Ricardo Salgado e a ala psiquiátrica de Caxias

Irmgard Furchner, uma alemã de 96 anos que, aos 18, era secretária no campo de concentração de Stutthof, começou esta semana a ser julgada por alegadamente ter contribuído para a morte de 11412 vítimas da barbárie nazi. Atrás da secretária.

Furchner não é a primeira nonagenária a ser chamada pela justiça alemã, pese embora as dúvidas sobre o seu envolvimento directo naquelas mortes. Tinha 18 anos, estava, como a maior parte dos alemães daquele tempo, brainwashed pela propaganda nazi, cumpria as ordens – administrativas – que lhe eram impostas e é pouco provável que tenha disparado algum tiro ou ligado as câmaras de gás. Apesar de tudo isto, a justiça alemã não teve dúvidas nem vacilou. A justiça é para cumprir e os alemães não brincam. Talvez isso ajude a explicar muita coisa.

Entretanto, em Portugal, a defesa de Ricardo Salgado, recentemente diagnosticado com a doença de Alzheimer – so they say – pediu a suspensão do julgamento do banqueiro, dada a sua condição de saúde, que de resto não o impediu de se passear pelo Mediterrâneo durante o Verão. Era expectável que algo assim surgisse. Quem tem dinheiro – e Salgado, estranhamente, ainda tem muito – costuma conseguir soluções alternativas, quando a prisão parece inevitável. Felizmente, o colectivo de juízes resistiu e rejeitou o pedido. A ver vamos, se a determinação dos magistrados sem mantém firme. Se Irmgard tem saúde para bater com os costados no banco dos réus, Salgado, que ainda há dias vimos fresco e fofo na Sardenha, seguramente também terá. E a ala psiquiátrica da prisão de Caxias estará, seguramente, de portas abertas para o receber. Só fica a faltar confiscar o património que resta, esteja ele no nome de quem estiver, para cobrir uma pequena parte do assalto. O resto, em princípio, pagamos nós.

Comments

  1. JgMenos says:

    A bestalialidade a par de não temer o ridículo, são estruturantes do progressismo abrilesco.

  2. Tuga says:

    Tadinho dele .

    Conheces a história do lobo ?

  3. Paulo Marques says:

    A capacidade para se defender e a possibilidade de contrariar a acusação são pilares essenciais da justiça.
    Agora, se é esquema do Ricardito… provavelmente.

  4. Júlio Santos says:

    O que não lembra ao diabo lembra a estes advogados pagos a peso de ouro, pago pelos lesados do antigo BES. Se Ricardo Salgado está senil internem-no compulsivamente num hospital psiquiátrico. Se calhar o doentinho é os advogados iam logo mudar de estratégia, porque o dinheiro não falta.

  5. Filipe Bastos says:

    O julgamento da Sra. Furchner, tal como o de Oskar Gröning – que fora contabilista em Auschwitz e que foi condenado aos 94 anos – abre um precedente interessante.

    Se somos diferentes aos quarenta do que éramos aos vinte, como julgar alguém após oitenta anos? Oitenta anos!

    Como julgar um jovem de 18 ou 20 anos que apenas fez trabalho administrativo no regime vigente na altura, ao qual possivelmente nem tinha alternativa? Se é válido julgá-lo aos 94 ou 96 anos, a uma vida e um mundo de distância, então tudo é válido.

    Claro que isto só acontece num tema, o único ‘holocausto’ com direito a maiúscula, mas o que agora interessa é que a culpa não prescreve; o desejo de justiça não prescreve.

    Interessa-me o conceito de justiça: é uma invenção, uma ‘social construct’ exclusivamente humana. À natureza não importa o que é justo ou injusto, quem merece ou não.

    Mas a nós importa. Então, a levarmos a justiça, o desejo de justiça a sério, como nestes casos, o Mamão Salgado não se pode ficar a rir. Tal como o 44, o Vara, todos os pulhas que nos chulam e roubam há tanto tempo. Custe o custar, têm de pagar.

    • Paulo Marques says:

      Não tenho simpatia pela maneira como o Estado de Excepções usa a coisa para legitimar tudo e mais alguma coisa, mas não, não é caso único. Porra, até Khalid Sheikh Mohammed ainda não foi julgado e não é por isso que vai ser libertado. Robert Durst só agora foi a julgamento e condenado.
      Convenhamos que nenhum deles é tão horrível como qualquer membro do PS, mas a caducidade podia ser um pouco mais comprida sem ser para a vida. Agora, se isso tem alguma coisa a ver com justiça e não vingança, tenho dúvidas.

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