Notas sobre a agressão de Will Smith a Chris Rock

Sobre o caso da agressão de Will Smith a Chris Rock, porque é exactamente disso que se trata, de uma agressão, tenho sete coisas para vos dizer, sem nenhuma ordem especial. Aqui vão elas:

1) A liberdade de expressão é um pilar das democracias. Uma agressão é um crime. E ainda bem que é assim;

2) Quando ouço ou leio alguma coisa que não me agrada (e falo por experiência), por muito ofensivo que considere essas palavras, mesmo que me sejam dirigidas, não tenho legitimidade para bater no seu autor. Tenho, isso sim, a possibilidade de agir judicialmente contra essa pessoa. Somos seres civilizados, da polis, não macacos a lutar por bananas na selva;

3) Posso, ainda assim, armar-me em macaco e bater numa pessoa que diz ou escreve sobre mim coisas que me insultam. Cabe ao Estado e ao poder judicial pôr-me na linha. No caso em questão, presumo que as autoridades norte-americanas tenham todas as provas necessárias para fazer justiça. Espero que a façam. Um exemplo destes, vindo de uma figura pública que é um role model para milhões, não deve ser tolerado;

4) Will Smith podia estar a ter um dia mau, a passar por uma fase complicada, agravada até pela doença da esposa, e ter-se deixado levar pelas emoções mais primárias. Afinal, ele é um ser humano como qualquer um de nós e, como nós, comete erros. Não contem comigo para o catalogar como monstro por um acto isolado. Mais ainda quando é sabido que o próprio Will Smith viveu na pele o drama da violência doméstica, ainda criança. Tal não retira gravidade à atitude em si, mas as coisas nem sempre são tão claras como aparentam ser e o contexto é sempre importante;

5) Os limites do humor não são as nossas convicções nem a nossa sensibilidade para assuntos mais ou menos delicados. É a lei. Não foi Chris Rock que passou dos limites. Foi Will Smith;

6) Não são os limites do humor, a prioridade desta discussão. É a violência e a sua normalização enquanto método legítimo, que não é. Porque hoje é uma chapada por causa de uma piada sobre alopécia, amanhã poderá ser porrada por qualquer outra piada que incomode cada indivíduo na sua existência. E quem diz piada diz convicção social, fé religiosa ou ideologia política. Não somos Putins nem Xi Jinpings. Ou pelo menos não deveríamos ser;

7) Não haver um segurança que levasse Will Smith para fora do local da cerimónia dos Óscares diz tudo o que precisamos de perceber sobre o privilégio das elites. Will sobe ao palco, agride o apresentador, volta para o seu lugar, senta-se e fica ali, sereno, como se nada fosse, a aguardar pela sua estatueta. Qualquer um de vós que fizesse o mesmo numa cerimónia idêntica ia direitinho para a esquadra mais próxima;

Era isto. Continuação de uma boa tarde!

Comments

  1. Ramiro S. Osório says:

    Lbertarismo de expressão não é liberdade de expressão. Je ne suis pas Charlie.

  2. estevesayres says:

    Eu entendo o que é grave é agressão… Sendo assim, onde está liberdade do humorista… E os EUA são daqueles que menos dão liberdade pelos visto… Porque eles na maioria das vezes, atuam sempre com agressões sejam elas onde for…

  3. Rui Naldinho says:

    Como parece ser perceptível, Will Smith foi agressivo e violento com Chris Rock. Mesmo sentindo-se ofendido, nada justificava aquele comportamento.
    Isso é crime?
    Talvez. Depende sempre da interpretação do juiz, coisa que na USA tem “vistas largas”.
    Há formas mais civilizadas de se resolver uma ofensa verbal, se assim se pode chamar. À chapada não me parece ser a mais cordata.
    Mas contudo convém não transparecer uma ideia algo abusiva, como tenho por aí lido e ouvido, de que o humor não tem limites. Claro que tem. Os limites da ofensa psicológica e gratuita.
    Ou então metam numa sacola toda a violência que não é física, muitas vezes repetida, como a chacota, a humilhação, o gozo despropositado, para gáudio de umas dezenas de irresponsáveis, causadora por exemplo, de depressões prolongadas e até suicídios. As nossas escolas apresentam vários casos. Muita da violência doméstica está neste patamar.
    Já no passado, João Quadros gozou com a calvície da esposa de Passos Coelho, político com o qual antipatizo, como sabem, e uma legião de defensores da liberdade de expressão a qualquer preço, vieram defendê-lo. Alguns afirmaram que o humorista nunca quis ofender a senhora, mas sim ironizar com a calvície ariana do Ex Primeiro Ministro. Tretas.
    Como é óbvio para meio mundo, a minha liberdade de expressão acaba no momento em que ela choca com a liberdade de expressão do meu interlocutor.
    Já agora, comparar a calvície mais ou menos prematura de alguém que vive nesse registo a vida toda, em especial os homens, ou o nariz do Gerard Depardieu, não é a mesma coisa que comparar a calvície pontual provocada por uma doença, mesmo que ela não seja mortal, seja ele homem ou mulher, e muito menos criança.
    Dito isto, Smith é uma pessoa que ferve em pouca água, agressivo e violento. Já Chris Rock me parece um parvalhão,, que se permite ao gozo e à chacota com quem for, desde que isto lhe dê audiências.

