Anda um espectro pela Europa, o seu nome é Vladimir Putin, e é bom que os poderes da velha Europa se aliem para lhe fazer frente

A ameaça a Leste nunca deixou de o ser, apesar do alegado desanuviamento da era Yeltsin. Vladimir Putin, uma espécie de Estaline 2.0, tem hoje um poder desmesurado, reforçado por quatro anos de enfraquecimento do hard power ocidental, uma das muitas consequências do consulado do idiota-útil Trump, e representa, agora mais do que nunca, pelo menos desde a desintegração da União Soviética, uma ameaça permanente para as democracias liberais da Europa. Vale a pena ler a peça da jornalista Ana França, no Expresso, que sintetiza bem aquilo que se está a passar.

Comecemos pela Ucrânia: em 2014, Putin invadiu e anexou a Crimeia. Num ápice e sem que a comunidade internacional movesse mais do que os lábios e os dedos para declarações contidas, cobardes e circunstanciais. Desde então, tem apoiado os separatistas russos na região de Dombass, parcialmente controlada pelas milícias apoiadas pelo Kremlin, onde o risco de novo Anschluss é real. Desde então, mais de 14 mil pessoas perderam a vida no conflito.

Nos últimos dias, os EUA terão alertado o governo ucraniano para o aumento da mobilização de tropas, blindados e armamento pesado do exército russo junto à fronteira com a Ucrânia. Talvez estejam ali para fazer mind games e manter a pressão alta, ou para dar suporte aos separatistas, mas não podemos descartar a possibilidade de assistirmos a uma nova invasão. Quando a Crimeia foi ocupada, Putin não pediu licença. E o pretexto usado então, o de invadir um território para garantir “liberdade” à população local para se expressar sobre a qual Estado quer pertencer, está já a ser trabalhado pelas milícias separatistas com bastante acutilância.

Paralelamente, a tensão na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia não pára de aumentar. O executivo Morawiecki acusa o estado-satélite da Federação de estar literalmente a convidar migrantes de África e do Médio Oriente a atravessar o seu território e a entrar na UE através da fronteira polaca. Lukashenko, de costas quentes, assobia para o lado. Podia a Bielorrússia ter encaminhado estes migrantes para as fronteiras que também tem com a Letónia e a Lituânia? Podia, mas a tensão encontra solo mais fértil na vizinha Polónia, governada por populistas de extrema-direita, mais propensos a engajar em conflito, seja ele de que natureza for.

E a escalada é preocupante. Tão mais preocupante quando pensamos que Lukashenko nunca ousaria uma provocação destas sem garantias de Moscovo. Varsóvia sabe-o, Bruxelas também e os dois bombardeiros enviados por Moscovo para patrulhar a fronteira estão lá para que não restem dúvidas. E torna-se ainda mais preocupante quando percebemos que a Alemanha tem as mãos atadas ao Nord Stream 2, bem como toda a Europa, mais dependente que nunca do gás russo que por ali passa, que treme de frio e medo com a iminência de uma crise energética, que parece inevitável. Eis o preço a pagar pelo não reconhecimento, por parte da UE, da reeleição do presidente bielorrusso, em 2020.

Aos poucos, a sombra de Putin cobre mais e mais território europeu. Dos oligarcas que controlam o futebol aos rublos que fluem do Kremlin para os cofres da extrema-direita europeia (ainda havemos de encontrar alguns na sede do Chega, podem apontar na sebenta), a crise energética poderá ser o momento “apanhada com as calças na mão” de uma Europa apostada numa transição energética que a fragiliza, e que, em larga medida, se assemelha mais a uma relocalização da poluição, que dificilmente diminuirá as emissões de CO2 e que terá um custo ambiental violentíssimo, só que não aqui. É urgente, tão urgente como combater o avanço das alterações climáticas, quebrar o ciclo de dependência energética que temos com este regime ditatorial, sob pena de ficarmos novamente de mãos atadas quando a próxima Crimeia for anexada. Pode ser na Ucrânia, pode ser na Estónia, pode até ser na russófona Bulgária. De mão estendida não nos safamos. Estarão as democracias liberais e o sistema capitalista preparados para viver sem os milhões do homem mais rico do mundo? É bom que estejam, e que não voltem a seguir o exemplo de Chamberlain. Putin não financia os eurocépticos por caridade.

Comments

  1. Sérgio says:

    “… russófona Bulgária”? O búlgaro utiliza o alfabeto cirílico, mas não é por isso que deixa de ser uma língua legítima. Ou o João Mandes estará a referir-se ao facto de o russo ser a língua estrangeira mais falada no país, sendo que 35% da população afirma ter conhecimentos de russo?”

  2. JgMenos says:

    «Putin não financia os eurocépticos por caridade.»
    Por cá só conheço eurocépticos entre os «democratas da revolução de outubro», que coincidentemente teve lugar em Moscovo.

    • POIS! says:

      Pois é!

      Há também o Venturoso Enviado mas esse não é eurocético, nem europeísta. Nem eurotótó, nem eurofóbico. Nem eurolindo nem eurofeio. Nem euroentusiasta, nem europessimista. Nem euroconstrutor, nem eurodestrutivo. Nem euroqualquercoisa, nem euronemporissso.

      Aliás, como em tudo, não é nada!

      É assim como o amigalhaço Salvini: limita-se a ser filha da Putin quando convém.

      PS. Vosselência não acerta uma. A revolução não foi em outubro, foi em novembro. E centrou-se em São Petersburgo (então, Petrogrado).

    • British says:

      What ?

