Viva o Porto

Ora eu nasci no Porto e criei-me em Gaia.
Almeida Garrett

***

Sou do Porto, adoro o Porto e adoro ser conterrâneo de Garrett. Por adorar o Porto, ando atento a plataformas que divulgam a História do Porto e que me trazem conhecimento e alegria. Todavia, por vezes, lá vem um travo amargo.

Há uns anos, avisei que a eliminação da letra ‘p’ de palavras como excepção levaria a um aumento de ocorrências de *excessão em vez da grafia pretendida pelos autores do AO90 (exceção), com a consequente necessidade de, em publicações portuguesas, se indicar, como já acontecia antes do AO90 em publicações brasileiras, que «’excessão‘ (com dois ss) constitui erro grosseiro» (cf. Manual de Redação [sic] e Estilo do jornal Estado de S. Paulo).

Nessa altura, acrescentei que seria igualmente necessário um aditamento, exclusivo para a norma portuguesa, com a menção da diferença entre concessão e conceção (sem o ‘p’). Exclusivo para a norma portuguesa, efectivamente, pois, em português do Brasil, a concepção mantém-se imaculada.

Noutra altura, com os exemplos recepção, percepção e concepção, expliquei a importância grafémica da letra ‘p’, não só devido à função diacrítica , mas também por causa da correspondência com morfemas presos (“bound morphemes”), neste caso concreto, -ceber e -cepção.

Ora, o mesmo acontece com -ceder e -cessão. A confusão, criada por regras mal concebidas e mal explicadas, leva a que vários escreventes de português europeu grafem seção, em vez de secção.

Eis um exemplo fresquíssimo, no sítio do costume.

Ora, da seção à interseção, vai um pequeno passo óbvio e, da interseção à intercessão, vai outro pequeno passo, só óbvio para quem não limita a sua actividade profissional a fazer propaganda com coisas sérias e a evitar retractações. E da interseção à intercessão foi exactamente aquilo que aconteceu hoje.

Obviamente, quem escreveu o texto referia-se à linha de cruzamento da Rua de D. Pedro e da Rua do Laranjal e não a uma mediação da Rua de D. Pedro e da Rua do Laranjal.

Curiosa e lamentavelmente, há quem valide interseção, quando nem a transcrição  fonética endógena a autoriza.

Felizmente, por seu turno, a secção em português europeu, tal como a concepção em português do Brasil, mantém-se imaculada.

Mas estas são contas de outro rosário.

Ah! Ia-me esquecendo.

Desejo-vos um óptimo fim-de-semana.

***


Comments

  1. Professor B says:

    Exactamente, caro Francisco.
    À conta do AO90, Os alunos não distinguem concessão de concepção (em acordês, conceção), nem recessão de recepção (receção), nem intercessão de intercepção (interceção). Acrescente-se, ainda, que, na maioria dos casos, não sabem como ler essas palavras.

    • Carlos Almeida says:

      “não sabem como ler essas palavras.”
      e tambem na maioria dos casos, o que significam uma e outra

  2. JgMenos says:

    Mais uma cambada de lazarentos a tratarem de passarem por eruditos inovadores lançaram mais um desastre sobre o que nos resta de uma qualquer universalidade – a língua.

    • Tuga says:

      JMenos

      De facto ha os lazarentos e os Salazarentos como é o teu caso

    • POIS! says:

      Pois mas…

      De fato, antes da língua, “restava” o quê?

      Note-se que, de fato, a receção da nossa literactura há muito que tinha entrado em recessão. É notória a perda de contato, e o fato é que estas questões só são debatidas por inteletuais de fato e gravacta.

      O fato é que nos transformam em meros espetadores, sem possibilidade de ação, nem sequer de intercessão, no senctido da solução desta candencte questão.

  3. Manuel M. says:

    Excelente texto.

  4. balio says:

    Curiosa teoria essa, que se deve escrever de uma forma ilógica para evitar que as pessoas cometam erros de ortografia. Para evitar que as pessoas caiam no erro de escrever “excessão” deve-se forçá-las a escrever “excepção”.
    Eu dira que é substituir um erro pelo outro.

  5. Tuga says:

    “Para evitar que as pessoas caiam no erro de escrever “excessão” deve-se forçá-las a escrever “excepção”.”

    É obvio não é , menos paraanalfabrutos

Trackbacks

  1. […] sabido que é curta a distância entre a *seção e a *interseção e, mais lá para a frente, entre a *interseção e a *intercessã…. Sabe-se igualmente, como já nos lembrou Nabais, que a sessão é contínua. Em tempo de […]

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