O tesão da inércia: uma caixa de Pandora

Não é a primeira vez. Não há-de ser a última.

Vieram a público, à boleia do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), notícias do envolvimento de diversas figuras de Estado – de primeiros-ministros e ex-primeiros-ministros a ministros e ex-ministros, de ministros a secretários, de secretários a empresários, de empresários a monarcas, de monarcas a presidentes da República – e outros famosos, em crimes de evasão fiscal e branqueamento de capitais.

Tal como aconteceu antes, em escândalos como os Panamá Papers, por exemplo, volta a comprovar-se que os mais ricos e poderosos, quando podem (e porque podem) assentam a sua riqueza e o seu poder sob uma camada de criminalidade económica. Não é novidade, não há-de ser novidade no futuro.

Grassa na política mundial (e Portugal não está imune) a teoria de que será na baixa de impostos que estará o crescimento de certos países. Mas vejamos… porque pagamos tantos impostos? Parece-me óbvio, desde sempre, que a arraia-miúda paga os impostos que os mais abonados nunca pagarão. E como esses, os ricos e poderosos, têm a faca e o queijo na mão (que é como quem diz, todo o dinheiro do mundo), não convém que a carga de impostos seja elevada para estes. Ouço, todos os dias, liberais a exigirem a baixa de impostos… mas nunca os vi a defender o aumento de impostos sobre os multi-milionários. Mas, não sendo elevada a carga de impostos que os milionários e bilionários pagam, os mesmos ainda teimam em não pagar a parte que lhes está atribuída. Funciona assim, o sistema capitalista: “acumula tudo o que conseguires, mesmo que com isso estejas a cometer um ou outro crime económico”; e sejamos sensatos: o sistema neo-liberal vigente permite e incentiva tais comportamentos.

Ao vermos e lermos os nomes dos políticos, empresários e milionários inscritos nos Pandora Papers, vem-nos à cabeça uma pergunta: por que razão nunca interessou realmente aos governos criminalizar e/ou investigar a fundo este tipo de banditismo do bem? A resposta parece fácil: porque são os próprios a evadir-se para um qualquer paraíso fiscal. Não convém à classe política governativa (que é como quem diz, aos partidos do centrão e da direita) castigar os seus, pois sabem que com isso serão eles mesmos a sair prejudicados.

Veja-se o caso do primeiro-ministro Checo, Andrej Babis. Eleito primeiro-ministro em 2017, Andrej Babis é líder do partido populista liberal ANO 2011. As maiores bandeiras do agora PM da Chéquia e do seu partido, durante toda a campanha eleitoral e desde que chegou ao poder, são a anti-corrupção e o neo-liberalismo económico. Tal como em Portugal, onde um certo líder de um partido de extrema-direita se vangloria com a bandeira da anti-corrupção, sendo ele mesmo um protector de corruptos, também na República Checa parece que o rei vai nu. Andrej Babis é frisado nos documentos dos Pandora Papers por ter comprado um castelo em França, no valor de dezanove milhões de euros e nunca ter sido declarado um cêntimo que fosse às autoridades tributárias.

Andrej Babis, PM da República Checa.

A corrupção, a evasão fiscal ou o branqueamento de capitais não se combatem com populismo. Muito menos quando esse populismo vem de uma direita trepadeira, que nunca viu meios para atingir os seus fins, ou de uma extrema-direita oportunista, que faz do desespero dos cidadãos mais uma forma de conseguirem saciar os seus interesses… corruptos, evasivos e sempre branqueados.

A procissão, creio, vai no adro. Mas tenho uma certeza: nunca chegará ao altar.

Criminalize-se, por exemplo, o enriquecimento ilícito. Estamos farto de saber que o dinheiro não cai do céu.

Comments

  1. francis says:

    Se se criminalizar o enriquecimento ilicito, a malta passa a andar com o iate do amigo, a viver no palacete do amigo e a pagar os jantar de rei, com o cartão de credito do amigo. É tudo do amigo. Perguntem ao Socrates, que ele explica how to do it. ( Afinal, ele é licenciado em engenharia ao Domingo)

    • João L Maio says:

      E já não é mais ou menos assim?

    • POIS! says:

      Pois é!

      Mas se “o amigo” passar a pagar impostos, pelo menos já não se perde tudo, não será?

      Depois será de averiguar as razões de tão comovente generosidade. Pode até ser por motivos perfeitamente aceitáveis.

      O Carlos Santos Silva, por exemplo, todos reconhecem, é um grande artista. Não me admiraria que Sócrates fosse, afinal, o seu Muso. E um Muso competente não tem preço!