  3. Paulo Marques says:

    Deixar os países venderem-se por dinheiro e/ou energia dos oligarcas é uma escolha. Esse não é diferente dos outros, se puder manipular a opinião pública e contribuir para o caos para que o negócio continue a fluir, que chatice, lá tem que ser. Porque estragar os lucros não está nos planos, só que um dos lados tem que manter aparências e o outro nem por isso, pondo-se nesta posição onde ladra apoiando supremacistas que depois os mordem. Uma chatice completamente inesperada!

  4. Como vem sendo habitual nos meios abertamente favoráveis ao imperialismo americano que nem sequer é referido nestes textos, passou a ser conveniente exorcizar o perigo a Leste como se fazia na Guerra Fria. O império necessita justificar os seus astronómicos orçamentos bélicos com a criação de novos inimigos um pouco por toda a parte.
    Quem pensar com um pouco de objectividade (nem é preciso muita), logo verá que os russos já podiam ter invadido a Ucrânia há muito tempo, se o quisessem. Claro que não querem. E as virgens pretensamente ofendidas pela ocupação da Crimeia, esforçam-se por esquecer que esse facto nada tem a ver com nenhuma loucura imperialista, mas antes com a necessidade de proteger a principal base naval russa no sul, claramente ameaçada pelo golpe made in USA da praça Maidan. Que grande potência se poderia dar ao luxo de não preservar a sua principal base?
    Que a metade leste da Ucrânia seja ocupada por uma maioria russófila, não é segredo para ninguém. Que essas populações têm laços estreitos com os seus familiares e compatriotas do outro lado da fronteira é o que há de mais natural, excepto para os que adoram agitar o espantalho do urso. Que os russos queiram proteger essas pessoas dos ataques nazis, não é menos natural e que os falcões americanos se empenhem em provocar, também é expectável.
    Curiosamente, nenhum dos pretensos defensores da alegada “liberdade” ucraniana entendeu preocupar-se com o facto de a totalidade das reservas de ouro do país terem sido transferidas para Washington. Porque será?????

    • JgMenos says:

      Também lá estão boa parte das nossas reservas sobrantes da ‘pesada herança’.
      Quando entrarem marroquinos bastantes no Algarve também será natural que marroquinos ‘queiram proteger essas pessoas dos ataques nazis’, dos nacionalistas portugueses.
      Vendido!

      • POIS! says:

        Pois não me diga!

        Vosselência vai voltar a vestir a farda da Legião quando for a banhos em Monte Gordo?

        Aposto que os marroquinos vão desatar a fugir, atacados por traças gigantes por todos os lados, já para não falar do sufoco criado pelo cheiro a naftalina!

        Pode ser uma boa tática, mas há que pensar nos efeitos secundários. Aposto que vai faltar o atum nas fábricas de conserva.

    • Paulo Marques says:

      Preservar, garantir, vai dar ao mesmo, são os dois “lados” uma treta.

  5. João Paz says:

    Falar do espectro como pretensa oposição ao “Manifesto do Partido Comunista” ´é no mínimp ridículo. Se incluirmos as “guerras” de sargeta entre as várias posições dos ditadores no poder (Rússia, Polónia, biolorússia etc etc etc) esquecendo” sempre, como convém, o Império americano torna-se obsceno Enfim! Um exercício diletantante nada inocente, como ´é óbvio. A NSA tem longos e poderosos braços. E não actua sempre, bem pelo contrário , de forma directa Actua, muitas vezes por meio de idiotas uteis. Ou nem tão idiotas como possa parecer. Para quem já defendeu aqui o terrorista Joe Biden…. tudo é possível..

    • JgMenos says:

      Houve em tempos um gajo que falava no ‘espaço vital’ e quis montar um império.
      Agora temos a importância de uma base naval, reconhecida pela lei internacional, que dá para um mar interior; mas não é império nenhum, é a promoção dos desportos náuticos!

      • POIS! says:

        Pois foi!

        E houve até por aí um tal Oliveira da Cerejeira que aceitou alegremente ser montado. Em troca de umas barritas amareladas.

        • JgMenos says:

          Nunca desmentes a imbecilidade e a ignorância.

          • POIS! says:

            Pois. As de V. Exa?

            Não desminto, claro!

            Nunca duvidei de que V. Exa. possuísse as duas qualidades! E em elevado grau!

  6. JgMenos says:

    Sempre a cambada comuna acorre a lamber-o-cú ao Putin, na sua imperecível devoção à Mãe-Rússia.

    • POIS! says:

      Pois não me diga!

      O Venturoso Enviado, a Amigalhaça Lepen(is) e o São Salvini agora são comunas?

      Bem, o Santo parece que já foi. Parece que se tratou de um momento de fraqueza, talvez uma tentação do Demo, que o tem perseguido encarnado na forma de gajas boas e de ministérios cheios de massa.

  7. estevesayres says:

    O imperialismo e social-imperialismo no seu melhor!!!
    O fascismo e social-fascismo nunca!

    Ou matamos o capitalismo ou ele, nos mata a nós!

  8. Talvez até nem seja preciso darmo-nos ao trabalho de acabar com ele, visto que ele está a destruir-se a si próprio (vide colapso das cadeias de distribuição>centenas de navios em espera>falta de peças e de carros>preços a disparar>prateleiras vazias nos super, etc)

  9. luis barreiro says:

    é só saudosistas do muro de berlim, ainda continuam a acreditar que o muro foi construído para impedir o povo de fugir para o comunismo, santa ignorância, os socialistas muitos gelados comem com a testa.

    • POIS! says:

      Pois estou saudoso, estou.

      Lá daquela coisa de berlim. Prefiro sempre com creme, mas parece que não deixam, por causa da pandemia.

      Eu acho que é mais para o comunismo não fugir para o povo.

      Quanto ao resto, não seja invejoso lá dos “socialistas”. Bem sabemos que, se V. Exa. tivesse um centimetrozinho de testa até marchava um geladinho!

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