, que tem como alvo crianças e adolescentes abaixo dos 16 anos? Podíamos ir ainda mais longe e aplicar a receita encontrada para o tabaco? Podíamos, mas logo apareceriam ruidosas hordas de snowflakes, indignadíssimas porque estaríamos a condicionar a liberdade dos seus filhos de desenvolverem doenças cardíacas ou serem obesos, o que seria uma chatice. E como essa costuma ser a mesma malta que não descansa enquanto não vir o SNS privatizado, convém colocar-lhe mais pressão em cima, não o contrário. Viver na Venezuela da Europa é uma canseira.

Comments

  1. Luís Lavoura says:

    Proibir a publicidade é uma medida que acalmará muitas consciências, mas

    (1) Tem pouco efeito. Por exemplo, a publicidade ao tabaco há que anos que está proibida mas nem por isso o consumo de tabaco tem diminuído substancialmente, nem os jovens têm deixado de começar a fumar.

    (2) Dá ao governo imenso poder de fazer escolhas sobre quais os produtos sobre os quais incide a proibição. Ao contrário do tabaco, que é um produto bem definido, um produto que contém sal ou açúcar em excesso é algo que não está bem definido. Na prática, dar-se-ia ao governo o poder soberano de favorecer certos produtos em detrimento de outros.

    • Filipe Bastos says:

      (1) Pode indicar a fonte? Tenho lido que o consumo diminuiu e uma parte passou para os cigarros electrónicos, menos nocivos. Empiricamente, vejo muito menos gente a fumar.

      (2) Não é difícil definir limites, aliás muitos estão definidos por organizações de saúde. E acho bem que o Estado – não este ou aquele governo – “favoreça certos produtos em detrimento de outros”. Sobretudo se os outros nos matam.

      Somos diariamente bombardeados com publicidade a porcarias, sempre bonitas e tentadoras, que nos deixam gordos, doentes e viciados em mais porcarias. Estas só beneficiam os mamões que as produzem, promovem e vendem.

      Isto não impede que o cidadão, na sua casa, coma ou cozinhe o que quiser; mas deve desincentivar a compra tão fácil e ubíqua das porcarias, e atribuir-lhes o seu real custo na saúde pública.

      E sim, isto é um subproduto do capitalismo. Basta ver filmes e fotos dos anos 70 – poucos gordos, mesmo em países como os EUA ou a Inglaterra. Hoje? Badochas e diabéticos.

      • Luís Lavoura says:

        Pode indicar a fonte? Tenho lido que o consumo diminuiu

        Sim, o consumo de tabaco tem diminuído, mas mais recentemente do que a proibição da publicidade. Essa proibição já é muito antiga, e não há sinal de que ela tenha causado qualquer diminuição no consumo. É muito mais provável que a diminuição do consumo tenha sido provocada por outras medidas mais recentes, como sejam a proibição de fumar em espaços fechados e o aumento dos impostos sobre o tabaco.

      • Luís Lavoura says:

        Não é difícil definir limites

        A mim parece-me muito difícil. Por exemplo, um gelado é uma porcaria de alimento que contém excesso de açúcar? Um pacote de batatas fritas é uma porcaria de alimento que contém excesso de sal e excesso de calorias? Um leite com chocolate é uma porcaria que contém excesso de açúcar?

        Todos concordaremos que uns smarties, uns rebuçados ou umas gomas são porcarias, mas não me parece nada claro onde colocar a fronteira entre essas coisas e uma tablete de chocolate ou um gelado.

        • Paulo Marques says:

          Pela quantidade de açúcar por kg, tal como hoje se distingue um chocolate de um produto à base de cacau.

          • Luís Lavoura says:

            A quantidade de açúcar por kg é baixa nos gelados (que são maioritariamente constituídos por ar) e nos refrigerantes (que são maioritariamente água). O problema é que, embora a quantidade de açúcar por kg seja baixa, acaba por se consumir muito açúcar, porque se consome muitos kg.
            Se fosse pela quantidade de açúcar por kg, então o produto cuja venda mais se deveria prevenir seria… o açúcar.

          • Paulo Marques says:

            … por tipo de produto. Ou mesmo a bruto, está-se a falar de publicidade, ou, noutros casos, comida nas escolas. Não é impossível regular, não se está a falar das prateleiras do supermercado.

    • Paulo Marques says:

      http://repositorio.insa.pt/handle/10400.18/4117
      Mas, sim, são fundamentalmente diferentes. Não passa pela cabeça de ninguém proibir açúcar, mas também deixa danos desde mais cedo, porque ninguém começa a fumar desde criança. Depois também há a questão de ser uma escolha fácil para quem tem menos tempo.
      Quando ao estado decidir, já decide, ainda não há canábis, entre muitas outras coisas, nas prateleiras ou em anúncios. Ou, vá, a publicidade ao alcóol é cada vez mais limitada.
      Os eleitores cá estarão quando passar do aceitável.

  2. POIS! says:

    O João Mendes introduziu aqui uma correlação muito pertinente, que torna o problema eminentemente político.

    Acho que o problema reside mesmo na relação entre a maçã e a Venezuela.

    Porquê? Porque fica…Madura.

    Já a bolacha…

  3. Agradeço a este post o ter ficado a saber que uma criança prefere bolachas a maçãs por causa da publicidade (nunca tinha percebido a razão da minha filha de 4 anos mandar vir com as maçãs, mas nunca com as bolachas). Suponho que essa seja também a razão de todas as crianças que conheci, desde que nasci, preferirem bife a pescada cozida, pipocas a sopa de legumes e gomas a iogurte natural. Tenho é de ver mais anúncios, porque não apanhei nenhum a bifes (mas vários a pescada congelada), nem a amendoins (mas vários a sopas instantâneas) nem a gomas (mas vários a iogurte natural). Vou presumir que essa publicidade deve ser subliminar, porque o contrário seria presumir que o tipo que disse o que está entre aspas, ou é tonto, ou está a gozar com a malta. PS: na mouche, essa de Portugal ser como a Venezuela: dois países liderados por potes de banha que querem emagrecer o povo à força.

  4. JgMenos says:

    « Estas só beneficiam os mamões que as produzem, promovem e vendem.»
    Não podia estar mais de acordo!

    Só queria lembrar aquele pormenor dos empregos e salários dos que produzem, promovem e vendem.
    Pois não temos os geringonços a enaltecer as vantagens do consumo? Estarão a pensar em cenouras, cebolas e similares?

    Vejo com enorme comoção a decisiva vontade de mudar de hábitos e ambições. É um bom princípio.

    Não se esqueçam dos rebuçados e das farturas.

    • Filipe Bastos says:

      Só queria lembrar aquele pormenor dos empregos e salários dos que produzem, promovem e vendem.

      É sempre tocante ver um direitista defensor de mamões preocupado com os empregos dos plebeus.

      A Banca, os ‘mercados’, a máfia e o narcotráfico também empregam muita gente. Isso não os torna menos nocivos.

      Quem produz, promove e vende porcarias devia mudar de emprego. O mundo tem demasiados bullshit jobs. Há tanto por fazer na saúde, na investigação, na educação, na construção de um mundo melhor.

    • Paulo Marques says:

      Se o Menos mandasse, ainda havia medicamentos com cocaína e mercúrio, o combustível ainda usava chumbo, e o amianto fazia parte de todos os edifícios, a bem do emprego.

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