  4. JgMenos says:

    Uma sociedade em que a tolerância só a si mesma se tolera, definem-se padrões de felicidade que compelem as pessoas a serem e dizerem-se felizes em toda a circunstância, com a única escapatória de se verem incluídas no catálogo definidor de vítimas:
    Vai daí, há uma variedade de idiotas:
    – Atentos aos mais populares indicadores de felicidade do momento, adotam todos os que podem pagar ou assumir, deformando os queixos em sorrisos e enchendo a boca de vulgaridades.
    – Compram a felicidade com drogas, se exageram, são vítimas.
    – Fazem profissão a dizer toda a merda dirigida a promover a felicidade, ainda que fazendo vítimas,, e esperam que os alvos invistam em advogados e tribunais e esperem anos para serem declarados vítimas.
    – Furtando-se ao incómodo dever de se declararem felizes:
    .
    – Declaram-se pastores de vítimas e justificam a sua infelicidade por associação

  5. JgMenos says:

    Declaram-se vítimas e apelam a quanto instrumento de promoção de felicidade para que possam qualificar-se..
    ….

  6. JgMenos says:

    Quanto ao caso:
    – O da piada mostrou-se excelente profissional à altura da circunstância.
    – O da bofetada, deu uma saudável demonstração de humanidade, usando a violência com a moderação adequada à circunstância

    Bem hajam!

    • Ou seja, o ideal do menos é dizer piadas parvas e ofensivas e andar à batatata. (E lá estou eu a alimentar olharapos…)

    • POIS! says:

      Pois, e resumindo quanto aos intervenientes:

      A) O da piada mostrou-se um excelente profissional a levar nos cornos;

      B) O da bofetada deu uma saudável demonstração de humanidade a dar nos cornos;

      C) O JgMenos emprestou o material necessário aos participantes.

  7. Paulo Marques says:

    Duas décadas antes, ou o camandro, o artista, na altura jovem, não teve problemas em fazer uma piada sobre a mesma doença a um membro da banda do talk show onde foi convidado, ao que o apresentador responde que está tudo ok porque ninguém foi magoado. Evolui-se, nem sempre para melhor.
    Mas não diria que não há limites; fosse aqui o nosso fasço a levar um pêro por dizer uma das suas alarvidades a alguém que as sofreu na pele, e eu batia palmas. Por ex.

  8. Rets says:

    Rui Naldinho, os limites do humor são os limites da lei. De resto, é tudo uma questão de bom gosto, ou falta dele.

    Tenho as maiores dificuldades em aceitar que comparar uma careca com um filme em que a força de uma mulher é tema central (ainda que a torne num homem, a crítica principal e justa ao filme) seja propriamente uma ofensa verbal.

    Além disso, as ofensas verbais ditas na escola ou em casa são uma realidade, concordo, mas o que se deve discutir é se cada caso é um crime ou não.

    A sua frase “a minha liberdade de expressão acaba no momento em que ela choca com a liberdade de expressão do meu interlocutor” soa mais a cliché, porque parte do princípio que devo auto censurar quase tudo o que digo consoante cada pessoa que desconheço.

    Isso pode estabelecer uma hierarquia de uma polícia de bons-costumes e moralistas, o que é antidemocrático e perigoso. É por causa disso que as pessoas se ofendem com tudo, e outros jogam com essas ofensas criando vítimas que não existem, e é esse o erro da nossa sociedade, cair numa constante fórmula de falácias, que se importa com disparates mas não quer saber da verdadeira violência nas escolas e nas casas, caso contrário essa violência já tinha sido verdadeiramente combatida.

    Ex: Ser chumbado para o cargo de vice-presidente da AR nada tem que ver com a cor da pele.

    Comparar a alopécia a um filme não está no mesmo patamar do assédio psicológico ou físico nas escolas e casas, chame bullying ou violência doméstica, a maior parte das vezes feito às escondidas ou entre um público que precisa de um bode expiatório, e feito com o intuito de destruir o outro que não se consegue defender, tendo o “agressor” como único intuito obter auto-estima. É uma falácia.

    Chris Rock disse algo 1) em público 2) à frente dos próprios 3) não se sabe se foi ele que escreveu a piada 4) a piada compara uma careca a um filme com uma careca para mostrar a sua “força”. Onde está aqui o bullying ou o intuito de destruir o outro por destruir? Além disso, quem tinha de falar era a mulher de Will Smith, não este.

    Faz lembrar o famoso caso Hustler, isto é, as pessoas confundem violência com paródia. Will Smith foi o único que exerceu violência.

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