    • Rui Naldinho says:

      É óbvio que a fuga fiscal terá como sempre teve toda a criatividade. Eu até admito que não é por se inundar o tecido legislativo com todo o tipo de proibições e inibições que isto se resolve. Isto também se resolveria, pelo menos ajudava, com a punição pura e dura dos agentes da justiça e da autoridade tributária e aduaneira que facilitam estas burricadas, com a sua inoperancia e passividade.
      O problema está na forma como a nossa justiça funciona, ou na forma como a nossa máquina fiscal funciona. Se for um peão de brega a roubar uma mula, não faltam juizes emproados a cagar pesadas sentenças, ou agentes de execução a cobrar coimas aos gajos que se atrasaram a pagar o Imposto Único de Circulação ou o IMI. Já se o Salgado quiser colocar uns milhões de euros num offshore, o sistema informático do ministério das finanças que controla essas operações de saída de capitais, avaria ou está em manutenção nesse período, impossibilitando qualquer alerta. Alguém acredita nesta coincidência? Eu não.
      Por outro lado a PSP ou a PJ alguma vez acompanhou discretamente os movimentos de Rendeiro, na última fase da decisão do TC, tentando perceber se este se preparava para dar de frosques.
      Rendeiro andou até ao último dia a preparar-se para fugir, diante dos olhos de todos, incluindo os da Justiça. A certa altura ficamos com a sensação de que, quem o devia meter na cadeia, só faltou dizer-lhe:
      – Foge-me, porra !

  2. JgMenos says:

    Convém referir que alguém tem que fugir aos impostos para poder pagar aos políticos com dinheiro ‘limpo’.
    As dificuldades dos políticos em abordar a corrupção com leis e meios têm um muito claro fundamento.

    • João L Maio says:

      JgMenos: a escória do Aventar em defesa da escória corrupta de bem. Coerente como sempre, muito bem.

      Agora dá a patinha!

    • POIS! says:

      Pois ponham, pelo Menos, os olhos no mesmo! Que génio!

      E que acaba de nos revelar, assim como quem não quer a coisa, a trama de mais um original argumento da sua genial autoria, já em fase de póstuma-produção nos estúdios “Lessfilms”, cujo título é já público: “The Tax Marosc”.

      Conta a história, baseada em relatos de ceguinhos, a saga de um grupo de políticos que promovem um aumento de impostos com a oculta finalidade de que eles não sejam pagos, a fim de receberem subornos em dinheiro “limpo”, como contrapartida para um aumento de impostos!

      No segundo episódio da temporada, o mesmo grupo de políticos provocam um crescimento dos impostos, com a ´sórdida finalidade de que os contribuintes fujam ao pagamento, com a finalidade de amealharem dinheiro “limpo” que lhes será pago como compensação de uma inesperada medida: um aumento de impostos!

      No terceiro e último episódio da temporada, um bando de políticos impõem um aumento dos impostos, com um abjeto propósito: apostar no incumprimento dos pagantes, com o intuito de virem a ser pagos, em dinheiro “limpo”, em troca de uma medida surpreendente: aumentar os impostos.

      Em breve JgMenos, nos levantará o véu sobre a sequela, “The Tax Marosc Strikes Again”, cuja ação andará à roda de um inesperado aumento de impostos.

    • Paulo Marques says:

      Sim, o teu trabalho.

  3. JgMenos says:

    A cambada deleita-se a exercitar a sua raiva em tudo que não seja a matilha parasitária que tem por ser o seu instrumento de acesso ao saque.

    • POIS! says:

      Pois, pelo Menos, este não pára de nos fazer inveja!

      Agora deleita-se, confessa ele!

  4. Filipe Bastos says:

    Um comentário num fórum como este. Tradução minha.

    “Vi parte do relatório sobre os Pandora Papers. Não entendo esta obsessão com ter mais e mais. Nunca entendi.

    OK, vamos lá pensar. V. é um trabalhador médio [inglês] com um salário médio, i.e. £25.000 /ano. Em quarenta anos de trabalho, v. ganhará £ 1 milhão. Isto permite (ou devia permitir) ter uma casa, um carro normal, uma família, férias, pequenos luxos de vez em quando. V. está satisfeito com o que tem.

    Agora, digamos que v. tem uma boa profissão, é promovido e assim por diante, e o seu salário é o dobro: £50.000 /ano. Isto coloca-o entre os 15% mais ricos do Reino Unido. Com os seus £2 milhões pode ter uma casa maior, um carro melhor, férias mais exóticas, as habituais marcas do ‘sucesso’.

    OK, vamos mais longe e imaginemos que v. cria uma empresa; e corre tão bem que ao longo da vida v. ganha £10 milhões. Ou seja, 250.000 libras x quarenta anos. Super casa, vários carros, motorista, talvez até um avião particular. V. está agora no 1% do topo. (O nosso primeiro trabalhador com £25k teria de começar a trabalhar no tempo de D. Sebastião para acumular tanto.)

    Agora, vamos adicionar mais uma cifra ao nosso total. Cem milhões de libras. Mansões em Londres e Nova York, campos de golfe, aviões particulares, limusines, criados, férias nos hotéis mais caros do planeta. (O nosso trabalhador de £25k agora começa a trabalhar há 4000 anos, construindo pirâmides aos faraós.)

    Ainda estamos uma ordem de magnitude abaixo de um bilionário, e já estamos num nível de riqueza que a maioria das pessoas acharia fantástico, obsceno ou simplesmente sem sentido.

    Várias pessoas nos Pandora Papers já têm tudo isso e muito mais, tenha sido ganho, herdado, desviado ou roubado, e mesmo assim não conseguem largar o pote. A ganância extrema pode e deve ser classificada como uma patologia mental.

    Entretanto, num país rico como o Reino Unido, neste inverno muitas pessoas passarão fome e frio por falta de £20.”

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